Mesmo que ela seja hoje uma empreendedora de sucesso, sua história não nega: Mariana Silva ainda é cientista. “Mas ciência nunca me bastou”, rebate. “Eu precisava pensar fora da formalidade, fora da caixinha. Acabei juntando essa minha curiosidade de pesquisadora com a necessidade de oferecer alguma resolução para problemas sociais, algo que impactasse a sociedade e o ambiente”, conta a biomédica baiana, CEO e fundadora da Planty Beauty, empresa de cosméticos que utiliza ferramentas avançadas da biotecnologia para fazer produtos mais limpos dos que os tradicionalmente desenvolvidos pela indústria.
Aos 30 anos, criada em Catu, uma cidade no interior da Bahia com cerca de 54 mil habitantes, Mariana estudou – e como estudou! – em Salvador, no Canadá, e na Universidade de São Paulo, onde está terminando o mestrado na Faculdade Medicina. Entretanto, já precisou esconder todos os seus diplomas para trabalhar como atendente em uma startup e só assim aprender como, de fato, poderia empreender.
“Fala-se tanto sobre startups de sucesso, mas como se faz uma startup de sucesso? Como a cultura da empresa se forma? Como métricas são estabelecidas? Como as operações acontecem?”, diz ela, que, para responder a esta e outras tantas questões, foi funcionária do Nubank, e assistiu de perto o crescimento da instituição.
Na entrevista a seguir, Mariana descreve os detalhes de sua trajetória, suas reflexões, e de que forma sua empresa, a Planty Beauty, pretende chacoalhar o mundo dos cosméticos, hackeando códigos genéticos de plantas para evitar o extrativismo predatório.
NETZERO: Como a ciência e o empreendedorismo se encontraram na sua vida?
MARIANA SILVA: Comecei a cursar biomedicina muito cedo, aos 17 anos, na Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública. Era um campo de estudo que eu gostava, mas parecia que eu não me enquadrava com o que era ofertado na faculdade. Até que fiz um intercâmbio no meio do curso, por meio do programa Ciência sem Fronteiras, para a Universidade de Manitoba, na cidade de Winnipeg, no Canadá. Na época tive todo o subsídio do governo, afinal era algo que minha família jamais poderia pagar. Lá eu me frustrei ainda mais com a possibilidade de ser cientista. Eu queria escrever meu próprio projeto, queria estar mais no laboratório, meu orientador não deixava, enfim: fiquei frustrada com os ritos limitantes da academia. Na época, uma amiga me disse: acho que você se daria bem trabalhando numa startup. Eu queria pensar fora da formalidade, fora da caixinha. Tinha uma necessidade de juntar a curiosidade acadêmica com a resolução de problemas sociais, algo que impactasse na sociedade. E a perspectiva de empreendedorismo na área de saúde dentro da academia ainda é escassa.
Você saiu da universidade e já abriu sua empresa?
De jeito nenhum! Em 2014 voltei ao Brasil, finalizei a graduação, e fui estagiária de um marketplace de agronegócio. Passei por algumas startups, até chegar no Nubank. Lá eu tive a oportunidade de ver o crecimento de uma startup como o Nubank, eu estava lá quando ele se tornou unicórnio.
Nunca tive apego a cargos e sim a planos: queria aprender a empreender. Queria trabalhar com gente que eu admirava. Eu era biomédica e escondia meu currículo para poder trabalhar no atendimento do banco. Queria entender sobre a cultura empresarial: fala-se tanto sobre startups de sucesso, mas como se faz uma startup de sucesso? Como a cultura da empresa se forma? Como eram as métricas estabelecidas? Como as operações aconteciam? Prestava atenção nessas questões com um olhar de gestão atento.
Como você aplicou este aprendizado?
Apesar de estar longe, a área da saúde ainda me martelava na cabeça. Saí do Nubank e voltei para a academia. Para empreender nessa área de saúde é preciso ter conhecimento técnico. E isso vem de dentro da universidade, não tem jeito. Fui fazer um mestrado para me conectar com esse universo. Nós, mulheres, mais do que os homens, precisamos provar o tempo inteiro que a gente sabe, precisamos estudar muito mais, nos aprofundar, saber mais e mais. E ainda ouvimos que não sabemos muito…. [risos]
E como nasceu a Planty Beauty?
Cosméticos sempre foram uma paixão. Então, pensei em algo com viés cientifico e com intuito de preservação, de menos impacto ambiental. A Planty é consequência de startup anterior em que tivemos a ideia de produzir bioprodutos e biofarmácos. Utilizamos a biologia sintética – ou seja, hackeamos o código genético da planta e colocamos dentro de um microorganismo para ele crescer, se reproduzir, e produzir a mesma substância que a planta produzia. É uma ferramenta excelente e, do ponto de vista de sustentabilidade, é uma nova forma de produzir a mesma coisa, de maneira mais limpa, sem precisar do extrativismo predatório.
Então vocês refazem a planta dentro do laboratório para não ter que extraí-la da natureza?
Sim. Mas não ficamos só dentro do laboratório não. Primeiro mapeamos as plantas de diferentes biomas brasileiros com funções cosméticas. Depois vamos criar um banco de dados e decidir qual planta usar, e se usaremos bactérias, leveduras ou outros microrganismos. Por exemplo, nosso hidratante é feito com ácido hialurônico produzido a partir de bactéria e não de extração animal.
Queremos tirar os ativos do laboratório: se precisar de algum extrativismo, que seja benéfico, seja para o ambiente e para as comunidades. Nosso objetivo é chegar nas comunidades extrativistas – coisa que nem sempre as grandes empresas fazem. O lucro de uma Natura, por exemplo, é enorme e não chega na mesma proporção das comunidades que fazem a extração dos ativos.
Como o ESG é aplicado na Planty Beauty?
A Planty já nasceu ESG. Primeiro porque foi preciso que eu olhasse para problemas que mais me atingiam na sociedade e pensasse em soluções que cuidassem da parte social, ambiental e também de governança. A empresa tem relação com a minhas raízes, com a natureza, com a roça, lugar de mata úmida. Aquele cheirinho de terra que sempre permeou meu inconsciente. Eu precisava cuidar disso.
TRÊS DICAS PARA UMA EMPRESA NASCER ESG
POR MARIANA SILVA
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
O descarte incorreto de redes de pesca ameaça a vida marinha. Cofundada pela oceanógrafa Beatriz Mattiuzzo, a Marulho mobiliza redeiras e costureiras caiçaras para converter esse resíduo de nylon em sacolas, fruteiras e outros produtos.
Aos 16, Fernanda Stefani ficou impactada por uma reportagem sobre biopirataria. Hoje, ela lidera a 100% Amazonia, que transforma ativos produzidos por comunidades tradicionais em matéria-prima para as indústrias alimentícia e de cosméticos.