Única brasileira no K-Startup, a VRGlass mira o mercado asiático com suas soluções de realidade estendida

Alexandra Gonsalez - 11 set 2019
Ohmar Tacla, CEO e fundador da VRGlass.
Alexandra Gonsalez - 11 set 2019
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Era uma vez dois garotos de Curitiba que, em 1991, desenhavam e vendiam gibis personalizados, transformando colegas do colégio em protagonistas das histórias. Aos 10, Ohmar Tacla e Pedro Cesar já mostravam criatividade e espírito empreendedor – cada edição era negociada individualmente e o lucro, investido em balas e chicletes.

“Nossa primeira empreitada foi penalizada pela escola e tivemos todo o dinheiro confiscado. Felizmente, a punição não foi frustrante o suficiente para desistirmos”, conta Ohmar, 38.

Dar asas à imaginação pode ser lucrativo. Hoje, ele e Pedro (também 38) são, respectivamente, o CEO e o COO da VRGlass, empresa de conteúdo, software e hardware de realidade estendida (XR), que inclui realidade virtual (VR) e realidade aumentada (AR). Em oito anos, já entregaram mais de 150 projetos customizados para marcas globais, entre apps, animações, filmes e equipamentos. No ano passado, o faturamento foi de R$ 2 milhões.

Uma amostra do trabalho deles é o Floresta sem Fim, da Faber-Castell, desenvolvido em parceria com o estúdio de animação Vetor Zero. O jogo interativo para colorir animais foi o app educacional brasileiro mais baixado na AppStore em 2018 (com 600 mil downloads) e arrebatou, em 2017, Leões de Ouro em Cannes, nas categorias mobile e realidade aumentada, e prêmios como o Clio Awards e o D&AD Awards.

AUTODIDATA, OHMAR CRIOU TRÊS EMPRESAS ANTES DA VRGLASS

Ohmar aprendeu a se virar com web design na adolescência, navegando na internet. “Precisava criar um site para minha banda [ele canta e toca guitarra desde os 14]. Aí descobri o programa Macromedia Flash. Não parei mais.”

Chegou a cursar Publicidade, mas nunca foi buscar o diploma. “Antes de me formar, já programava e criava animações por diversão, com amigos fazendo roteiros, trilhas e locuções. Aprendi em livros e tutoriais do YouTube, como muitas pessoas dessa indústria.”

Em 2000, aos 19, ele foi premiado no UOL Festival do Minuto. Agências começaram a bater na sua porta com encomendas para criação de sites, apps e jogos corporativos. O espírito empreendedor, porém, prevaleceu: em 2003, Ohmar abriu a Go2nPlay Studios, de web design.

“Era emocionante estar no centro do furacão, tão jovem e sem os vícios do mercado de trabalho convencional. Chegamos a ter 40 pessoas trabalhando 24 horas por dia num ambiente movido a guitarras, videogames e pizzas”

Até vender a Go2nPlay, em 2010, ele criou websites e animações para marcas como Hyundai, O Boticário e HSBC. Diz que sua empresa foi uma das pioneiras a comercializar advergames (jogos como ferramenta de divulgação de marca) de realidade aumentada.

Ele fundou ainda o estúdio de animação Lyric.TV (conta que dirigiu e animou vídeos para Beyoncé, Seu Jorge e Ivete Sangalo) e o Corretores.com.br, uma plataforma de venda de imóveis com recursos de realidade virtual.

LENTES DE BRINQUEDO + MÁSCARA DE ESQUI + iPHONE = 1 PROTÓTIPO

O empreendedor deixou as empresas em 2015, quando a VRGlass ganhava musculatura. Ele e Pedro fundaram a startup em 2011. Na época, Ohmar já tinha juntado um patrimônio e resolveu botar boa parte dele no novo negócio.

O protótipo do visor foi montado com materiais como lentes de brinquedo, máscara de esqui e um iPhone 3. Mesmo nesse esquema “gambiarra” (ou MacGyver, para os mais velhos), eles conseguiram R$ 1 milhão de investidores-anjo, usados na compra de equipamentos e no desenvolvimento de softwares.

Até conquistar o aporte, Ohmar conta que passou meses negociando com investidores “antiquados e céticos”. O ceticismo, porém, não deveria ser surpresa.

“Entre 2011 e 2014, não havia óculos VR mobile. A maioria das pessoas nunca tinha ouvido falar em realidade virtual”, diz Ohmar. De lá para cá, mudou bastante. E ele acredita que, com o barateamento da tecnologia, a tendência é que todos os modais de comunicação migrem para uma única tela.

“A maioria dos sites e apps que existem hoje em computadores, celulares, smartwatches e smartTVs eventualmente necessitarão ser portados para óculos de realidade estendida”

Ainda hoje, segundo o CEO, a realidade virtual é um mercado “praticamente virgem”, com potencial para alcançar todas as áreas:

“Mesmo em mercados tradicionais, como a educação, existe interesse em automatizar tarefas, cortar custos, aumentar a satisfação e conversão, gerando um número de oportunidades para criação de softwares e filmes imersivos.”

COMO NASCEM OS APLICATIVOS E PROJETOS DE REALIDADE ESTENDIDA

Ohmar, Pedro e os outros três sócios-fundadores — Bruno Prosdocimo, Rafael Colnaghi e Camila Tacla, irmã de Ohmar — fizeram o negócio decolar. A matriz e os estúdios de gravação permanecem em Curitiba, mas hoje há diretores espalhados por filiais em São Paulo, Rio, Camboriú (SC), San Francisco, Amsterdã e Seul.

Ao todo, o time tem 32 pessoas: são designers, animadores 2D e 3D, cinegrafistas, editores de vídeo e imagem, desenvolvedores de software, redatores, time de vendas, planejamento e finanças. Uma ação de VR/AR leva de um a quatro meses de produção, em um processo cheio de camadas.

A sócia Camila Tacla, realizando testes para uma campanha com a Hershey’s e a startup Magic Leap.

“Começa na compreensão de quem é o público-alvo e o objetivo da ação, [e vai] até a conclusão, com a publicação em lojas online como AppStore, Google Play, Oculus, ou offline, diretamente nos dispositivos a serem usados em eventos dos clientes”, diz Ohmar.

As demandas mais frequentes são criar experiências mobile com alto grau de engajamento e compartilhamento, reduzir custos de treinamento e integração de colaboradores e aumentar o impacto e inovação em eventos corporativos ou de trade marketing.

“Outros pedidos comuns são embalagens interativas, soluções virtuais para visitas remotas a fábricas e sedes de companhias, e visualização de catálogos e showrooms de produtos”

Os clientes são de nichos variados, como Hershey’s, Adidas, 3M e Oi; há também marcas automobilísticas de peso: Nissan, Volkswagen, Ford e Volvo. A remuneração varia com a complexidade do job, “mas a maior parte do faturamento é referente a projetos entre R$ 100 mil a R$ 500 mil”.

A FILHA DE 6 ANOS FOI A “BETA-TESTER” DO APP DO MENINO MALUQUINHO

Em 2019, a VRGlass conquistou novo aporte de R$ 1,5 milhão de uma holding familiar. “O investimento nos ajudou com a gestão administrativa, legal e financeira. Foi um passo importante para automatizar e profissionalizar o negócio. Conseguimos focar exclusivamente na gestão de projetos, pesquisa e expansão internacional.”

Outra conquista recente foi ser acelerada (em 2018) pela Samsung. A partir dessa experiência nasceu um app infantil para a Turma do Menino Maluquinho, do cartunista Ziraldo. O projeto durou nove meses e rendeu um investimento de R$ 210 mil. “Recebemos mentoria em todos os aspectos do produto: design, tecnologia, validação do mercado e lançamento”, diz.

Dezenas de crianças testaram o app durante o desenvolvimento. Entre elas, a filha de Ohmar, Michaela, de 6 anos, a “principal beta tester” do projeto:

“Vê-la navegando foi inicialmente aterrorizante, pois ela causou uma série de bugs nunca vistos antes. Aprendemos muito em relação ao modo como os pequenos interagem com conteúdo digital, suas prioridades e motivações”

Em breve, os serviços de Michaela devem ser requisitados novamente. A VRGlass está tocando outro projeto infantil: um app estrelado pela Turma da Mônica, para a Mauricio de Sousa Produções, ainda sem data de lançamento.

A ÚNICA EMPRESA BRASILEIRA SELECIONADA PARA O K-STARTUP 2019

O texto poderia terminar ali em cima, falando da Michaela. Seria um final fofo. Mas é que em agosto a VRGlass recebeu uma ótima notícia: a empresa foi classificada para o K-Startup Grand Challenge 2019, o programa anual de aceleração e mentoria do governo da Coreia do Sul.

“Fomos uma das 40 empresas selecionadas entre 1 677 concorrentes de todo o mundo — e a única brasileira”, conta Ohmar.

De acordo com o CEO, eles são também a única startup no programa focada em VR/AR, o que deve favorecer a tração com as empresas-âncora parceiras, como Samsung, Hyundai, LG e Kia. “Temos contato direto com os executivos dessas multinacionais.”

O sócio Bruno Prosdocimo (à esq.) e o CCO Cesar Noda em Seul, para o K-Startup Grand Challenge 2019.

O Demo Day do K-Startup será em dezembro. As 20 melhores empresas (em termos de escalabilidade e adequação ao mercado sul-coreano, por exemplo) devem disputar uma “prorrogação”, até abril de 2020. A mais bem avaliada leva um prêmio de US$ 100 mil.

A presença na Ásia é encarada pelos sócios da VRGlass como um trampolim para o futuro:

“Nesta etapa, abrimos uma filial na Coreia, que será nossa base para a expansão no mercado asiático. Temos quatro executivos full-time em Seul, três brasileiros e um sul-coreano”

Ohmar diz que há uma grande demanda local por apps de realidade aumentada mobile, área na qual a empresa paranaense teria bastante experiência. Outra vantagem é a chance de experimentar com tecnologia de ponta.

“Os sul-coreanos usam smartphones de última geração, o que nos permite explorar recursos que só estarão disponíveis em massa no Brasil daqui a três ou cinco anos.”

 

DRAFT CARD

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  • Projeto: VRGlass
  • O que faz: Desenvolve e produz aplicativos, soluções e equipamentos de realidade virtual e aumentada (VR/AR).
  • Sócio(s): Ohmar Tacla, Pedro Cesar, Bruno Prosdocimo, Rafael Colnaghi e Camila Tacla.
  • Funcionários: 32
  • Sede: Curitiba
  • Início das atividades: 2011
  • Investimento inicial: R$ 1 milhão
  • Faturamento: R$ 2 milhões (2018)
  • Contato: ohmar@vrglass.com
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