Nesta época, com a Páscoa chegando e os ovos à vista nos supermercados, é comum bater aquela vontade louca de comer chocolate.
Para os veganos, porém, nem sempre foi fácil encontrar um chocolate que agradasse ao paladar. Branco então? Muito mais complicado.
Juliana Salgado, 33, é adepta do veganismo desde os 14. A busca por uma receita perfeita de chocolate branco vegano a levou a criar a Super Vegan, em 2018.
“Na época, não tinha muito chocolate branco vegano no mercado, não era muito difundido… então começamos com o de vanilla, depois criamos o de cookies, o de morango, e fomos aprimorando”
Com sede em Santos, no litoral de São Paulo, a marca hoje conta com dez sabores de barras. O preferido de Juliana é o nougat branco (R$ 19,90 cada); há também quatro tipos de cremes/pastas (R$ 38,90, o pote de 350 gramas) e uma linha para o food service — tudo feito à base de leites vegetais (de arroz, de coco, de amêndoas etc.)
Na época de Páscoa, claro, também há a produção de ovos de chocolate vendidos em latas (são seis tipos e tem inclusive versões com recheio). Em 2022, a marca vendeu 3 mil unidades e a expectativa para 2023 é dobrar a quantidade.
Em média, a Super Vegan produz cinco toneladas de chocolate por mês para atender todo o Brasil por meio de sua loja online e mais de 400 pontos de revenda espalhados pelo país. No ano passado, faturou 3 milhões de reais. A meta agora é fechar 2023 batendo em 7 milhões de reais.
ELA FOI FAZER NUTRIÇÃO PARA PROVAR À FAMÍLIA QUE O VEGANISMO É POSSÍVEL (E SAUDÁVEL)
Juliana conta que virou vegana influenciada pelo movimento punk e pelo ativismo do seu círculo social:
“Boa parte dos meus amigos era do meio da música, e muitos tinham um pezinho no veganismo”, diz Juliana. “Aí, uma prima minha também virou vegana e a gente trocava receitas. Virar vegan sozinho é muito difícil, mas tinha uma pessoa ali para fazer essa partilha comigo.”
A partir dessa decisão, ela começou a fazer a própria comida e pesquisar receitas, porque afinal, na época, não existia quase nada disponível no segmento plant-based no mercado. Juliana, porém, teve que enfrentar inicialmente a resistência dos pais (depois, eles se acostumaram com a sua decisão):
“Minha família não aceitava muito bem, porque eu tive anemia quando era bebê e eles achavam que eu ia morrer sendo vegana…”
Para provar que era possível manter esse estilo de vida e ser saudável, no ensino médio ela decidiu fazer o curso técnico em nutrição. Depois, seguiu a graduação na mesma área.
No quarto ano de faculdade, durante um intercâmbio para a Espanha, Juliana se encantou com os chocolates brancos veganos que encontrou na Europa. Quando voltou ao Brasil para concluir o último ano do curso e estagiar, decidiu que queria fazer esses chocolates por aqui.
“Tentei algumas receitas com liquidificador, usando dicas de sites gringos, passei a fuçar e isso virou um projeto. Mas não tinha nada a ver com o que a gente faz hoje em dia.”
DA ÁUSTRIA, ELA TROUXE UMA MÁQUINA PRÓPRIA PARA FAZER CHOCOLATES E FOI ASSIM QUE A SUPER VEGAN COMEÇOU
O projeto acabou ficando de lado temporariamente porque Juliana decidiu ir embora para a Áustria com o então namorado, logo após acabar a faculdade.
Ela ficou por lá quatro anos e meio trabalhando na área de confeitaria e restaurantes veganos. O namoro chegou ao fim, mas ela decidiu se manter na Europa por um tempo.
Foi durante um curso de confeitaria em Barcelona que ouviu falar de uma máquina de fazer pasta de amendoim. Juliana pensou que o aparelho poderia servir para fabricar chocolate.
A data do seu retorno ao Brasil se aproximava, e ela tomou a decisão de investir cerca de 10 mil reais no equipamento, e enfim desengavetar seu projeto de produzir, aqui no Brasil, chocolates veganos.
“Eu não fazia ideia na época, mas essa máquina, que se chama mélanger, de fato é a que as pessoas usam atualmente para fazer o processo bean to bar, ou seja, da amêndoa à barra do chocolate”
Juliana criou sua própria receita de chocolate branco, a partir de tutoriais que achou na internet.
“Tinha um site estrangeiro que eu gostava muito que já falava de fermentação, algo que não se comentava muito na época. Na verdade, era algo simples, três ou quatro ingredientes que precisam ser emulsionados de maneira que fiquem cremosos.”
Na base da tentativa e erro (“falta baunilha”, “está muito doce”), ela foi criando as primeiras receitas da Super Vegan: baunilha, cookies ‘n’ cream e morango.
Para os demais sabores, a empreendedora conta que se baseou em chocolates que costumava comer na Europa e dos quais sentia falta.
“Me inspirei em duas marcas que consumia lá e, no final, não consigo mais consumi-las: gosto mais do meu!”
A princípio, amigos ajudaram o negócio a engrenar. Uma amiga, Camila Rosa, criou o logo antigo, que já era o de uma raposinha. Outro produziu a embalagem, e assim por diante.
“Eu fazia a produção numa edícula na casa do meu pai e as vendas eram realizadas em feiras, restaurantes de amigos e pequenos empórios.”
O ATIVISMO FAZ PARTE DA MARCA E ESTÁ NO SEU DESIGN FOFINHO E NA SUA COMUNICAÇÃO, SEMPRE DE FORMA LEVE E INFORMATIVA
Quem olha os produtos da Super Vegan tende a achar fofinhos os bichos que ilustram as embalagens, uma raposa, um esquilo e um macaco. Mas existe uma simbologia por trás.
Criado pela agência Carinhas, o design traz os animais como uma crítica à sua exploração:
“A raposinha, nossa mascote, representa a utilização de peles, ainda bem comum hoje em dia… Já o esquilinho simboliza a caça de animais, presas muito comuns lá fora. E o macaquinho representa a destruição da nossa biodiversidade”
O ativismo também é colocado de forma leve e informativa nos conteúdos da marca nas redes sociais.
“A gente tenta abordar tudo de maneira positiva”, diz Juliana. “Acreditamos num marketing mais elaborado para divulgar o veganismo do que colocar vídeos de caça, até porque a gente foca mais no empoderamento dos animais.”
A empreendedora às vezes ouve queixas sobre como os chocolates veganos são caros, mas lembra que uma postura ética impacta no preço do produto artesanal. E aponta alguns problemas da grande indústria que não têm nada a ver com veganismo:
“Na compra do cacau barato está embutido o trabalho escravo. E a gente não quer ter esse tipo de relação, então não compramos esse tipo de insumo”
O segundo problema é o uso de gordura vegetal.
“Nas marcas baratas do mercado que usam leite convencional, o que faz com que o produto fique mais em conta não é o leite, mas a gordura vegetal. E a gente só utiliza manteiga de cacau.”
Quem olha as redes sociais da marca encontra conteúdos ativistas sim, mas de forma leve e divertida. E a garota propaganda que aparece em quase todos eles não é a Juliana, viu? Ela diz que a confusão é comum, mas se trata de uma amiga, Camila Maleski, que primeiramente fez umas fotos de divulgação em 2020 e acabou virando a cara da Super Vegan, além de fazer parte da produção.
Ainda sobre a comunicação da marca, apesar do foco nos veganos, a empreendedora conta que ultimamente tem reparado numa busca maior pelos produtos por parte de pessoas alérgicas e intolerantes à lactose.
“Nunca tínhamos pensado em atingir esse público. Mas, de um ano para cá, fizemos todos os testes e nos tornamos aptos à dieta de pessoas com APLV (Alergia à Proteína do Leite de Vaca).”
NA PANDEMIA, A MARCA SE VIU OBRIGADA A CRIAR UM E-COMMERCE E ABRIU AS PORTAS PARA COMEÇAR A RECEBER APORTES
Nos primeiros dois anos de operação, a Super Vegan ia bem, mas quando veio a pandemia e muitos estabelecimentos fecharam, a fundadora precisou encontrar uma forma de continuar alcançando os consumidores finais.
A Covid-19 chegou ao país bem quando a nova fábrica da marca estava sendo reformada.
“A primeira coisa que fiz foi montar uma vaquinha em que oferecia kits para pessoas físicas que colaborassem. Eu e meu namorado íamos fazer as entregas e com isso a gente conseguiu faturar tudo o que precisávamos naquele momento”
A partir da vaquinha, ela viu que seria viável vender online e criou o site e o e-commerce, passando a vender para todo o Brasil.
Nessa época, a Super Vegan recebeu seu primeiro investimento para finalizar a reforma da fábrica, 30 mil reais, vindos da empresária, investidora e ex-BBB Juliana Goes e do seu marido, o dinamarquês Christian ‘Crica’ Wolthers (investidor de negócios veganos e fundador do Vegan Business).
“Foi muito louco, porque a gente não fazia ideia do que era investimento, do que era esse mundo”, diz Juliana.
No final de 2020, Crica disse que teria outra oportunidade para a Super Vegan, que se concretizou no primeiro aporte do fundo britânico Veg Capital, no valor de 350 mil reais, em 2021. Foi após essa captação, aliás, que Juliana teve a ideia de acrescentar os cremes no portfólio da Super Vegan.
“É algo que ainda tem poucas marcas fazendo. Iniciamos com o creme de avelã branco, preto, de amêndoas com coco e amendoim. A gente queria primeiro validar, antes de vender para lojistas. Neste meio tempo, alteramos e tiramos o de amêndoas com coco e amendoim, substituindo por cookies e o de creme branco, que é mais para a aplicação de confeitaria.”
Dois anos depois, em janeiro de 2023, veio um segundo aporte do Veg Capital, de 1,1 milhão de reais; além disso, a Super Vegan abriu uma rodada de equity crowdfunding na plataforma Vegan Business. Em apenas uma hora e meia, mais de 90 investidores aportaram 545 mil reais na Super Vegan.
“A maior parte da verba captada, com o fundo o crowdfunding, será utilizada para a expansão da fábrica. Desde o ano passado, alugamos mais um andar, então agora temos dois, o que representa mais ou menos 500 metros quadrados. E o resto será dividido em marketing, comercial e time.”
A RECEITA DO SUCESSO É APRENDER COM OS ERROS E CONTINUAR FAZENDO PLANOS
Como toda jornada empreendedora, a de Juliana exigiu ajustes ao longo do caminho.
Ela considera que foi um deslize começar o negócio sem ter um site. O e-commerce foi criado apenas durante a pandemia.
Esse, porém, não foi seu maior erro.
“O principal erro é que eu tenho um problema em delegar, gosto de fazer tudo. Para se ter uma ideia, o chão da fábrica fui eu que fiz porque queria do meu jeito. Sinto que tinha muito essa questão de centralizar, hoje não tenho mais”
Ela também cita a escolha da localização da fábrica como um erro estratégico.
“Começamos no primeiro andar de uma construção que não tem elevador. Então, tivemos que subir com todas as máquinas escada acima. Não conseguimos levar algumas e tivemos que vender. São coisas que não pensamos na hora…”
Ainda para este semestre, a Super Vegan pretende lançar uma linha de chocolates sem açúcar, atendendo a pedido dos consumidores:
“A gente pretende criar esse produto, mesmo que sejam poucos sabores. A maior parte das marcas de chocolates veganos brasileiras mira muito em ser fit, mas quisemos ir para outro lado. Só que entendemos que quem gosta da Super também quer ter uma opção sem açúcar.”
A Super Vegan também pretende lançar produtos em versões menores, pensando em cafés e restaurantes, além disso há intenção de criar bombons e recheados.
Entre os produtos sazonais, além dos ovos de Páscoa, a Super Vegan aposta nos panetones. “A primeira experiência foi em 2021. Compramos mil embalagens achando que ia durar o Natal todo e vendemos em uma semana…”
O importante é afinar a escuta e estar sempre ligada no apetite do seu público pelas guloseimas veganas:
“A gente ouve muito o que as pessoas querem, porque tudo isso tem a ver com a memória afetiva… até porque, para se manter vegano, você precisa trazer o que gosta de comer para o dia a dia.”
Os irmãos Bruno e Thiago Rosolem queriam levar mais brasilidade ao mercado plant-based, mas não sabiam como. Até que um hit de Alceu Valença trouxe a resposta: aproveitar uma matéria-prima desprezada pela indústria, a fibra do caju.
Larissa Ludwig estudava arquitetura quando descobriu que tinha alergia a glúten e intolerância à lactose. Decidiu cursar nutrição e hoje ela e o marido empreendem a Cookoa, que produz chocolates inclusivos e com cuidado socioambiental.
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