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Verbete Draft Especial Lava Jato: o que é doleiro

Isabela Mena - 1 jun 2016 Preso, o doleiro Alberto Yousseff era um dos pilares da rede de crimes investigada pela Operação Lava Jato (foto: reprodução AE).
Já preso, o doleiro Alberto Yousseff era um dos pilares da rede de crimes investigada pela Operação Lava Jato (foto: reprodução AE).
Isabela Mena - 1 jun 2016
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Durante o mês de junho, interrompemos a sequência de Verbetes Draft sobre termos da nova economia para apresentar uma série especial dedicada às “profissões” reveladas pela Operação Lava Jato (e, por favor, não se candidate a nenhuma delas). O Verbete Especial Lava Jato de hoje é:

DOLEIRO

O que a gente pensa que é: Pessoa que trabalha em casa de câmbio que vende dólar comercial.

O que realmente é: Operador do mercado paralelo ou ilegal de câmbio cuja coletividade forma um sistema bancário informal e clandestino. Não é privilégio do Brasil, existe no mundo todo. Na Lava Jato, o doleiro é agente do núcleo financeiro e pratica crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, falsa identidade em contrato de câmbio e operação em instituição financeira sem autorização. “A função principal deste tipo de doleiro no Brasil, como mostram as investigações da Operação Lava Jato, é ajudar seus clientes a lavar o dinheiro sujo. Não à toa Alberto Youssef, o mais conhecido do processo, já foi condenado mais de uma vez por lavagem de dinheiro”, diz o jornalista Adriano Brito, da BBC.

O que é preciso para se tornar um: Possuir empresas legais de fachada para fazer lavagem de dinheiro, adquirir imóveis ou outros bens caros por meio de laranjas (rementendo valores para o exterior), ou mesmo dissimular o recebimento do dinheiro fruto de propina.

Quanto dinheiro envolve: Mais de 455 milhões de reais (dos quais 445 movimentados ilegalmente apenas por Alberto Youssef), considerando a acusação formal pela Polícia Federal. A quantia estimada, até agora, pela Polícia Federal é de 2,1 bilhões de reais (desviados dos cofres da Petrobras, ou seja, valor do rombo na Lava Jato), mas é possível que o seja maior.

Quem são as referências na área: Adir Assad, Alberto Youssef (principal doleiro envolvido e personagem central na Lava Jato), Carlos Habib Chater, Dario Messer, Nelma Kodama e Raul Henrique Srour.

Em que esfera atua: Comprando e vendendo dólares no mercado de balcão de modo ilegal, administrando caixas 2, fazendo remessa de dinheiro por meio de contratos de importação fraudulentos e transformando dinheiro eletrônico em dinheiro em espécie. Formalmente, servidores públicos ou políticos não têm por que manter contato um doleiro, procurado, em regra, para esconder dinheiro sujo e movimentações ilegais (lavagem de dinheiro). Na Lava Jato, a criação de offshores (empresa em paraísos fiscais com leis que dificultam a punição de crimes e a identificação do dono real da empresa) foi uma prática bastante utilizada pelos doleiros para esconder tanto o próprio dinheiro como o de propina paga a funcionários da Petrobras, cujas contas nessas offshores foram descobertas pela Operação.

A quem serve: Diretores e funcionários da Petrobras, políticos e funcionários públicos, com a função de repassar propina cobrada das empreiteiras.

Com quem atua: Assad atuava com a empresa de fachada Legend Engenheiros Associados (da qual chegou a ser sócio), ligada à empreiteira Andrade Gutierrez e, entre outras, com a empreiteira OAS, da qual recebeu cerca de 2 milhões de reais. Youssef atuava com políticos beneficiários do esquema da Petrobras e empreiteiras, responsáveis pela divisão dos de desvios da Petrobras entre o PT, o PMDB e o PP. Nelma Kodama atuava diretamente com Youssef, de quem era braço-direito e companheira. Chater estaria ligado ainda ao escritório Raul Canal Advogados, um dos alvos da investigação, a uma quadrilha de exploração ilegal de diamantes em uma reserva indígena de Rondônia e ao pagamento de propina ao deputado Nelson Meurer (PP). Srour tem o nome na lista de correntistas do HSBC suíço e, além da Lava Jato, também foi citado no inquérito que apura se a multinacional alemã Siemens e outras empresas pagaram propinas a políticos e agentes públicos em troca de vantagens em licitações de trens. Todos os doleiros atuavam junto à Youssef (ou seja, também com políticos, empreiteiras e funcionários da Petrobras), tido com o principal criminoso da organização.

Efeitos de suas ações: Brito, da BBC, diz que o doleiro é capaz de ajudar o dinheiro ilegal chegar ao destino sem levantar suspeitas dos órgãos que controlam as operações financeiras no Brasil. O doleiro é peça chave na Lava Jato porque, como dito, tem a missão de lavar o dinheiro fruto de propina (paga por empreiteiras) e fazê-lo chegar às contas dos favorecidos no esquema (executivos da Petrobras e outros agentes públicos). Sem esses operadores financeiros, não haveria como rechear de dólares contas no exterior.

Como é denunciado: Adir Assad foi citado na delação premiada do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) como operador de propinas de uma das maiores operações de caixa 2 da campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2010, acusação ainda não provada. Youssef virou delator em meados de 2014 e suas colaborações premiadas contribuíram para a prisão de executivos de várias empreiteiras acusadas de participação no esquema da Lava Jato, chegando às duas maiores do país (Odebrecht e Andrade Gutierrez). “Antes mesmo que aceitasse fazer um acordo de colaboração premiada, Youssef já havia incriminado pessoas a partir do momento que seus negócios foram descobertos pela Operação Lava Jato. Sua delação ajudou a esclarecer vários e importantes pontos, mas a verdade é que o estrago já tinha sido feito”, fala Brito, da BBC.

Em 2009, crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene, investigados pela Polícia Federal, mostravam o envolvimento dos doleiros Carlos Habib Chater e Alberto Youssef, investigado e processado, em 2003, por crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro (caso Banestado). Em julho de 2013, conversas de Chater são monitoradas e demonstram haver quatro organizações criminosas de doleiros, relacionadas entre si e encabeçadas por Chater, Kodama, Youssef e Srour. As conversas relevaram, ainda, que Youssef, por meio de pagamentos feitos por terceiros, “doou” um Land Rover para o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Em 2014, foi deflagrada a primeira fase ostensiva da operação (com investigação da PF e do Ministério Público) sobre as organizações criminosas dos doleiros e sobre Paulo Roberto Costa, com mandados de busca e apreensão, prisão preventiva, prisão temporária e condução coercitiva.

Como pode ser preso: Os doleiros Adir Assad, Alberto Youssef, Carlos Habib Chater e Nelma Kodama estão presos, em de função sentenças (passíveis de recurso) proferidas pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro. Assad está em prisão domiciliar e foi condenado a 9 anos e 10 meses por lavagem de dinheiro e associação criminosa; Youssef foi condenado a 9 anos e 2 meses de prisão por lavagem de dinheiro, organização criminosa e por ser responsável por dezenas de contas-fantasmas que enviaram dinheiro de origem ilícita para fora do país; Habib foi condenado a 10 anos e 3 meses por tráfico de drogas, evasão de divisas e lavagem de dinheiro e Nelma Kodama foi condenada (já em segunda instância, também passível de recurso) a 15 anos de prisão e pagamento de multa de 2.450 salários mínimos por evasão de divisas, participação em organização criminosa, corrupção ativa e operação irregular de instituição financeira. Raul Henrique Srour está preso em regime semiaberto (passa as noites e os fins de semana na cadeia), condenado a 7 anos e 2 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e operação fraudulenta de câmbio.

Curiosidades:
— Um posto de gasolina, de propriedade de Carlos Chater, foi a inspiração para o nome Lava Jato. Chamado Posto da Torre, o negócio foi apontado por investigadores como uma espécie de “caixa eletrônico da propina” em Brasília, gerenciando contas que movimentaram pelo menos 10,8 milhões de reais entre 2007 e 2014.
— Nelma Kodama foi presa em março de 2014, quando tentava embarcar para Itália com 200 mil euros em dinheiro, não declarados à Receita Federal, e escondidos na calcinha.
— Empresário, o doleiro Assad era conhecido pela promoção de shows e eventos no Brasil e foi responsável por trazer ao país a banda U2 e as cantoras Amy Winehouse e Beyoncé.
— Raul Henrique Srour teve obras de arte confiscadas por determinação de Sérgio Moro. Dentre as apreensões estão a fotografia “Mulata”, de Cândido Portinari e o quadro “Manequins”, de Iberê Camargo. Todas as obras ficarão em depósito no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
— Atualização 23/8/2022: Dario Messer, chamado de “o doleiro dos doleiros”, teve seu nome exibido na palma da mão do presidente Jair Bolsonaro, durante entrevista ao Jornal Nacional, em agosto de 2022. Segundo a imprensa, a “cola” seria na verdade uma provocação pelo fato de, numa delação de 2020, Messer ter dito que entregava dólares à família Marinho, dona do Grupo Globo; na época, a emissora refutou a informação.

ao Grupo Globo, pelo fato de

Para saber mais:
1) Assista, ao depoimento (em cinco partes) do doleiro Alberto Youssef no canal do Estadão. No link é possível também assistir a depoimentos de outros personagens da Lava Jato.
2) Leia, na CartaCapital, Adir Assad, o doleiro das obras tucanas, perfil do doleiro que passa pela Operação Lava Jato e retoma sua participação no caso dos desvios de obras feitos pela Construtora Delta, com bicheiro Carlinhos Cachoeira e o governo do Estado de São Paulo.
3) Leia, na Ilustríssima, na Folha, O garimpo ilegal numa das maiores reservas de diamantes do planeta, sobre extração ilegal de diamante na maior jazida da pedra no mundo, área que agora sofre desmatamento e tem até pista de pouso. O doleiro Carlos Habib Chater é suspeito de participar da extração e venda de diamantes no exterior.
4) Leia, na CartaCapital, Doleiro da Siemens aparece no Swissleaks, sobre a divulgação (feita pelo jornalista Fernando Rodrigues) de que Raul Henrique Srour, e outros sete doleiros (de um total de 8 667 brasileiros) possuem conta na filial suíça do banco HSBC.

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