De 13 de dezembro a 10 de janeiro, interrompemos a sequência de Verbetes Draft sobre termos da nova economia para apresentar uma série especial dedicada a expressões do “Novo Feminismo”, ou simplesmente Feminismo, como prefere quem entende do assunto, já que as demandas são as mesmas de movimentos passados. Entenda como a discriminação de gênero acontece no mundo dos negócios (e, a propósito, o que você pode fazer para evitar que continue). O Verbete Especial Feminismo nos Negócios de hoje é:
MANTERRUPTING
O que acham que é: Coito interrompido.
O que realmente é: Manterrupting é um neologismo em língua inglesa formado pela junção da palavra man (homem) com parte da palavra interrupting (interrompendo) e cuja tradução literal mais próxima é “homem interrompendo”. Precisamente, Manterrupting se refere a interrupções que homens fazem quando mulheres estão falando por (e para) desconsiderar, invalidar e desrespeitar a expressão de suas ideias.
É comum que o Manterrupting seja seguido de uma explicação paternalista justamente sobre o que a mulher estava dizendo (Mansplaining) ou da repetição e apropriação de suas ideias (Hepeating e Bropriating). Nas próximas semanas, abordaremos também essas expressões em profundidade.
No Manterrupting, o tom de voz do homem pode ser ríspido, irônico ou brincalhão. A atitude pode ocorrer em um jantar entre amigos, em um debate político ou em uma situação profissional; em ambiente privado ou público (o que inclui episódios televisionados). Manterrupting é um termo criado e utilizado por feministas para apontar esse tipo de discriminação de gênero e dirimi-la. O objetivo, é bom salientar, não é silenciar homens mas, sim, evitar que silenciem mulheres.
Joanna Burigo, mestre em Gênero, Mídia e Cultura pela LSE (London School of Economics) e fundadora do projeto de mídia feminista Casa da Mãe Joanna, diz que a expressão Manterrupting denomina um fenômeno comportamental bastante comum, embora invisibilizado e difícil de ser comprovado. “É um fenômeno recorrente, especialmente, mas não apenas, em situações de trabalho, quando uma mulher não consegue concluir seu pensamento por ser constantemente interrompida por homens que estão ao seu redor”, diz.
Segundo Renata Cezar, advogada e sócia no escritório Lima & Cezar Advogados Associados, é bastante comum que mulheres parem suas falas e não consigam concluir seus raciocínios por causa de interrupção masculina. Ela prossegue: “O problema é tão sério que muitos homens sequer conseguem enxergar que isso, além da falta de educação, é machismo, já que eles não fazem isso com outros homens justamente por respeitá-los”.
Este ano, no Dia Internacional da Mulher (8 de março), a agência de publicidade BETC São Paulo lançou o aplicativo Woman Interrupted, que “escuta” conversas em reuniões de trabalho e conta quantas vezes uma mulher tem a fala interrompida por um homem.
Quem inventou: A jornalista americana Jessica Bennett foi quem usou o termo Manterrupting pela primeira vez no texto “How Not to Be ‘Manterrupted’ in Meetings”, publicado na revista Time. Mas a autoria da expressão, segundo a própria Bennett, é de seus amigos, que criaram também o neologismo Bropriating.
No texto, Bennett diz ter sentido, com alívio, suas ideias sobre Manterrupting corroboradas em um artigo escrito dois dias antes por Sheryl Sandberg, COO do Facebook e autora do livro Lean In (sobre empoderamento feminino), e pelo acadêmico Adam Grant, e um artigo publicado no New York Times. “Speaking While Female” abordou sem meias palavras a dificuldade que mulheres têm de expressar suas ideias em ambientes profissionais por serem constantemente interrompidas por homens.
No dia seguinte ao texto de Bennet, o jornal inglês The Guardian publicou “The secret plague of women at work: ‘manterrupting’” e a expressão ganhou o mundo. Um ano depois, em janeiro de 2016, o termo Manterrupting foi incluído no Urban Dictionary e em setembro do mesmo ano no Macmillan Dictionary.
Quando foi inventado: Os três textos citados acima foram publicados em janeiro de 2015.
Como interfere na carreira da mulher: Em última instância, engessando-a nos cargos que ocupam já que o Manterrupting atrapalha a expressão de ideias novas, seu reconhecimento e consequente ascensão profissional.
Burigo fala que, a longo prazo, essa forma de silenciamento deixa marcas: “Ser constantemente interrompida gera insegurança e falta de confiança nas mulheres a respeito de suas próprias ideias, assim como medo de manifestar impressões”.
Cezar diz que não é possível falar em igualdade — até mesmo salarial — dentro das empresas se as mulheres não conseguem sequer terminar uma frase. “Muitas vezes, quando tentam, são consideradas prolixas e sem certeza do que estão falando. Se ainda assim insistem na fala, são vistas como desqualificadas emocionalmente para o cargo.”
Como pode ser evitado (preventivamente): Idealmente, com conscientização e mudança de cultura em todas as esferas de poder. Isso porque se o Manterrupting é feito por chefes, os demais funcionários homens tendem a se sentir autorizados a fazer o mesmo.
De acordo com Cezar, para que o Manterrupting não ocorra são necessárias mudanças comportamentais e, principalmente, que as queixas femininas deixem de ser menosprezadas. “Os homens têm que ser orientados a mudar de postura e as mulheres têm que ser alertadas de que a prática da interrupção configura machismo, para que apoiem umas às outras”, afirma.
Para Burigo, é preciso agir no momento em que a interrupção acontece, o que não precisa ser feito de forma grosseira — basta que a pessoa em posição de maior poder peça para que quem interrompeu espere e oriente a interrompida a concluir sua ideia. “Também sugiro que mulheres compreendam bem o fenômeno para o identificarem e o apontarem sempre que aconteça. Encorajo mulheres, como fui encorajada no passado, a interromper o interruptor com segurança, dizendo ‘ainda não concluí meu raciocínio, e estarei a disposição para adendos e dúvidas uma vez que minha ideia seja apresentada de forma integral’.”
Já Jessica Bennet, a já citada autora do texto da Times, falou este ano à BBC Brasil sobre algumas atitudes que, acredita, sejam eficazes para deter o Manterrupting. Uma delas é que a mulher coloque os cotovelos sobre a mesa, se debruçando. Segundo Bennet, pesquisas mostram que essa postura corporal passa a impressão de autoridade e sejam menos interrompidas.
Casos, reações e repercussões: Em maio deste ano, ao dizer que concedia a palavra à ministra Rosa Weber em uma sessão plenária, o ministro Luiz Fux teve a seguinte resposta da presidente do STF (Superior Tribunal Federal), Cármen Lúcia: “Como concede a palavra? É a vez dela votar. Ela é quem concede, se quiser um aparte”.
A presidente aproveitou o ocorrido para mencionar a pesquisa Justice, Interrupted: The Effect of Gender, Ideology and Seniority at Supreme Court Oral Arguments, que aponta que em todos os tribunais constitucionais no mundo onde há mulheres elas são interrompidas pelos homens 18 vezes mais do que eles entre si. Está no YouTube. O STF é composto de 11 ministros, sendo nove homens e duas mulheres.
Ano passado, a Vox contou: no debate presidencial de setembro, Donald Trump interrompeu Hillary Clinton 51 vezes, enquanto ela o interrompeu 17. No mês seguinte, Trump a interrompeu 37 vezes e ela, a ele, nove.
Em março de 2015, em um painel sobre do festival de inovação SxSW (South by Southwest) que discutia a baixa presença feminina na tecnologia, Megan Smith, então chefe de tecnologia do governo americano, foi constantemente interrompida por Eric Schmidt, chairman do Google. Quando o evento abriu para perguntas do público, uma mulher pontuou que Schmidt interrompeu repetidamente Smith e perguntou a ela como sentia a respeito desse viés masculino inconsciente. Essa mulher era simplesmente Judith Williams, então gerente diversidade global e programa de talento do Google.
Cezar conta que já sofreu Manterrupting inúmeras vezes mas que a pior foi durante uma audiência. “O juiz me chamou de ‘doutorinha’ e não me deixava terminar a fala. Perguntei o que seria necessário para que ele me deixasse terminar e afirmei que a advogada do caso era eu. Ele ficou desconsertado.”
Para saber mais:
1) Leia, na Time, How Not to Be ‘Manterrupted’ in Meetings, o texto de Jessica Bennet que “lançou” a palavra Manterrupting; no The Guardian, The secret plague of women at work: ‘manterrupting’, texto que retomou o tema no dia seguinte e Speaking While Female, no New York Times, de Sheryl Sandberg e Adam Grant. Este último cita estudos, dados e textos.
2) Leia, na BBC Brasil, Mulheres são mais interrompidas que homens em conversas de trabalho? O texto levanta questões e traz dados de pesquisas.
Recentemente, o termo ganhou destaque em um tuíte pela definição equivocada. Carga Mental, ou Emocional Labor, é o conceito utilizado para descrever o trabalho constante de planejamento das tarefas domésticas e/ou profissionais que recai majoritariamente sobre as mulheres.