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Verbete Draft Lava Jato: o que é Gerente de Caixa 2

Isabela Mena - 8 jun 2016 Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, atuou como Gerente de caixa 2 e está preso (foto: reprodução).
Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, atuou como Gerente de caixa 2 e está preso (foto: reprodução).
Isabela Mena - 8 jun 2016
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Durante o mês de junho, interrompemos a sequência de Verbetes Draft sobre termos da nova economia para apresentar uma série especial dedicada às “profissões” reveladas pela Operação Lava Jato (e, por favor, não se candidate a nenhuma delas). O Verbete Especial Lava Jato de hoje é:

GERENTE DE CAIXA 2

O que a gente pensa que é: Um funcionário do sistema bancário.

O que realmente é: Responsável pela arrecadação de fundos para campanhas políticas. A função, de certa forma, se confunde com a de Tesoureiro (que merecerá um Verbete também). Segundo Marina Motomura, editora do UOL em Brasília, a diferença é que, no caso do Gerente de caixa 2, os recursos não são declarados e não necessariamente vão para as campanhas. “Podem se reverter em propinas, por exemplo”, diz ela. Alamiro Velludo Salvador Netto, advogado criminalista e professor do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP, afirma que o Gerente de caixa 2 costuma ser o responsável por estruturar e realizar operações paralelas, como sonegações fiscais e transações econômicas com ativos provenientes da prática de crimes.

Já o termo caixa 2 refere-se a uma expressão popularizada e usada na área contabilidade. “Implica, nesse sentido, em qualquer recurso financeiro que não tenha sido devidamente contabilizado e declarado aos órgãos de controle responsáveis”, prossegue Netto. Vale lembrar que no julgamento do mensalão do PT, a ministra Cármen Lúcia disse que era muito grave afirmar, da tribuna do STF, que caixa 2 é crime (o que foi feito por ela e por outros ministros) e pretender que o fato fique impune.

O que é preciso para se tornar um: “Essas operações são costumeiramente atribuídas a contadores ou pessoas de absoluta confiança dos beneficiários finais dos recursos não inseridos nos balancetes financeiros”, diz Netto. Mas, diferentemente do que possa parecer, não é preciso ser economista, contador ou ligado a finanças para gerenciar um caixa 2. Doleiros e tesoureiros de campanha podem o ser, por lidarem diretamente com valores e orçamento, mas há também políticos, empresários e diretores e funcionários da Petrobras (no caso da Lava Jato) envolvidos. Ter algum tipo de ligação com o poder, entrar nas regras do jogo (que, no Brasil, é antigo) e ter tendência à atividades ilegais são alguns requisitos importantes.

Quanto dinheiro envolve: Supostamente, já que são acusações, temos: 2,4 milhões de reais (caixa 2 para a campanha à reeleição de Lula), 12 milhões (campanha de Dilma), 1,5 milhão (campanha de Renan Filho), 3 milhões (campanhas do PMDB em 2014), 1,5 milhão (campanha de Rodrigo Jucá, do PSB), 30 milhões (campanha de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, do PMDB) e 200 mil euros (reeleição do ex-senador Gim Argello, do PTB). Os valores podem ser maiores ou menores, dependendo de provas, novas evidências e novas delações.

Quem são as referências na área: O doleiro Alberto Youssef (preso), o empreiteiro e dono da UTC Engenharia Ricardo Pessoa (em prisão domiciliar), o tesoureiro de campanhas do PT, Edinho Silva, o publicitário Paulo Roxo, o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa (também preso).

Em que esfera atua e como: Segundo Netto, os Gerentes de caixa 2 atuam, principalmente, no âmbito das empresas que contratam com o poder público. Isso porque eram essas empresas as responsáveis por repassar parte dos frutos dos contratos com a administração para agentes públicos. “Dado o alto montante envolvido e o número de beneficiários, tais operações demandavam uma complexa estruturação, envolvendo expressivos valores em espécie, bem como a necessidade de, mediante caixa 2, disponibilidade de recursos, no Brasil e no exterior, aptos a irrigar toda a rede de personagens”, diz o professor da USP.

A quem serve: A políticos, principalmente em época de eleição, já que o caixa 2 financia ilegalmente campanhas eleitorais. Também serve a estatais e empresários (aqui, principalmente empreiteiros) para maquiar lucros e sonegar impostos. Netto diz que todas as transações paralelas entre esses atores eram possibilitadas mediante caixa 2 pela impossibilidade de demonstração de uma fonte ou origem lícita. “Daí a relação umbilical entre corrupção e lavagem de dinheiro. A lavagem é a prática delitiva que converte os ativos ilícitos do caixa 2 em caixa 1, ou seja, recursos integrados na regularidade econômica”, diz.

A Polícia Federal, em investigações, descobriu que a Odebretch tinha um departamento especializado em pagar propinas. Uma lista, chamada de superplanilha da Odebretch, tem pelo menos 279 nomes ligados a 24 partidos políticos. Nela, constam valores superiores aos declarados pelos candidatos (ou seja, indício caixa 2), mas ainda não há acusações formais. É importante ressaltar, também, que o caixa 2 serve também a interesses pessoais já que a propina, na maioria dos casos, banca viagens e compras nas lojas mais caras do mundo.

Com quem atua: “Diretamente junto aos partidos”, diz Motomura. Neste caso, tanto com os próprios políticos como principalmente com seus tesoureiros de campanha. Houve, ainda, na Lava Jato, negociatas com empreiteiros e lobistas.

Efeitos de suas ações: Ao inflar o caixa de campanhas eleitorais, o caixa 2 dá muito mais recursos para os marqueteiros políticos (como a João Santana, que trabalhava para o PT) o que, claro, se converte em mais visibilidade e força ao candidato, favorecendo sua eleição. O caixa 2 também serve para a criação de conchavos tanto entre partidos como entre esses e empresas que, com a vitória do candidato apoiado ilegalmente, são retribuídas sendo contratadas como prestadoras de serviços superfaturados (no caso das empreiteiras, para obras públicas). Por isso, é comum que empresas apoiem candidatos concorrentes. Há, ainda, o caixa 2 como forma de sonegação de impostos por empresas, como já dito.

Como é denunciado: Principalmente por meio de delações. Rodrigo Janot, procurador-geral da República, enviou ao Supremo Tribunal Federal diversos pedidos de abertura de inquérito com base no conteúdo da delação premiada do senador Delcídio do Amaral à Operação Lava Jato. Um dos pedidos de investigação é o de Edinho Silva.

O doleiro Alberto Youssef delatou esquemas de caixa 2 envolvendo as empreiteiras OAS e UTC, parte do cartel que fazia obras para a Petrobras. Ricardo Pessoa delatou esquemas com as empreiteiras Queiroz Galvão, IESA e Camargo Corrêa e com a campanha (em 2006) do ex-presidente Lula. Marcelo Odebrecht (segundo reportagem da revista Istoé) afirmou, em acordo de confidencialidade (que é uma pré-delação), esquemas que envolvem a presidente Dilma Rousseff, Edinho Silva, seu tesoureiro de campanha, o publicitário João Santana e o PMDB. A Odebretch se comprometeu oficialmente a falar em detalhes sobre o financiamento de todas as grandes campanhas políticas (recentes) com as quais colaborou (também a de Michel Temer para vice e a de Aécio Neves a presidente). Paulo Roberto Costa disse ter arrecadado propina para as campanhas de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, em 2010, provenientes de empresas que atuavam na obra do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, do consórcio Compar (empreiteiras OAS, Odebrecht e UTC) e das empresas Skanska, Alusa e UTC.

Como pode ser preso: “Não existe, no Brasil, um delito específico que possa ser intitulado ‘caixa 2′”, diz Netto. Segundo o professor, a prática pode consistir na realização de vários outros delitos, dependendo da finalidade com que são utilizados os valores não contabilizados. O caixa 2 também pode ser feito para ocultar delitos antecedentes, como lavagem de dinheiro. “A acusação também poderá consistir na prática de corrupção ou sonegação fiscal, além de algumas modalidades delitivas relacionadas aos chamados delitos de falso documental”, fala Netto.

Youssef está preso, condenado a 9 anos e 2 meses. Ricardo Pessoa cumpre prisão domiciliar. Seu acordo de delação premiada de Pessoa estabelece o pagamento de multa compensatória de 51 milhões de reais; Edinho Silva está sendo investigado; publicitário Paulo Roxo teve revogada a prisão temporária e Paulo Roberto Costa cumpre regime semiaberto, com uso de tornozeleira eletrônica.

 

Curiosidades:
— Antes de depor na CPI da Petrobras, Ricardo Pessoa fez um discurso em que falou, entre outras coisas, sobre uma imagem sua chegando à Polícia Federal, na qual usava um terno apertado, gancho para contar que havia perdido 15 quilos desde então.
— O cartel de empreiteiras que atuava ilegalmente na Petrobras tinha um regulamento que simulava regras de um campeonato de futebol para definir como as obras seriam distribuídas. As regras detalhadas da “competição” constam em documento de delação do empreiteiro Augusto Ribeiro de Mendonça Neto.

Para saber mais:
1) Leia, na Folha, Sem doação empresarial, eleição perde ‘glamour’ e clima de cinema em 2016, sobre as novas regras do financiamento dos partidos nas eleições. O texto diz que,, de acordo com marqueteiros e políticos, “sem doações de empresas, as eleições municipais deste ano terão mais caixa 2”.
2) Leia, na CartaCapital, “Financiamento empresarial acaba com a soberania popular”, entrevista em que o cientista político José Antônio Moroni, membro do colegiado de gestão do Instituto de Estudo Econômicos e Sociais (Inesc), fala sobre a criminalização do caixa 2 e sua relação com a sociedade.
3) Leia, no G1, a reportagem Sérgio Moro prorroga prazo para PF concluir inquérito contra João Genu. Dentre as acusações, está a de que 60% da propina recebida por Genu ia para Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras.

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