Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete deste mês é…
DeFi (Decentralized Finance):
O que é: Decentralized Finance (DeFi) ou Finanças Descentralizadas, em português, é um conceito que se refere ao conjunto de operações financeiras construídas na blockchain ou na Web3, via contratos inteligentes, sem intermediação de instituições tradicionais, como bancos e corretoras.
Segundo Catarina Papa, cofundadora da Layer Two e partner na Labirinto Art, uma plataforma que promove a produção artística e de pensamento crítico na intersecção da arte contemporânea usando DeFi:
“DeFi é um convite para se pensar num formato descentralizado para as finanças, como as pessoas gerenciam seu dinheiro e utilizam serviços financeiros de uma forma global, com mecanismos de consenso e sem a dominância de um banco ou de bancos centrais”
As DeFi oferecem os mesmos produtos e serviços do sistema tradicional: “Quando se fala em DeFi, temos que pensar exatamente como no banco. Todos os serviços financeiros podem ser representativamente criados ali. É a réplica do mercado financeiro, mas de forma descentralizada”, diz a especialista.
Para muitos entusiastas, a DeFi é uma forma de revolucionar o atual sistema econômico, tirando o controle de poucas e poderosas instituições.
CeFi X DeFi: A principal diferença em relação ao mundo das finanças tradicionais, conhecidas como Centralized Finance (CeFi), é justamente a descentralização.
“Na CeFi, há uma empresa, uma marca, um banco, e o meu dinheiro fica centralizado neste player. Já as DeFi dão acesso para que qualquer um possa vir a se registrar. A estratégia de confiabilidade das DeFi está centrada na blockchain, onde coloco meus dados. Então, não preciso de uma marca validando isso”, diz a cofundadora da Layer Two. Ela aponta uma “fórmula” que considera simplificar a maneira de entender a diferença entre CeFi e DeFi:
“Quando eu entro em um banco, os 50 reais na minha conta estão, na verdade, sob a posse e a gerência de um banco. A custódia dele é centralizada pela instituição. Já quando entro numa wallet ou num ambiente descentralizado, os meus 50 criptoativos, de fato, estão ali, a posse é minha”
Isso permite que as transações financeiras transfronteiriças (entre países) sejam realizadas de maneira mais rápida, pois ocorrem a partir de uma autoridade tecnológica de governança, ou seja, via blockchain, e movimentem o dinheiro diretamente pessoa para pessoa (peer-to-peer, ou P2P), usando diferentes criptoativos, como moedas digitais, NFTs, tokens e stablecoins.
A segurança das transações, criptografadas, é garantida pelos smart contracts, linhas básicas de código armazenadas em uma blockchain e autoexecutáveis quando certas condições são atendidas. Esses contratos e transações na blockchain podem ser acessados por qualquer pessoa com internet à disposição.
Diferente das CeFi, as DeFi se baseiam em sistemas trustless: você não depende de conhecer ou confiar em uma autoridade central ou em quem está na outra ponta da transação para poder operar. A tecnologia do blockchain traz essa segurança.
Origem: O pontapé para o conceito do que viriam a ser as finanças descentralizadas teria sido o lançamento, em 2009, do Bitcoin, a primeira moeda digital do mundo, que tem como base a blockchain.
Mas foi o surgimento da rede blockchain Ethereum e dos smart contracts, em 2014, que tornaram possível a implantação desse ecossistema financeiro descentralizado.
Segundo o Tecnoblog, o marco para as DeFi foi o ano de 2017, quando surgiram projetos que “viabilizaram ainda mais funcionalidades além da simples transferência de dinheiro”. O boom das Defi, entretanto, aconteceu em 2020.
Aplicações: As transações em DeFi são realizadas em plataformas, por meio de protocolos e aplicações descentralizadas (ou dapps), acopladas em camadas dentro da blockchain, geralmente a Ethereum, e permitem a pessoas físicas e empresas negociar criptomoedas; fazer uma hipoteca ou um empréstimo imediato sem a burocracia de preencher papeladas; negociar criptomoedas entre os próprios usuários; lançar projetos de crowdfunding descentralizados; criar reservas etc. Desde fevereiro de 2022, a B3 liberou a negociação de ETFs (Exchange Trade Fund) de DeFi na bolsa.
Principais vantagens: Para os usuários, as DeFi oferecem inúmeras vantagens em relação ao sistema tradicional, entre elas, menos burocracia, pois não é necessário abrir uma conta, já que as transações são feitas por wallets, o que seria uma porta de entrada para a inserção dos desbancarizados no sistema financeiro.
Atualmente, quase 2 bilhões de pessoas estão nesta situação e poderiam quebrar essa barreira financeira. Bastaria ter acesso à internet e possibilidade de fazer transações com criptoativos.
“Quando o sistema financeiro foi gerado, havia um propósito: dar confiança. Só que esse sistema financeiro, que evoluiu com os Médici em Siena, Itália, no século XV, não resolveu o problema dos desbancarizados, porque há a questão do risco e do retorno no mercado. O risco de inadimplência e crédito de pessoas com pouco acesso à economia circulante é muito alto. O convite das DeFi é que através da descentralização corra-se o risco de abrir e deixar outras pessoas entrarem neste sistema.”
Para Catarina, há outras vantagens a mencionar:
“A descentralização permite aumentar a concorrência, adicionar players, diluir as fronteiras, aumentar a velocidade das transações e ter custos mais baixos/competitivos”
De acordo com a Accenture, quando essa tecnologia for globalmente implantada, será capaz de economizar 150 bilhões de dólares anualmente por conta dos custos que serão cortados em intermediações de processos financeiros. Dá também para citar como vantagem a maior privacidade (basta um pseudônimo para operar, sem necessidade de fornecer dados como nome, email, telefone, endereço etc.); a flexibilidade para movimentar os ativos, sem precisar pedir permissão; e a transparência – todos os envolvidos têm acesso às operações pela blockchain, diferente do que em geral acontece nas instituições privadas.
Principais desvantagens: A pior desvantagem é o risco de ataques de hackers e fraudes, por conta de bugs que podem tornar o sistema vulnerável e abrir brechas nos contratos inteligentes. Um dos casos mais conhecidos é o da plataforma Poly Network, que teve 600 milhões de dólares surrupiados por um hacker em agosto de 2021.
O relatório “DeFi: Risk, Regulation, and the Rise of DeCrime” aponta que o equivalente a 12 bilhões de dólares teriam sido roubados ou fraudados no universo DeFi, entre 2020 e 2021. Já em 2022, teriam sido desviados o equivalente a 3,1 bilhões de dólares dos protocolos DeFi devido a diversos ataques hackers a criptomoedas, de acordo com o “The 2023 Crypto Crime Report“. Entre janeiro e março deste, o valor subtraído de plataformas DeFi foi de 252,4 milhões de dólares, segundo levantamento da DefiLlama, citado no Cointelegraph.
Apesar das fraudes e roubos acontecerem, Catarina destaca que, justamente por esse sistema ser descentralizado, ele já evoluiu muito mais do que o convencional em relação a práticas de AML (Anti-Money Laundering), trazendo transparência para as pessoas e organizações:
“Hoje, o sistema tradicional está atrás do de criptomoedas, se apropriando de ferramentas da blockchain para fazer esse controle. Se uma pessoa tem 100 reais na carteira dela, não sabe se esse dinheiro veio de transações ilegais. Mas se os criptoativos chegam em uma wallet, ela saberá o histórico deles até o nascedouro, quem criou, se é originário daquele protocolo mesmo e quanto foi o Know Your Transaction”
Além disso, é preciso mencionar, como um ponto negativo, que as transações na blockchain são irreversíveis. Então, se uma pessoa transferir criptomoedas para uma conta de outra pessoa, mas errar a conta ou o valor, será muito difícil reaver seus recursos. A falta de regulamentação e tributação sobre essas operações também abre espaço para fraudes.
“Estamos ainda num processo de falta de regulação. Porque se é descentralizado, não pertence ao banco brasileiro, ao norte-americano ou ao território chinês. É global. Se é assim, quem faz as regras e as leis dessas transações?”
A cofundadora da Layer Two ainda levanta outros tipos de questionamento: “Como os bancos centrais vão interagir entre si e trazer suas operações para dentro um sistema descentralizado, equilibrando o que é cada um? Como traremos benefícios desse sistema para conversar com o capitalismo e transformá-lo num ‘capitalismo 4.0?’”.
Outro ponto que poderia ser considerado uma desvantagem momentânea é a falta de conhecimento das pessoas sobre o tema, ainda novo e complexo, o que gera receio de explorar essa tecnologia. Uma pesquisa realizada pela startup Cryptum e divulgada pela revista Exame ouviu 100 executivos de cargos de direção em empresas brasileiras de finança e, mesmo dentro do setor, 65% disseram ter dificuldades de entender os benefícios da Web3 para suas atividades e 86% afirmaram que lhes falta conhecimentos sobre como a Web3 e a blockchain funcionam.
“O Defi é um conceito difícil de entendimento e de usabilidade, porque é preciso conhecer de tecnologia para se precaver em relação ao ambiente descentralizado”, afirma Catarina.
Como está esse mercado no Brasil: Outra pesquisa publicada na Exame e realizada pela corretora de criptoativos Huobi mostra que o Brasil tem a segunda maior adoção de finanças descentralizadas do mundo, com 5% do total, ficando apenas atrás dos EUA, respondendo por 31,8% de todo o tráfego no segmento.
O que explica isso? Segundo a Huobi, a favor do Brasil está o fato de o país ser “o mercado de criptomoedas número 1 na América do Sul, e vários bancos e empresas de investimento estão oferecendo ou se preparando para oferecer serviços relacionados ao mercado de criptomoedas”. Já existem startups brasileiras se destacando no universo DeFi, como Pods Finance, Credix e a55.
Perspectivas futuras: Para Catarina, da Layer Two, quando se fala em perspectivas futuras, é necessário pensar em regulação.
“É preciso entender como isso se conecta no mundo financeiro, porque hoje a gente faz uma separação entre cripto e moedas fiduciárias, mas é muito provável que com o tempo essa distinção não vá existir. Estamos testando modelos hoje em dia de como a descentralização pode trazer benefícios para a centralização.”
As Central Bank Digital Currency ou moedas digitais de bancos centrais – CBDC (leia aqui sobre esse conceito) seriam um primeiro passo das finanças centralizadas/tradicionais em direção ao mundo das DeFi. No Brasil, estamos caminhando neste sentido com o piloto do real digital.
Para saber mais:
1) Leia na Forbes: O que é DeFi? Conheça as finanças descentralizadas;
2) No Tecnoblog, confira o artigo: O que são finanças descentralizadas [DeFi];
3) Acesse no MIT Technology Review: Como a evolução dos contratos inteligentes tornou possível o surgimento das finanças descentralizadas;
4) No Cointelegraph: What is DeFi? A beginner’s guide to decentralized finance;
5) Leia o relatório da Accenture sobre DeFi.
Alvo de críticas do governo por conta da política monetária, o Banco Central vem desenvolvendo o Real Digital, moeda eletrônica que deve entrar em breve em fase de testes e mudará a forma como você usa dinheiro no país. Entenda.