Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete deste mês é…
DESINFLUÊNCIA
O que é: O termo deinfluencing, em inglês, e desinfluência ou anti-influência, em português, se refere a um movimento recente no mercado de marketing de influência que pode ter dois significados diferentes, mas que de certa maneira se conectam. Segundo Silmara Regina Souza, consultora especialista em marketing e comunicação:
“Existe a desinfluência no sentido de os influenciadores desestimularem/desinfluenciarem seu público sobre a compra de determinados produtos, por acharem que eles são caros, não entregam o que prometem ou são apenas uma tendência passageira. A segunda vertente – e com a qual eu costumo trabalhar — é a desinfluência digital como sinônimo de desserviço, porque o que o influencer posta não tem responsabilidade ética”
Apesar de existirem esses dois significados, nas redes sociais é possível encontrar a #desinfluência sendo relacionada, com mais frequência, aos casos das avaliações negativas de produtos ou serviços do que a comportamentos contestáveis de influenciadores.
Origem: Este movimento começou, em 2020, nos EUA (mas logo se espalhou por outros países), em postagens do Instagram e, principalmente no TikTok, em especial as direcionadas à Geração Z.
Na época, vivíamos o primeiro ano da pandemia e as pessoas começaram a questionar o estilo de vida exibicionista e consumista dos influenciadores e celebridades. Toda uma ostentação e realidade de vida antagônicas ao momento de vulnerabilidade que o mundo vivia. Alguns deles faziam postagens inclusive infringindo (e estimulando a infração) de regras básicas do período, como o uso de máscara e o distanciamento social.
A hashtag desinfluência ou deinfluencing, no entanto, começou a aparecer com mais força nas redes em 2022, com foco nas reviews negativas. Não é como se esse conceito não existisse antes. As pessoas já faziam resenhas de produtos ou serviços no YouTube ou em formato de texto, ranqueando empresas no Google. Mas a partir da explosão deste tipo de conteúdo nas redes sociais, esse movimento ganhou um nome.
O conceito gerou tanta repercussão ao longo dos últimos tempos que deinfluencing figura no Top 10 da seleção anual de palavras feita pelo Collins Dictionary em 2023 (a título de curiosidade, a primeira palavra da lista é IA). A conceituação do dicionário foca na desinfluência como desestímulo ao consumo.
Os tipos de desinfluência na prática: Um exemplo de desinfluência relacionada à contraindicação e que no Brasil ganhou grande repercussão foram postagens nas redes de diferentes influenciadoras criticando uma base da marca Wepink, fundada pela influenciadora Virgínia Fonseca.
Uma das primeiras postagens sobre a maquiagem feita pela criadora de conteúdo Karol Bachini viralizou e outras pessoas começaram a fazer vídeos similares apontando a baixa qualidade do produto em contraposição ao seu alto custo.
Já um exemplo prático de desinfluência como sinônimo de irresponsabilidade do influenciador que recebeu destaque na pandemia foi uma postagem de Gabriela Pugliesi, mostrando uma festinha particular em uma das épocas mais rígidas do distanciamento social. Outro caso, apontado no site Vida de influencer (da Squidit) como desinfluência digital, foi o de Monark, que defendeu em um episódio do Flow Podcast a existência de um partido nazista no Brasil.
Ambos sofreram consequências. Gabriela começou a perder patrocinadores e seguidores e teve que desativar sua conta por um tempo por conta do cancelamento; Monark viu os patrocinadores do programa dizerem adeus, até ele mesmo ser desligado da atração.
Silmara lembra de um caso mais recente, de 2022, dos influenciadores Carlinhos Maia e Viih Tube, que fizeram publis recomendando jogos online de azar. (Este mês, o Fantástico fez uma reportagem sobre um grupo de influencers preso no Paraná pelo envolvimento com o “Jogo do Tigre”).
“Eu considero isso uma desinfluência porque o jogo tem um lado nocivo, da dependência. Então, existe uma responsabilidade dos influenciadores com a audiência de apontar que existe um risco ali, mas o que eles fazem é apenas a publicidade de uma promessa de dinheiro fácil”
Ainda considerando comportamentos contestáveis ou irresponsáveis como desinfluência, outro caso que chamou atenção na mídia recentemente foi uma postagem de uma influencer mostrando um tratamento para “eliminar cocô velho do organismo”, algo não recomendado por médicos.
A especialista em marketing também considera desinfluência posts em que os criadores de conteúdo indicam produtos ou serviços que eles nem ao menos utilizam ou testaram. “Lembro muito da época em que a Xuxa fazia propaganda do hidratante Monange na TV. Isso não entrava na minha cabeça, porque trata-se de um produto de prateleira de supermercado que dificilmente fazia parte da rotina dela. E hoje, acontece a mesma coisa nas redes sociais.”
Por que esse movimento é positivo: Muitos usuários das redes sociais são impactados pelos conteúdos criados por influenciadores. No caso do consumo, um relatório da Opinion Box aponta que antes de realizar uma compra 66% dos consumidores pesquisam por produtos no Instagram, 51% no YouTube, 36% no Facebook e 11% no TikTok.
Outra pesquisa, da GWI, menciona que a Geração Z é 23% mais propensa a comprar algo por impulso. Então, um posicionamento mais consciente dos criadores digitais, com conteúdos educativos (apontando as vantagens, mas também as desvantagens de uma aquisição), ajudaria o público a evitar gastos excessivos ou mesmo desnecessários.
Do lado dos influencers, adotar uma postura mais consciente pode trazer mais credibilidade, já que soam no mínimo suspeitas postagens apenas elogiosas, sem trazer um contraponto. A transparência, aliás, ajuda a gerar laços de confiança mais duradouros com os usuários, em vez de manter um engajamento superficial.
O debate sobre o assunto também é positivo para a regulação deste mercado de influência digital como um todo, a fim de evitar que os consumidores sejam enganados com a publicidade nas redes. Já há países, como Alemanha e EUA, adotando regras para este universo. Aqui no Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) criou uma série de regras para publicidade feita por médicos nas redes.
Já sobre a desinfluência que aborda comportamentos mais polêmicos, controversos ou nocivos de influenciadores, jogar luz neste movimento ajuda o público a selecionar melhor que tipo de conteúdo consumir e em quais apostar suas fichas — no caso das marcas –, pois a partir do momento em que o creator cometer um deslize ou fala qualquer besteira na internet, a imagem da marca pode sofrer consequências por tabela.
Bia Granja, cofundadora da YOUPIX e consultora de negócios para a economia da influência, mencionou em um artigo que em 2020 começou a circular uma “planilha dos desinfluenciadores da pandemia”, que funcionava como um “grande banco de dados de cagadas de influenciadores pras marcas saberem em que não investir”. Mas logo o documento foi deletado.
Como ficam as marcas nesta situação: Hoje a economia de marketing de influência movimenta mais de 16 bilhões de dólares, só nos EUA, de acordo com a consultoria McKinsey.
Por isso, é importante para as marcas entenderem esse movimento antipropaganda e assim conseguirem adaptar suas estratégias — até mesmo em função da crítica — repensando seus produtos e posicionamento e priorizando a experiência, o atendimento e o suporte ao cliente.
Já no caso do posicionamento em relação aos influenciadores que propagam comportamentos considerados “desserviços”, ou seja, que são uma desinfluência, Silmara afirma:
“A marca precisa ter muito claro quais são os valores que ela carrega e se eles estão em sintonia com os dos criadores de conteúdo contratados e do tipo de material que eles postam, em vez de só levar em conta o número de seguidores no processo de seleção”
Em resumo, não basta investir grana em influenciadores sem acompanhar bem o que eles e elas estão postando.
“Acho que todo esse movimento faz com que as marcas se tornem mais atentas, não apenas a como seus produtos e serviços atendem ao público, mas a questões sociais relevantes a sua audiência.”
Para saber mais:
1) Leia, no LinkedIn, o artigo “O movimento de desinfluência pode acabar com o marketing de influência?”, de Georgia Rivellino, diretora de marketing e growth da Simpress;
2) Confira a edição da newsletter The Brief que tratou do temática;
3) Leia, na Glamour, “‘Deinfluencing’: conheça o movimento que quer reverter a lógica de consumo desencorajando as compras”;
4) Veja na Axios o artigo “The rise of anti-influencers”;
5) Na CNN, confira “Forget the influencers. Here come the ‘deinfluencers’”.