Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete deste mês é…
ENGENHARIA DE PROMPT OU PROMPT ENGINEERING
O que é: Engenharia de Prompt ou Design de Prompt é o mecanismo responsável por criar e refinar os textos e comandos/solicitações (prompt, em inglês) na comunicação com as inteligências artificiais generativas, como ChatGPT, Bard, Midjourny, DALL-E, Stable Diffusion etc., que utilizam Large Language Models (LLMs) ou grandes modelos de linguagem.
Juliana Manara, estrategista de Inovação da ilegra (empresa global de design, inovação e software) e coordenadora do Instituto Colaborativo em Blockchain, explica:
“Esse comando que damos para a IA não é interpretado por ela, pois a tecnologia não tem ainda essa capacidade, ela lê de forma literal o que pedimos. Então, a maneira como a gente escreve já tem que ser uma interpretação do que queremos. E é exatamente essa a função do prompt hoje: conseguir dar uma interpretação, em forma de texto, para algo que a gente deseja que a IA execute”
Mais do que uma ciência ou uma técnica, a engenharia de prompt pode ser considerada uma arte a ser aprimorada, pois de acordo com a maneira que o pedido é feito à IA, a resposta obtida é diferente, podendo gerar resultados melhores ou piores.
De acordo com a especialista da ilegra, existe uma estrutura básica de formulação para o prompt funcionar bem. No caso do ChatGPT, por exemplo, é preciso entender quem é o sujeito que está pedindo a ação (ou seja, a persona da IA), o que se está pedindo, com qual objetivo e o formato que a IA deve fazer essa entrega (lista, texto corrido, dicas, tabela etc.).
“Brinco que é uma mistura de semântica de português com a contextualização de algumas ferramentas de problematização do design.”
Para que serve: É através dos prompts que nós, humanos, podemos nos “comunicar” com o modelo de linguagem das IAs. Segundo Manara:
“Acredito, no entanto, que essa ainda é uma forma primitiva de comunicação com a inteligência artificial, embora mais democrática. É o segundo tipo de linguagem que temos, pois a primeira ainda é a programação”
“No momento em que conseguirmos acoplar outras tecnologias e fazer combinações, teremos resultados muito mais interessantes, até o ponto de a IA entender o que queremos sem precisarmos codificar, sem verbalizarmos, ou seja, por impulso eletrônico. Esse pode ser um futuro possível daqui umas três ou quatro décadas”, diz.
Mas voltando ao momento atual, dos prompts, hoje, por exemplo, se você quer que o DALL-E crie um cachorro, precisa verbalizar contextos visuais: de que cor quer o animal, qual sua raça, com que tipo de expressão, postura, em qual estilo (ilustração fofinha, aquarela, realista, à la Picasso etc.). Se você desenhar, pode inclusive fornecer um esboço de como imagina esse cão. Ou seja, quanto mais detalhes der ao programa, melhor o design do prompt — e melhor o resultado gerado. A estrategista de Inovação da ilegra destaca:
“Só que é preciso levar em conta que as IAs generativas de imagem não têm as mesmas diretrizes que a gente em mente. Por exemplo, se eu falar para ela ‘mulher branca, com olhos verdes, cabelos castanhos cacheados’, estou me imaginando. Mas a IA está imaginando outra etnia. E aí os traços visuais mudam totalmente. Então, preciso dar o contexto da minha cultura também no prompt”
No caso do ChatGPT, se você deseja que ele escreva um artigo sobre cachorros (para mantermos o mesmo exemplo), também precisa especificar qual o enfoque do tema dentro desse assunto principal, o tom e estilo da escrita, os tipos de palavras utilizadas, as referências mencionadas etc. Melhor ainda se a pessoa escrever o primeiro parágrafo, para que o ChatGPT capture o estilo e a proposta, e peça para que ele desenvolva o restante do texto.
“Quanto mais iniciante for essa linguagem, ou seja, quanto menos interação essa AI teve antes com o humano, mais dificuldade ela terá de entender o pedido. Quanto mais a gente usa a ferramenta, mais ela consegue polir a linguagem. Mas no início, quando você abre pela primeira vez a aba de chat com o ChatGPT, é como se a IA estivesse aprendendo a sua linguagem”, diz Manara. E acrescenta:
“Se eu utilizar o mesmo chat num projeto inteiro em que começo pedindo coisas super simples e depois com maior profundidade, após dois ou três dias seguidos, a comunicação com o ChatGPT vai ser muito mais rápida e assertiva, porque ele pega esse histórico e vai evoluindo sua aprendizagem”
Uma nova profissão à vista? Os engenheiros de prompts: Com o avanço e aprimoramento das IAs generativas, o mercado vem especulando sobre o surgimento de uma nova profissão: os engenheiros de prompts ou prompt engineers.
Esses profissionais usariam a criatividade e a compreensão do processamento de linguagem natural (NLP) para aprimorar os modelos, refinando suas respostas, e os algoritmos das IAs, conforme entendem de que maneira as pessoas estão utilizando essa tecnologia. Assim, dependendo da empresa pela qual são contratados, conseguem criar prompts para simplificar e agilizar determinadas tarefas, como encontrar falhas de sistema de segurança em um software. “Aí, claro é essencial que esses profissionais, depois de testarem e treinarem esses prompts, comecem a criar uma galeria para que os comandos possam ser replicados posteriormente”, explica Manara.
Para ser um engenheiro de prompt não é necessário ter uma formação específica ou entender de programação de softwares de inteligência artificial, embora a especialista acredite que compreender Python possa ajudar.
É requisito, por sua vez, um bom domínio da linguagem e da gramática, entender de análise de dados e mais especificamente sobre o comportamento daquela IA com a qual se está lidando, além de ter pensamento crítico para distinguir se o que a ferramenta entrega está adequado (afinal, o ChatGPT ainda comete “alucinações”, como são chamados seus erros e invenções) ou pode ser aprimorado (no caso das imagens geradas).
“Acho que essas skills do engenheiro de prompt vão variar de acordo com a IA utilizada. Se estamos falando do Midjourney, a pessoa precisa saber um pouco de Python, mas entender também da estrutura do prompt e de conceitos artísticos”, comenta a especialista.
Já há vagas para prompt engineers no mercado: Uma reportagem de fevereiro de 2023 do Washington Post (acesse em “Para saber mais”) diz, já no título, que essa é a profissão mais quente do momento no mundo tech, chama os engenheiros de prompt de “sussurradores de IAs” e afirma ainda que essas pessoas estão sendo muito bem pagas para programar sem precisar de códigos (A Anthropic, fundada por ex-funcionários da OpenAI, recentemente anunciou uma vaga na área com salário anual de até 335 mil dólares).
O mesmo artigo cita que o Boston Children’s Hospital estava contratando um engenheiro de prompt para ajudar a escrever scripts para analisar dados de saúde de estudos de pesquisa e prática clínica. Já o escritório de advocacia Mishcon de Reya tinha aberto uma vaga de engenheiro de prompts jurídicos, em Londres, para projetar comandos que pudessem informar sobre o trabalho da empresa.
Prompts prontos para venda: Já existem plataformas em que esses novos profissionais vendem prompts prontos, oferecem dicas sobre comandos personalizados e suporte via chat. Na já mencionada reportagem do Washington Post é citado o PromptBase, criado em junho de 2022 pelo desenvolvedor Ben Stokes, na Grã Bretanha.
À época da publicação do texto, em fevereiro, ele disse que desde sua criação o site registrou 25 mil contas que compraram ou venderam prompts. Lá é possível encontrar desde comandos para scripts de e-books (US$ 2,99) até para receber conselhos motivacionais (US$ 1,99), compor músicas (US$ 3,99), gerar imagens de logos vibrantes (US$ 2,99), criar artes que podem ser vendidas em forma de NFT (US$ 2,99) ou desenvolver um app (US$ 23,99).
Vale dizer que quando uma pessoa compra um prompt pronto, talvez a sua “comunicação” com a IA não esteja no mesmo nível do que a daquele vendedor, mas com certeza com um “pacote de palavras”, afirma Manara, o comprador vai conseguir cortar alguns caminhos, ou seja, terá uma curva de aprendizagem menor, e poderá ajustar o resultado no sentido do que deseja.
“Eu já peguei vários prompts que achei prontos no Instagram ou Twitter e fui testar. Alguns funcionaram perfeitamente; outros, não. Justamente porque para aquele contexto que eu trouxe aquele prompt, o meu chat com o ChatGPT não estava treinado para receber aquele comando”
No El País, um desses vendedores de prompts da plataforma, da Espanha, disse que vender esses “pacotes de palavras” ainda é um trabalho complementar e que conseguiu ganhar, de setembro passado até fevereiro de 2023, cerca de 800 euros com suas negociações na PromptBase. Segundo manara:
“Com certeza, esse é um mercado promissor, como qualquer outro mercado de templates. A gente está falando de uma tecnologia que pode funcionar em várias profissão. Então, vai ter sim muita gente atuando de forma autônoma, empreendendo com prompts, até porque nem toda empresa vai querer contratar um prompt engineer”
Já existe também uma série de recursos e ferramentas, muitas gratuitas, que oferecem prompts prontos ou ensinam a aperfeiçoá-los. Confira uma lista aqui.
Para empreendedores, a Fast Company recentemente listou 15 prompts que podem ser úteis no universo das startups, com insights que vão desde como usar o ChatGPT para criar um plano de negócio até pesquisar investidores e criar um domínio na internet.
Uma nova habilidade exigida pelo mercado: Enquanto alguns afirmam que a engenharia de prompt é uma nova profissão, outros especialistas consideram que essa função tende se tornar dispensável com o avanço das interfaces para acesso e manipulação de ferramentas de IA e chegam inclusive a comparar essa nova profissão com a dos especialistas em busca dos primórdios do Google.
Para a especialista da ilegra, esse ofício tende a mudar conforme vamos entendendo sua demanda específica: “É um mercado que está num boom imediato, vão ter muitas vagas agora, mas depois acredito que vai acontecer uma evolução desta profissão”. Ela prossegue:
“Já pensou na possibilidade de usar uma IA para diminuir os cálculos da engenharia civil na hora de fazer uma super construção? É algo muito complexo, a forma de dar o comando, pensar as variáveis e tudo mais… Isso sim, na minha opinião, dá espaço para essa nova profissão, pela complexidade e responsabilidade do cálculo, pois se o prédio cair não será a IA quem irá assumir a culpa, mas quem deu o comando”
Mas em outros setores, diz ela, criar prompts vai se tornar uma skill do profissional do futuro, em especial em áreas de inovação, design, UX, administração, contabilidade etc., uma vez que o prompting consegue acelerar processos burocráticos e demorados
Segundo o Relatório de Tendências em Inteligência Artificial – 2023, o AI Index Report, nos EUA, o número de ofertas de emprego relacionadas à IA aumentou de 1,7% para 1,9% entre 2021 e 2022.
Ben Stokes, da PromptBase, disse ao Washington Post: “Criar prompts é difícil e – acho que isso é uma falha humana – muitas vezes é muito difícil encontrar as palavras certas para descrever o que você deseja.”
Ele ainda afirmou na publicação: “Da mesma forma que os engenheiros de software são mais valiosos do que os laptops em que escrevem, as pessoas que escrevem prompts bem terão uma vantagem sobre as pessoas que não conseguem fazer isso. Elas basicamente terão superpoderes”.
Uma nova profissão surge e várias outras desaparecem? Apesar de se falar no surgimento de uma nova profissão, a de engenheiro de prompt, o que mais se escuta quando o assunto é IA é o risco de ela roubar os empregos dos humanos.
Uma pesquisa da Resume Builder com mil empresas dos EUA mostrou que 49% delas já utilizam o ChatGPT. Destas, 48% substituíram funcionários pela IA. A própria OpenAI, empresa por trás do ChatGPT, calculou que 19% dos empregos terão 50% de suas tarefas impactadas por ferramentas deste tipo.
“Existem várias profissões com potencial de serem substituídas pelo ChatGPT ou por qualquer outra inteligência artificial que venha a surgir de agora em diante. Mas eu não acredito que essas funções devam sumir, mas evoluir com o uso da ferramenta”, afirma Manara.
“Para mim, vão existir três classes. As profissões que ficarão muito ainda com o contato humano, para quem realmente não vai fazer sentido usar IA. Vai ter a camada do meio, de pessoas que usam a IA como operacionalização, para facilitar tarefas. E vão surgir carreiras novas em que a IA vai ser a base do trabalho, como hoje é a internet para algumas funções”
No site da Singularity Hub (acesse em “Para saber mais”), Ian Beacraft, fundador da agência de previsão estratégica Signal & Cipher, diz que a IA vai nos transformar em generalistas criativos e mudar nossa relação com o trabalho.
Para ele, não fará mais sentido se especializar numa única área, que poderá ser rapidamente superada pela IA. Beacraft exemplifica dizendo que um um designer gráfico que desenha uma história em quadrinhos pode usar ferramentas de design alimentadas por IA para transformar esse material em uma produção 3D, sem precisar conhecer sobre modelagem 3D, movimento de câmera, captura de movimento etc.
Além disso, ele acredita que a IA nos permitirá obter conhecimento sob demanda, o que tornará as funções e cargos nas empresas mais horizontais. “Não vamos perder nossos empregos, vamos perder nossas descrições de trabalho”, disse ele. Beacraft ainda afirmou que em vez de acabar com os trabalhos é capaz de a IA aumentar seu volume e cita o exemplo de cientistas que usam IA para ajudá-los a realizar experimentos. Com o apoio da tecnologia, eles poderão aumentar o número de experiências que executam.
Como criar bons prompts: Entre as dicas encontradas em artigos e reportagens sobre como escrever um prompt de sucesso, as principais são:
– Defina uma persona, no caso de textos, para que a escrita tenha a personalidade de quem está por trás daquele material;
– Mantenha sua audiência em mente para que a IA produza um conteúdo adequado àquele público;
– Dê o máximo de informações possíveis sobre a tarefa a ser executada e o contexto. Quanto mais detalhes, melhor;
– Seja direto, evitando perguntas vagas, longas, genéricas e de múltipla escolha;
– Entenda as especificidades da IA que está sendo utilizada, seja ela o ChatGPT, o Bard, o Midjourney, o DALL-E etc. Cada uma tem sua especificidade e seus “dialetos” próprios. Enquanto nas IAs de geração de texto é mais comum usar prompts no estilo de uma conversa formal, para as de geração de imagem, costuma-se obter mais sucesso usando-se pacotes de palavras relacionadas à conceitos e técnicas artísticas.
– Peça ao próprio ChatGPT para criar prompts para você e depois reaplique esses comandos numa outra IA, como DALL-e ou Midjourney;
– Forneça ao ChatGPT dados para trabalhar e assim melhorar suas respostas. Por exemplo, se você quer dicas de onde ir em determinada cidade que vai visitar, diga que tipos de programas curte fazer, com que pessoas vai estar, em que período do ano será a viagem etc.
– Tente formular suas questões em outro idioma, em especial o inglês, já que o português ainda representa uma parcela pequena da base com a qual as IAs generativas de texto são treinadas;
Já existem vários cursos, inclusive gratuitos, sendo oferecidos para ajudar as pessoas a aprender a formular bons prompts ou mesmo formar profissionais em Prompt Design (conheça alguns no item “Para saber mais”).
O outro lado dos prompts: Os textos ou imagens gerados via prompt também podem produzir desinformação e fake news, como a imagem do Papa usando um casaco branco puffer que confundiu até a revista Vogue. Para Manara, a própria IA é a solução para combater esse problema:
“Talvez na inteligência artificial esteja a nossa maior arma contra as fake news, porque essa ferramenta será capaz de entender padrões que só as IAs captam, que a olho nu nos passam despercebidos ou só experts vão conseguir identificar”
Há ainda outra problema: uma série de conteúdos pasteurizados que começam a pipocar por meio de prompts. Na Amazon, já é possível encontrar centenas de e-books criados pelo ChatGPT.
“Já sinto dificuldade de ver conteúdos novos, com aprofundamento. Mas não acredito que uma regulamentação vá resolver essa questão, mas ferramentas que avaliem esses conteúdos e quem sabe uma evolução dos nossos browsers da internet para filtrar esse material e apontar o que foi ou não gerado por IA”, diz a profissional da ilegra.
Alguns especialistas defendem a inserção de marcas d’água imperceptíveis nos conteúdos gerados por IA para identificar que foram criados artificialmente. Ainda não se sabe exatamente o caminho para essas questões.
Há medo do caos se instalar com o avanço das IAs, como mostra a prototipagem de ficção científica (uma projeção lógica de eventos no futuro próximo) de Jesuz Dias até 2033, na Fast Company. O que se espera — sendo otimista — é que a IA, de fato, nos ajude a avançar como humanidade, podendo, por exemplo, antecipar o diagnósticos de doenças ou prevenir e recuperar áreas afetadas por desastres naturais.
Para saber mais:
1) Leia no The Washington Post: “Tech’s hottest new job: AI whisperer. No coding required”;
2) Acesse, no Business Insider, o artigo: “AI ‘prompt engineer’ jobs can pay up to $335,000 a year and don’t always require a background in tech”;
3) Confira na newsletter KenskIA, do jornalista Rafael Kenski, o que é Design de Prompt e dicas de como fazer um bom prompt;
4) A Wired traz 11 dicas para aprimorar a criação de prompts;
5) No El Pais, leia: “The AI boom has created a new career: being an expert at talking to machines”;
6) Veja o vídeo “Prompting explained: how to talk to ChatGPT”;
7) Encontre no Awesome ChatGPT Prompt exemplos de comandos para usar no ChatGPT;
8) No Singularity Hub, acesse: “AI Won’t Kill Our Jobs, It Will Kill Our Job Descriptions—and Leave Us Better Off”
9) “Oito em cada 10 brasileiros acreditam que empregos serão substituídos por IA”. É o que mostra este artigo da Fast Company Brasil;
10) No Reuters Institute, veja o debate: “Will AI-generated images create a new crisis for fact-checkers? Experts are not so sure”;
11) Leia artigo do MIT Technology Review, “ChatGPT is about to revolutionize the economy. We need to decide what that looks like”;
12) Aprenda sobre prompting, de graça, aqui.