Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…
HACKER CULTURAL
O que acham que é: Pessoa que invade ilegalmente sistemas tecnológicos da área cultural.
O que realmente é: Hacker Cultural é alguém que entra (legalmente) em sistemas socioculturais para alterá-los por meio de ações aparentemente pequenas e locais, mas de impacto sensível para o público atingido.
Há alguns anos, os publicitários do estúdio criativo Shoot The Shit colaram adesivos em pontos de ônibus de Porto Alegre com a pergunta Que Ônibus Passa Aqui? e um espaço em branco, que convidava usuários do serviço a colaborar com a informação. Segundo Gabriel Gomes, um dos idealizadores da iniciativa e cofundador da Shoot The Shit, a prefeitura da cidade aprimorou a sinalização graças às mudanças propostas pelo projeto, que chegou a 30 cidades do Brasil. “Isso impactou mais de três milhões de pessoas e bagunçou um pouco com a rotina dos órgãos públicos dessas 30 cidades. O mais louco é que custou, para a gente, na época, 100 reais.” Este ano, agência está com inscrições abertas para o evento Hack The City, um desafio para jovens criarem, planejarem e executarem inovações sociais que impactem 500 mil pessoas no Rio de Janeiro.
Gomes diz que, em geral, os hackers são pessoas movidas a curiosidade, a vontade de alterar o status quo, simplificar, conectar, aprender, dar valor ao processo, encurtar caminhos, provocar reflexão. “O ‘hack’ é um processo de melhoramento. Gosto muito dessa palavra porque ela nos coloca em posição de questionar aquilo que não está funcionando e não apenas buscar uma solução qualquer. O Hacker Cultural não é apenas a pessoa que vai resolver de forma disruptiva um problema mas, também, que vai apontar que há um problema”, diz Gomes.
Para Hanier Ferrer é fundador do TropikAll Vibez, coletivo de cultura urbana criado para dar visibilidade a artistas novos e de origem popular na região metropolitana do Rio de Janeiro e um dos 50 agitadores culturais convidados a contribuir, em 2015, na Virada Hacker para Construção de Narrativas, no projeto Visão Rio 500. Para ele, Hacker Cultural, é o indivíduo que mescla e produz novas operações de comportamentos e linguagens conectadas a determinados territórios e atores, visando a criação de ações e projetos que mobilizem pessoas, impactem locais e gerem renda e circulação de capital, seja financeiro ou humano. “Puxo uma provocação para a existência de dois tipos de Hacker Cultural: o que precisa ser ou se descobre como um porque tem origem periférica e já nasce criando suas gambiarras e outros modos possíveis de operar e circular, e o indivíduo que, no decorrer da vida, de experimentação de repertórios e acesso a meios de produção e criação, vai se percebendo como apto para essa forma de realizar e criar.”
Uma das características do Hacker Cultural é, justamente, atuar dentro de diferentes culturas (e backgrounds) sociais e reconectá-las, acreditando que a distância entre as pessoas pode diminuir por meio de projetos que envolvam arte, música, eventos, ideias e ações. Como o resultado é sempre inovador, Gomes diz que algumas empresas estimulam o comportamento hacker em seus colaboradores: “Hackers são fundamentais em ambientes de inovação: fazem com menos, estão sempre em beta e se permitem errar. Mas não considero Hacker Cultural uma profissão e, sim, como um sistema operacional do seu cérebro. Uma pessoa que é hacker hoje, será hacker sempre”.
Quem inventou: Não há um inventor. O sentido mais conhecido da palavra hacker é o que define quem invade e transforma, ilegalmente, tecnologia alheia. Mas nem todo hacker digital atua de forma fraudulenta. Segundo Ferrer, as tecnologias open source trazem à tona um processo legal de transformação digital que pode ter dado origem à importação do termo para a cultura. “Com o open source, a pessoa que entende de tecnologia, seus meandros, cria outras coisas. O Hacker Cultural vem muito nessa pegada.”
Quando foi inventado: Não há.
Para que serve: Para Ferrer, o Hacker Cultural tem a função de criar e realizar soluções para a cidade de maneira a torná-la mais justa, mais democrática, mais participativa, além de dar visibilidade à atores e criadores de áreas com menos visibilidade, acesso e meios. “Cria-se uma rede cada vez maior de pessoas conectadas, fornecedores, parceiros, dinheiro, meios, equipamentos, recursos humanos etc”, ele diz.
Luciano Braga, cofundador e sócio de Gomes na Shoot The Shit, diz que o Hacker Cultural passa a ser um agente de transformação em face da dificuldade do Estado em resolver problemas da população: “Com o avanço da tecnologia e do acesso a novas ferramentas, as pessoas decidem e podem ser proativas na construção do mundo que querem ver”.
Quem usa: Quaisquer pessoas que queiram se articular conjuntamente para a criação de ações de impacto sociocultural podem ser consideradas Hackers Culturais. Dentre empresas que apostam no conceito, Gomes cita a Red Bull. “A empresa está na vanguarda de movimentos que representam o espírito do nosso tempo. O Red Bull Station promove eventos, festivais, shows e é, de certa forma, um centralizador de artistas, empreendedores, inovadores sociais e hackers culturais do país. E ainda há a Red Bull Amaphiko, uma rede de inovadores sociais com potencial de transformarem suas cidades.”
Efeitos colaterais: Falta de conexão do Hacker Cultural com o local ou espaço em que atua. “Como a definição do que é um Hacker Cultural não é uníssona no mercado, pode acontecer de haver pessoas tentando impactar ou desenvolver um trabalho sem considerar a realidade ou o contexto locais”, diz Ferrer.
Quem é contra: Gomes diz que organizações, governos e até pessoas mais conservadoras, que não aceitam novos pontos de vista. “Ainda vai haver muitos movimentos, iniciativas, empresas e governos para tentar bloquear a atuação de hackers nos mais variados ambientes. Mas por maior que seja a força contra uma tendência, se ela for legítima, ela vai avançar”, afirma.
Ferrer diz que é contra o Hacker Cultural qualquer estrutura que vise a dominação, tenha redes fechadas, cadeias de produção em massa, não pense em dinheiro nas pontas e não reflita sobre o impacto de direitos que ações podem gerar: “Sim, há muita gente contra, principalmente uma parcela de pessoas que detêm os meios de produção.”
Para saber mais:
1) Leia, na Forbes, Blazing A Trail At Google, This ‘Cultural Hacker’ Is Out To Diversify Tech, sobre a contratação de Valeisha Butterfield Jone, pelo Google, para a então criada (no fim do ano passado) vaga de “Head of Black Community Engagement”.
2) Assista, no YouTube, ao vídeo How to Become a Culture Hacker, do canadense Seb Paquet. É uma aula de menos de seis minutos com um dos nomes mais conhecidos no meio.
3) Leia, na Vice, How Argentina’s Political Crisis Gave Rise to Hacker Culture, sobre o surgimento de grupos de hackeamento cultural como forma de lidar com a crise.
4) Leia, no Huffington Post, Culture Hacking 101. A autora, Maya Zukerman, conta, de forma divertida, o que é um Hacker Cultural e como ela se tornou um (além de dar dicas para interessados).
Em julho, Warren Kanders renunciou ao cargo de vice-presidente do conselho do Whitney Museum of American Art, em Nova York. Motivo: uma onda de protestos após a descoberta de que granadas de gás lacrimogêneo fabricadas por sua empresa foram usadas contra imigrantes na fronteira entre Estados Unidos e México. O episódio levanta questões sobre o uso da arte para "maquiar" fins escusos.