Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…
MUNDO BANI
O que é: Mundo BANI, acrônimo em inglês de Brittle, Anxious, Nonlinear e Incomprehensible, e aportuguesado para FANI (Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível), é a evolução do Mundo VUCA (“volátil, incerto, complexo e ambíguo”, na tradução para o português).
O conceito passou a ser usado com força em 2020 para descrever o panorama mundial com base nas mudanças trazidas pela pandemia — o “antigo” Mundo VUCA acabou ficando datado em meio a tantas transformações.
“Esse cenário de incertezas trazido pela Covid, somado a todas as limitações do mundo físico, forçou um crescimento exponencial do mundo digital como caminho para encontrarmos soluções”, diz Paula Costa, responsável pela área de Marketing e Pessoas da Vimer e professora de Inteligência de Mercado aplicada ao Varejo Omnichannel no MBA da ESPM. “Com o mundo cada vez mais conectado, o VUCA começou a ficar obsoleto, a não ser mais suficiente para descrever toda essa aceleração de cenário e transformações que estamos vivendo a cada segundo.”
Características:
B, de frágil (“brittle”):
Enquanto no Mundo VUCA impera a volatilidade, no Mundo BANI essa característica atingiu tal extremo que todas as nossas construções passam a ser frágeis, ou seja, suscetíveis a falhas.
“A fragilidade geralmente surge de esforços para maximizar a eficiência, para extrair até a última gota de valor — dinheiro, energia, comida, trabalho — de um sistema”, afirma Jamais Cascio, criador do termo BANI (saiba mais no item “quem inventou”). Para o futurologista baseado na Califórnia, o fato de vivermos num mundo conectado faz com que fragilidades que antes eram limitadas regionalmente repercutam em efeito cascata por todo o planeta — vide o coronavírus.
No dia a dia, esse risco se reflete na segurança alimentar, em empregos que podem ser perdidos do dia para a noite, em empresas que podem ruir a qualquer momento e em mudanças na lógica de mercado.
A, de ansioso:
Como consequência, as incertezas, típicas do VUCA, aumentaram a tal ponto que se transformam em uma ansiedade sem fim, uma sensação constante de impotência.
Todo mundo passou a viver um pouco na pele a “doença do século 21”, com medo do que vai acontecer e de que as coisas vão dar errado independentemente do que façamos.
“Um mundo ansioso é aquele […] onde todo dia apertamos F5 para atualizar as notícias e descobrir o próximo fato chocante”, explica Cascio.
N, de não-linear:
O que era complexo, por sua vez, se tornou não-linear. “O sistema de causas e consequências passaram a ser desconectados ou desproporcionais”, diz Paula Costa, da ESPM. “Quando imaginaríamos que um acontecimento na China poderia paralisar todo o mundo — o que a gente faz e a forma como a gente vive?”
Conforme destaca Cascio em seu artigo, o “conceito de ‘achatar a curva’ é inerentemente uma guerra contra a não linearidade. A questão climática é outro problema não-linear. Vemos ao nosso redor, com intensidade e frequência crescentes, exemplos do impactos das mudanças climáticas induzidas pelo aquecimento global… E mal subimos um grau Celsius em relação aos níveis pré-industriais”.
I, de incompreensível:
A ideia de ambiguidade do Mundo VUCA deu lugar, no Mundo BANI, à noção de incompreensível. Segundo a professora da ESPM, antes não sabíamos distinguir se uma coisa era A ou B; agora, com o excesso de informações, não sabemos mais nada — estamos constantemente sem respostas.
Quantas vezes nesse período pandêmico não recebemos uma sobrecarga de informações diferentes, com frequência contraditórias, e ficamos perdidos, sem saber como agir? “Nunca tivemos tanto acesso a dados e informações, mas estamos em crise com nossa capacidade de analisar esses dados e transformar tudo isso em conhecimento e ações”, afirma Paula.
A incompreensibilidade, diz Jamais Cascio, parece ser “intrínseca ao tipo de sistema de aprendizado de inteligência artificial que estamos começando a construir. À medida que nossas AIs se tornam mais complicadas, aprendemos mais e fazemos mais, mais difícil se torna entender precisamente como elas tomam suas decisões.”
Quem inventou e quando: O termo BANI foi apresentado pelo antropólogo e futurologista norte-americano Jamais Cascio, em 2018, durante um evento no Institute For The Future (IFTF). Em abril de 2020, ele publicou um artigo no Medium intitulado Facing the age of Chaos (acesse o texto abaixo, no item “Para saber mais”) em que destaca que vivemos uma era que rejeita a estrutura de forma intensa, quase violenta.
“Não é uma simples instabilidade, é uma realidade que parece resistir aos esforços para entender o que diabos está acontecendo”, escreveu Cascio. “Este momento atual de caos político, desastres climáticos e pandemia global demonstra vividamente a necessidade de uma forma de dar sentido ao mundo, a necessidade de um novo método ou ferramenta para entender as formas que essa era de caos vai tomar. Os métodos que desenvolvemos ao longo dos anos para reconhecer e responder às interrupções comuns são cada vez mais inadequados quando o mundo parece estar desmoronando.”
Para que serve: Para empresas e pessoas entenderem e conseguirem reagir rapidamente a mudanças cada vez mais dinâmicas e voláteis.
De acordo com Jamais Cascio, o conceito BANI oferece uma lente para entender o que está acontecendo no mundo e trazer respostas sobre como agir. Ele destaca:
“A fragilidade pode ser enfrentada por capacidade e resiliência; a ansiedade pode ser aliviada por empatia e atenção plena; a não linearidade necessitaria de contexto e flexibilidade; a incompreensibilidade pede transparência e intuição. Essas podem muito bem ser mais reações do que soluções, mas sugerem a possibilidade de que respostas possam ser encontradas”
Além de resiliência, empatia, atenção plena e flexibilidade, mencionadas por Jamais Cascio como características necessárias para enfrentar os desafios trazidos pelo Mundo BANI, Paula Costa destaca o propósito e a humanização:
“Entre hoje e amanhã, podemos precisar mudar tudo completamente… Mas nossa essência, aquele famoso motivo para acordarmos todos os dias, precisa estar muito clara. Também precisamos nos apegar às características que nos tornam humanos, como o autoconhecimento, a sensibilidade, o poder de conexão – até como um contraponto a essa acelerada digitalização.”
Efeitos colaterais: A professora diz ter uma visão otimista. Ela acredita que a ansiedade trazida pelo Mundo BANI pode ser um estímulo para a ação e a queda de modelos que já não fazem mais sentido. “Com toda a desestruturação que o BANI causa, ele abre a oportunidade de a sociedade revisar suas estruturas que estão falidas e criar um mundo novo.”
Para ela, o Mundo BANI também traz um princípio de maior igualdade:
“Ninguém está em vantagem em um cenário de mudanças constantes, em que todo mundo precisa aprender a reagir e a viver [de forma] diferente todos os dias”, afirma. “Não necessariamente o mais forte ou o mais poderoso vai ter a resposta, mas aquele que estiver mais antenado em todos esses movimentos do BANI.”
Qual será a próxima terminologia para classificar o mundo? O termo VUCA foi criado na década de 1980, mas só ganhou repercussão nos anos 2000. O BANI, por sua vez, surgiu em 2018 e foi disseminado em 2020. Assim, seria lógico questionar se já não existe um outro conceito em construção para o que está por vir. É o que afirma a professora Paula, da ESPM:
“Não temos ainda um novo termo, mas a mudança não vai parar por aqui. Tem muita gente vivendo a pandemia como se fosse uma fenda no tempo, como se todo esse cenário fosse terminar da noite para o dia junto com a vacina… É muito importante entender que esses movimentos que a pandemia acelerou não têm mais volta”
Ela acredita que vamos continuar adotando novas tecnologias para a evolução de nossos processos — sem deixar de ressignificar e dar mais espaço a tudo que nos faz mais humanos.
“As empresa vão passar a enxergar mais seus consumidores e seus funcionários. Já estamos vendo isso com o surgimento de novos profissionais especializados em garantir a diversidade e a saúde mental dos times”, diz Paula. “Como pessoas, acho que vamos resgatar e buscar mais da nossa essência para entender nossos valores e propósitos e, principalmente, como eles se relacionam com nossa força de trabalho, direcionamento de consumo e impacto social.”
Para saber mais:
1) Leia, no Medium, “Facing the Age of Chaos“, artigo de Jamais Cascio, criador do termo BANI.
2) Assista, no canal Professor Marcelo Pimenta, no YouTube, à aula Do Mundo VUCA ao Mundo BANI, apresentada por Paula Costa.
3) Leia, no blog do Stephan Grabmeier, o artigo “Bani versus Vuca“.