Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…
NEURODIVERSIDADE
O que acham que é: Sinônimo de autismo.
O que realmente é: Neurodiversidade é o conceito que postula que condições como TEA (Transtorno do Espectro Autista), TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), dislexia e dispraxia (distúrbio motor com base neurológica), entre outras, não são anormalidades mas, sim, diferenças neurológicas a serem reconhecidas e respeitadas.
Para a Neurodiversidade não há um “normal” neurológico a que todos devermos aspirar e corresponder, mas variações tão múltiplas e complexas quanto os genes, ecossistemas e espécies existentes na natureza. E isto não é uma simples analogia. Segundo a socióloga australiana Judy Singer, criadora do conceito, a Neurodiversidade é um subconjunto da Biodiversidade, a primeira sendo tão importante para a humanidade quanto a segunda para a vida no planeta.
Autista, Singer investigou o conceito enquanto estudante de honra na Universidade de Tecnologia de Sydney, no fim da década de 1990 e publicou o estudo como paper em 1998.
Há, ainda, o entendimento de que Neurodiversidade deve ser considerada uma categoria social tanto quanto etnia, gênero, classe socioeconômica etc. E mais: em um contexto profissional, pode ser compreendida como vantagem competitiva.
Segundo José Eduardo Fernandes, coordenador do curso de pós-graduação em Gestão de Pessoas: desenvolvimento estratégico do capital humano, da FAAP Ribeirão Preto, é mais do que comprovado que quanto mais heterogênea for uma equipe, maiores são as chances de sucesso. “Há neurodiversos com maior poder de concentração, capacidade de inovar e/ou corrigir problemas de difícil detecção em processos, o que pode representar menores taxas de defeito, gerando economias corporativas na casa dos milhões”, afirma.
Para Ludymila Pimenta, fundadora do RHlab, laboratório de inovação em novas tendências e metodologias para a área de Recursos Humanos, as organizações cuja cultura têm como centro as pessoas (conceito definido como people centric), buscam formas de possuir maior diversidade em seu quadro porque sabem ser esse um dos pré-requisitos para a criatividade e a inovação. “A Neurodiversidade vai de encontro aos aspectos de modelos pós-digitais em que precisamos sair de formas encaixotados, reflexos da revolução industrial”, diz.
Na prática: O cérebro de pessoas neurodiversas pode funcionar, processar e aprender informações de uma maneira diferente das pessoas consideradas “neurotípicas” (que não possuem condições neurológicas específicas).
Em um texto publicado no site do Fórum Econômico Mundial, mês passado (link no item “Para saber mais”), Nahia Orduña, gerente sênior de integração analítica e digital da Vodafone, fez uma lista de vantagens competitivas de pessoas com Neurodiversidade.
“Diz-se que os cérebros autistas são altamente criativos, com concentração, lógica, imaginação e pensamento visual excepcionais. Também tendem a ser sistemáticos, meticulosos e detalhados. Além disso, eles compartilham insights e perspectivas únicas na solução de problemas.
Pessoas com TDAH também têm muita imaginação e pontuam mais alto em testes de criatividade do que pessoas que não são TDAH. Podem ainda hiperfocar, o que significa que, embora geralmente apresentem um déficit de atenção, têm um alto foco em sua área de interesse.
Pessoas disléxicas demonstraram capacidade de pensar fora da caixa: 84% das pessoas disléxicas estão acima da média no raciocínio, no entendimento de padrões, na avaliação de possibilidades e na tomada de decisões. Suas competências são inestimáveis quando se trata de visualizar aspectos de uma perspectiva mais ampla e avaliar situações de várias visões.
Quem contrata: Dentre as grandes corporações que redesenharam seus processos de RH para contratar talentos neurodiversos estão a Vodafone, a Hewlett Packard Enterprise (HPE), a Microsoft, a Ford e a Ernst & Young.
Em um texto publicado mês passado no The Wall Street Journal (link no item “Para saber mais”), empresas como a Ernst & Young, o Credit Suisse Group AG, a Dell e a Microsoft, entre outras, estão contratando especificamente candidatos autistas para trabalhos de inteligência artificial.
Como contratar: Pimenta, do RHlab, diz que a Neurodiversidade demanda criatividade dos recrutadores, ou seja, mudança no padrão de entrevistas e testes. “A mudança depende das características do candidato. Pode ser em um ambiente mais silencioso, para que o candidato consiga se concentrar ou no tempo do processo seletivo, para que se sinta tranquilo e confiante no processo. É preciso ir a fundo nas necessidades de cada um”, conta.
Um outro ponto, segundo Fernandes, é que a área de Recursos Humanos desenvolva programas de desenvolvimento e acompanhamento para além da contratação. “Isso é importante para ajudar a corrigir desvios tanto por parte do programa quanto por parte dos gestores e colegas.”
O contraponto: Semana passada, em um texto publicado no Aeon (link no item “Para saber mais”), o neurobiólogo molecular e do desenvolvimento Moheb Costandi deu voz a um outro entendimento em relação ao movimento da Neurodiversidade: apesar das boas intenções, ignora as pessoas que lutam com autismo severo. É uma discussão complexa, com argumentos válidos de ambos os lados.
A Vice ainda destaca como o ambiente de trabalho pode ser difícil para os neurodiversos, com seus barulhos, cheiros, luzes fortes e conversas paralelas. O texto mostra a experiência de seis deles em escritórios abertos e como a adaptação é duro, tanto que alguns preferiram voltar a ser freelancers.
“Mesmo que empresas de tecnologia como Microsoft, HP e SAP estejam expandindo suas contratações e práticas de trabalho para serem mais inclusivas, para muitos neurodivergentes, conseguir e manter um emprego é difícil. Por volta de 50 a 75% dos autistas com ensino superior estão desempregados nos EUA. A taxa de desemprego para pessoas recebendo tratamento para saúde mental de serviços públicos é de aproximadamente 80%”, aponta o texto. (Leia o artigo completo no item “Para saber mais”).
Para saber mais:
1) Leia, no site do World Economic Forum, The next talent opportunity for the digital workplace? Neurodiversity.
2) Leia, no The Wall Street Journal, People With Autism Are Hot Hires for AI Jobs.
3) Leia, no Aeon, Against neurodiversity — The movement has good intentions, but it favours the high-functioning and overlooks those who struggle with severe autismo.
4) Leia, na Harvard Business Review, Neurodiversity as a Competitive Advantage.
5) Leia, no The Guardian, Forget stereotypes … how to recruit talented, neurodiverse employees.
6) Leia, no HuffPost, Difference Is A Virtue: How Neurodiversity Can Enhance The Workplace.
7) Leia, na Vice, Escritórios podem ser um inferno para pessoas com cérebros que funcionam diferente.