Gisela Blanco, que assina este texto, é jornalista mestre em Business Innovation pela University of London.
Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…
WISDOM OF THE CROWD
O que acham que é: Algo relacionado a multidões.
O que realmente é: A teoria da sabedoria coletiva, que considera que um grande grupo de pessoas é capaz de analisar e opinar melhor sobre problemas do que um grupo pequeno ou um único indivíduo. Isso porque a diversidade de experiências, opiniões e pontos de vista que existe na multidão contribui para que os julgamentos sejam mais elaborados. Vale tanto para um julgamento de um crime quanto para previsões sobre quem vai ganhar as eleições. Um dos princípios mais importantes por trás dessa teoria é o da assimetria da informação: o de que cada pessoa vai conseguir ter apenas uma quantidade limitada de conhecimentos e informações. Talvez eu saiba mais sobre inglês e você seja expert em espanhol, por exemplo, mas se nós e todas as outras pessoas que conhecemos pudermos interagir e dividir nossos conhecimentos com o grupo, vamos saber muito mais sobre várias línguas. Certamente muito mais do que se consultássemos um único expert no assunto.
Quem inventou: Ao longo da história, vários filósofos, psicólogos e estatísticos formularam e testaram várias teorias sobre a sabedoria das massas. Cada um com seu foco. Um exemplo clássico de Wisdom of the Crowd foi dado pelo estatístico inglês Francis Galton. Em 1906, o estatístico foi a uma feira agropecuária e tabulou todos os chutes que as pessoas davam sobre o peso estimado de um boi. Quando viu o resultado, se surpreendeu: apesar das várias respostas que passavam longe, quando somou todas e dividiu pelo número de pessoas, o número que encontrou era extremamente próximo ao peso real do bicho. Ele concluiu: uma multidão chutando junta tem muito mais chances de acertar do que um único especialista chutando sozinho. “Também chamamos isso de Teorema do Limite Central: quanto maior a amostra, mais a média tende ao centro, que é a verdade, a resposta correta”, afirma o professor Wilson Nobre, membro do Fórum de Inovação da FGV. Ou seja: quanto maior a quantidade de respostas, menor a margem de erros. Quanto mais gente, maiores as chances de se encontrar um valor mais próximo do correto.
Quando foi inventado: A ideia de uma inteligência coletiva é tão antiga que o primeiro a citá-la foi Aristóteles, no século 4 A.C., no terceiro capítulo de Política. Para o filósofo, o julgamento da multidão era mais sábio do que o de indivíduos ou pequenos grupos. Assim, ao decidir sobre um crime, por exemplo, faria mais sentido recorrer a um júri do que a um ou dois indivíduos. Muitos séculos depois, em 2004, o escritor americano James Surowiecki faria muito sucesso com seu bestseller sobre o assunto, The Wisdom of Crowds (em português, Sabedoria das Multidões). Além de popularizar a teoria da inteligência coletiva, seu mérito foi explicar como ela se aplica aos negócios. Principalmente numa era em que é muito mais fácil recorrer à multidão com a a ajuda da internet.
Para que serve: Com a ajuda da multidão, dá para produzir conteúdo, validar ou melhorar produtos, descobrir soluções para problemas complexos. As empresas que conseguem fazer bom uso da sabedoria da massa podem economiza muito dinheiro e atingir metas que seriam praticamente impossíveis de alcançar se tivessem que contratar especialistas para aquelas tarefas. “É a razão pela qual o Google pode escanear bilhões de páginas e encontrar uma que tem exatamente a informação que você procurava”, afirma Surowiecki em seu livro.
Quem usa: A Wikipedia recorre à multidão para tentar agregar o máximo de conhecimentos sobre o mundo. Governos e associações convocam todos para votar em eleições e referendos porque assim a escolha será mais justa. A inteligência das multidões também é base para conceitos importantes e bem atuais, como crowdsourcing e crowdfunding (quando a multidão junta cria ou fianancia algo) e economia compartilhada (acessar a multidão para usar algo ao invés de comprar). “Em certo momento, empresários como Bill Gates perceberam que em vez de contratar vários desenvolvedores para testar cada software que desenvolviam, fazia muito mais sentido liberar versões beta dos produtos, para que vários usuários mundo afora pudessem testar e pedir alterações”, conta Wilson Nobre. Uma forma bem mais barata e eficiente, afinal, nem mesmo os melhores especialistas pagos poderiam testar tão bem um software como uma multidão de desenvolvedores que têm interesse naquele produto. “É a mesma estratégia que startups usam agora com apps, quando liberam uma versão gratuita e colocam todo mundo para testar. Quando um milhão de pessoas testa gratuitamente seu produto, você pode corrigir e lançar de novo, até que tenha o produto ideal”, afirma.
Efeitos colaterais: Como toda teoria muito abrangente, há alguns problemas graves com essa. Um deles é que as opiniões e respostas da multidão podem ser manipuladas. Um exemplo: se naquela feira agropecuária de 1906, alguém soprasse no ouvido de metade das pessoas que o boi pesava 200 quilos (e elas acreditassem), elas não dariam seu próprio julgamento, e o experimento não teria validade. Na história do mundo, já vimos exemplos parecidos virarem tragédias. “O que Hitler e Goebbels fizeram na Alemanha foi manipular as massas a partir do conceito de edição central de informação. É o que explica como um povo tão inteligente entrou em uma roubada tão grande. Se você domina o start da informação, a massa dá validade e aquilo vira uma verdade absoluta”, afirma o professor Wilson Nobre. Outro problema é a qualidade das informações que surgem da multidão, como acontece com a Wikipedia. Mesmo que a própria multidão fiscalize o que é publicado, não dá para confiar no que todo mundo diz. Segundo uma pesquisa recente sobre a enciclopédia colaborativa, 6 em cada 10 artigos têm erros.
Quem é contra: Em 2011, um grupo de cientistas de universidades da Suíça e da Hungria publicou um artigo no qual que defendiam que a influência social (de amigos, de personalidades, da televisão ou da igreja, por exemplo) pode acabar com o Wisdom of the Crowd. Em um experimento com 144 participantes, concluíram que até mesmo a influência mais branda já é capaz de alterar a opinião dos indivíduos e “quebrar o efeito” da sabedoria do grupo. Basta que alguém saiba qual foi a resposta que outra pessoa deu para determinado problema (o peso do boi, por exemplo). Muitas pessoas tendem a mudar sua opinião para seguir a do colega. Elas podem mudar de opinião por pressão do grupo ou por conta própria, por suspeitar que os outros tenham mais informações sobre o assunto ou que eles sigam o que a maioria disse (e que aquela já é a opinião da multidão, então deve ser a certa). Segundo a Psicologia, os seres humanos têm ainda uma tendência natural a concordar com o grupo, a conversar até chegar a um consenso (se não, seria bem difícil vivermos em sociedade). E por mais sensato que o consenso possa parecer em muitas situações, para a sabedoria das multidões ele não é nada bom: acaba com as opiniões e respostas diferentes, quebrando o efeito de Wisdom of the Crowd.
Para saber mais:
1) Assista a esse curto documentário da BBC em que o professor Marcus du Sautoy explica por que um grupo de pessoas sabem mais do que um indivíduo.
2) Assista a essa palestra de James Surowiecki no TED sobre o poder e o perigo das multidões online.
3) Leia os livros Wikinomics: How Mass Colaboration Changes Everything, Here comes Everybody, e Crowd-sourcing: Why the Power of the Crowd is Changing the Future of Business e, claro, The Wisdom of Crowds.
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