Será que é seguro agendar aquele passeio noturno? Posso me soltar e fazer amizade com desconhecidos(as), ou devo evitar chamar atenção? O fato de eu não ter uma companhia (masculina, sobretudo) me deixa mais vulnerável?
Estas, infelizmente, ainda são perguntas que podem passar pela cabeça de uma mulher antes de embarcar, sozinha, para um destino qualquer.
Foi para acolher essas viajantes e proporcionar uma experiência turística singular que duas irmãs mineiras, Dandara e Larissa Degon, criaram a Woman Trip, uma agência de viagens exclusiva para o público feminino.
O curioso é que nenhuma das sócias tinha experiência profissional no setor de turismo. Dandara, 34, é advogada; Larissa, 27, administradora, atuava numa concessionária quando resolveu deixar o emprego estável para empreender com a irmã: “Estava tudo muito ‘confortável’, mas essa palavra não cabe no empreendedorismo”.
Porém, antes de conseguirem monetizar e transformar a ideia em um negócio, as duas irmãs precisaram ouvir muito “nãos”.
A Woman Trip surgiu como um site para conectar mulheres viajantes, criado pelas irmãs em 2014. A sacada veio depois que a própria Dandara teve uma experiência ruim de viagem.
“Uma menina marcou comigo de ir para um lugar, de ônibus, dividir apartamento, mas, chegando lá, não era uma menina. Felizmente conheci uma moradora local e acabei me hospedando na casa da família dela”
Dandara voltou a Belo Horizonte com a ideia de criar uma página para evitar que outras mulheres passassem esse tipo de perrengue. E, com o objetivo de montar grupos de viagens, ela e Larissa começaram a procurar parcerias com hotéis, atrás de descontos.
As irmãs investiram 2 mil reais no site, “parcelados em várias vezes”. Porém, nenhuma hospedagem topava a proposta de parceria.
“Quando chegava um e-mail de algum hotel, a gente corria para abrir, mas a resposta geralmente era que iam ver a possibilidade de oferecer desconto – ou que não davam, mesmo”, diz Larissa. “Era sempre uma decepção.”
Foi durante uma viagem que tudo mudou. As irmãs estavam numa praia em Paraty (RJ) quando avistaram uma moça sozinha, puxaram conversa e, entre uma caipirinha e outra, a nova colega contou sobre um tal site – justamente o Woman Trip.
A página virtual delas já tinha 10 mil acessos – que Dandara e Larissa conferiram em uma lan house naquele mesmo dia, após voltarem da praia surpresas porque uma desconhecida o acompanhava. Era hora de virar a chave e transformar aquilo em um negócio.
As primeiras viagens organizadas pela Woman Trip foram viabilizadas em 2018, no grupo do Facebook da Woman Trip, em 2018. As irmãs fizeram uma enquete para saber qual destino mais agradava o seu público. Venceu o Atacama, no Chile.
Os preços variam conforme o câmbio, mas normalmente partem de 3 mil reais e vão até 12 mil reais. As viagens pelo Brasil costumam ser mais em conta, para destinos como Natal (RN), Arraial D’Ajuda (BA) e Bonito (MS). Entre os destinos internacionais, a Woman Trip já levou mulheres a destinos como Egito, Peru, Tailândia e Uruguai.
Os pacotes incluem hospedagem, transfer e transporte nos passeios, geralmente em carro 4×4. Incluem, ainda, o que Dandara e Larissa chamam de “anfitriãs”, que são moradoras locais que recebem as viajantes. Certos roteiros – como o Jalapão (TO) – também oferecem todas as refeições.
A passagem aérea não está incluída, porque, segundo as empreendedoras, as clientes saem de várias partes do Brasil. Larissa afirma:
“A gente sabe que a viagem começa quando a pessoa passa a sonhar com o destino, então a ideia é que desde a reserva com a Woman Trip, ela não tenha preocupação com nada. A gente ajuda até a fazer a mala, indicando o que não pode faltar”
No caso de viagens internacionais, esse cuidado personalizado inclui dicas passo a passo de como tirar o visto ou obter o seguro-saúde.
A Woman Trip estava indo bem, contam as irmãs, teve um ano próspero em 2019 (com faturamento de 640 mil reais), até que, em 2020, veio a pandemia.
“Paramos do dia para a noite e pensamos: acho que a empresa acaba aqui”, diz Dandara. “Conversamos com as nossas viajantes e explicamos que poderíamos devolver o dinheiro das viagens que estavam reservadas.”
A reação das clientes surpreendeu as empreendedoras e foi decisiva para a continuidade dos negócios. Dandara afirma:
“Foi aí que o senso de comunidade se fortaleceu. Isso porque só 4% delas quiseram o dinheiro de volta. O restante optou por ficar com crédito e remarcar a viagem depois, sabendo que isso significaria nossa sobrevivência”
Como a startup nunca teve sede fixa (porque as sócias queriam, mesmo, a liberdade de estar em qualquer lugar), o fato de ter nascido e permanecido 100% virtual foi uma vantagem competitiva.
Sem ter gastos com aluguel e manutenção de escritório, as fundadoras fortaleceram as contas com a venda de produtos da marca em uma loja online pelo Instagram, a WT Store.
Elas também inauguraram dois hostels próprios, um em Palmas, capital do Tocantins, e outro na baiana Arraial D’Ajuda. Para diminuir o risco de contágio pelo coronavírus, havia, no máximo, três camas por quarto (e nenhuma beliche).
Desde que se consolidou como agência, em 2018, a Woman Trip já atendeu mais de 2 mil pessoas. A expectativa é fechar 2022 com faturamento de 1,3 milhão de reais.
Com o mercado turístico aquecido, a dupla de irmãs viajantes reflete sobre os benefícios do serviço que oferecem.
“O turismo voltou com muita força porque [com a pandemia] as pessoas se deram conta de que sair de casa e ter momentos de lazer não é algo secundário”, diz Larissa. “Está ligado à saúde mental.”
A empreendedora ressalta, ainda, a potência que é estar em grupo (ainda que o trajeto seja solitário até que as viajantes se encontrem).
“Muitas mulheres nunca tinham ido a um aeroporto ou entrado em um avião sozinhas. Até chegarem ao destino, elas certamente romperam muitas barreiras. Mas a última coisa que uma mulher que viaja sozinha quer é ficar solitária – então, é muito legal ver como elas se conectam, acabam ficando amigas e até voltam a fazer viagens conosco, juntas”
Dandara, por sua vez, destaca a diversidade como motor da agência feminina, não só pelo fato de a empresa ter sido criada por duas mulheres negras, mas por incentivar que os grupos sejam diversos.
“É algo inerente a nós. Muitas viajantes acabam se identificando com a Woman Trip porque, quando veem uma foto nossa, enxergam ali diferentes caras, cores e idades.” A faixa etária das clientes, por sinal, é bem elástica: varia de 28 a 70 anos.
Falar sobre mulher na condição de viajante significa, também, refletir a respeito de uma sociedade para a qual o tema ainda é um tabu.
Na entrevista com as empreendedoras, a palavra “empoderamento” surge quase espontaneamente associada à ideia de viajar sozinha. Dandara reflete sobre essa associação:
“Não é a viagem que empodera a mulher; é o empoderamento que a faz ter coragem de viajar. É claro que a viagem a deixa mais segura, mas há questões sociais anteriores, como ter condições financeiras de pagar pela experiência… Há coisas que precisam estar garantidas antes, para que a mulher possa pensar em momentos de ócio”
Quando perguntada sobre o que pensa do mundo em que vive, ela aprofunda a reflexão em torno de seu trabalho.
“Talvez seja o momento de cruzar fronteiras internas e ir até o outro lado, entrar em contato com o outro e descobrir que ele não é indiferente a nós. E o que a gente faz hoje é facilitar esses encontros.”
O clima de polarização política às vezes parece ir contra essa ideia de conexão. “Quando eu vejo pessoas saudando o nazismo e pedindo intervenção militar, eu penso: cara, em que mundo a gente vive?”, diz Larissa.
Ela própria, porém, faz questão de afirmar que, apesar de tudo, a sociedade brasileira vem evoluindo em aspectos como inclusão e equidade de gênero.
“Diante disso, quando uma mulher viaja sozinha, ela modifica todo um contexto social e inspira outras a fazerem o mesmo. É um efeito-borboleta.”
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