“Viver bem é questão de sintonia, de ritmo, e de não pedir açúcar, mesmo que o café pareça amargo”

Cris Duarte - 13 jul 2018O designer gráfico Cris Duarte conta como, após os 40, conheceu sua esposa, reinventou sua carreira e se mudou para a França, onde atende clientes em uma cafeteria a três minutos de sua casa.
O designer gráfico Cris Duarte conta como, após os 40, conheceu sua esposa, reinventou sua carreira e se mudou para a França, onde atende clientes em uma cafeteria a três minutos de sua casa.
Cris Duarte - 13 jul 2018
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por Cris Duarte

Sabe aquela velha história de que a vida começa aos 40? Pois é, eu só não imaginava que para isso teria que somar tantos novos amores: a dança, o autoconhecimento, a meditação e algumas xícaras de café. O que dizer sobre o que aprendi, e ainda aprendo, com tudo isso? Nada acontece por acaso. Trabalho para que meu universo interno se conecte às novidades que a vida me apresenta na melhor frequência possível.

Viver bem é questão de sintonia, de ritmo, e de não pedir açúcar, mesmo que o café pareça amargo. A vida não é doce para quem faz cara feia

Toda a minha transformação começou em meados de 2002. Cansado do ritmo de São Paulo, virando noites e mais noites no trabalho (sou designer freelancer, é bom dizer) e cada vez mais próximo de conseguir uma úlcera, resolvi procurar outros ares e acabei indo parar em Ribeirão Preto, no interior paulista. Fui morar em uma pensão, até conhecer alguém para dividir um apartamento.

E foi no interior que vivi uma das experiências mais gostosas da minha carreira. Trabalhei na Castanhari Propaganda. Estava no paraíso: entrava às 8h e saía às 17h. Fazia o caminho a pé, dando bom dia aos vovôs e vovós que encontrava pela manhã varrendo suas calçadas. Nesta fase, me dei conta do quanto é importante sermos gentis. Foram três meses, o tempo que eu precisava, e já estava pronto para mais um voo e, a convite de meu amigo Guto, saí de Ribeirão para fazer a minha primeira trip internacional. Destino: Nova Zelândia, por que não?

O Guto leu em um blog que um alemão contratava mochileiros para cuidar de plantações de kiwi, desde a manutenção até a colheita. Era uma boa oportunidade para ter aulas de inglês. E foram as aulas mais roots que já tive!

Naquele momento, deixei de ser um diretor de arte para me tornar um boia-fria do outro lado do mundo

Lembro perfeitamente que, no momento do almoço (marmita que eu comia em um pote de manteiga), eu me conectava com a natureza e de alguma forma buscava energia e serenidade para seguir em frente. Após três meses, voltei para São Paulo renovado e pronto para plantar e colher os próximos desafios. Neste período, já gostava muito de música e dança latina, em especial, a salsa. Comecei a frequentar dança de salão quando estava ainda entre o colégio e a faculdade. Nunca mais parei.

Em 2011, pensei em unir esta paixão ao empreendedorismo e, junto com uma amiga, a Paola, criei o Salsa On You, primeira rede social de salsa. O objetivo era conectar dançarinos, músicos e amantes da música latina em todo o mundo. O lançamento aconteceu no Rey Castro (casa noturna paulistana especializada no gênero) e tivemos por algum tempo as principais casas de música latina como anunciantes.

Foi um grande começo empreendedor, mas também a primeira frustração de quebrar e aprender a se desapegar de um negócio emocionalmente, já que eu não tinha experiência na área e também sentia falta de incentivo para o mercado latino quando o assunto é música e dança. Após esta experiência, passei a frequentar cada vez mais eventos de startups e conteúdo digital. Pois o “vírus empreendedor” já estava em mim. A partir daí, a criatividade já não cabia mais dentro do horário comercial nem exclusivamente para as agências por onde passava. Queria mais, queria conectar pessoas, compartilhar e aprender.

Mas as coisas ainda não estavam da maneira como eu tinha idealizado e a frustração chegou aos 38 anos. Sem estabilidade profissional e financeira, saí de um relacionamento e voltei para a casa dos meus pais.

A esta altura, eu já não me enquadrava nos moldes do mercado. As decepções eram constantes. Faltava uma causa maior. Eu não queria mais criar por criar

Foi quando decidi frequentar outros ambientes e fazer novas amizades, fora da dança e da publicidade. Uma amiga, então, me fez um convite para um sarau filosófico, que acontecia em seu apartamento uma vez por mês, no qual um convidado compartilhava sua experiência e rolava um bate-papo gostoso entre todos os convidados, com bolinho, chá e café.

Por um ano, fui aos encontros todos os meses. Tive acesso a conhecimentos que jamais havia escutado ou lido antes como: apometria, yoga kundalini, física quântica, Teoria U, constelação familiar, tantra e tantos outros assuntos de autoconhecimento. Comecei a ter mais compreensão sobre algo maior e mais profundo dentro de mim. Passei a acreditar em uma energia do universo que vai além da religião ou crenças.

Ao pedir ajuda para esta amiga, compartilhando minha angústia em não me encontrar mais profissionalmente em lugar algum — sabia e sentia que não era uma questão de mais um diploma e sim de paz de espírito e renovação de  energias —, ela sugeriu que eu fizesse um retiro de um fim de semana. Me indicou a UniLuz (Universidade da Luz), em Nazaré Paulista (SP). Foi o início de uma virada de chave para um novo olhar interno e externo.

A meditação diária e o respeito ao corpo na escolha de uma alimentação saudável foram decisivos para transformar e formatar um novo padrão mental para mim

A física quântica começou a agir e as novas conexões se iniciaram, pois a energia já era outra e vibrando em uma nova frequência. Neste momento, senti uma vontade intensa de colocar a mala novamente nas costas, afinal, já havia passado quatro anos de minha última viagem. Foi assim que, no período do carnaval de 2016, depois de criar um logo e um site para um amigo cliente, decidi pedir a ele parte do pagamento do job em uma passagem aérea. Ele topou e o destino escolhido foi Paris. A cidade que me encantou, em 2008, quando pisei lá pela primeira vez.

Fui sem planejamento, apenas para aproveitar ao máximo. O foco, desta vez, era conhecer alguém especial. Afinal, era fevereiro e levei o espírito do carnaval comigo. Fiquei na casa de uma amiga francesa, a Sophie, apaixonada pelo Brasil. Na sexta-feria, fomos para uma salsa próxima de Paris. Entrei no local com a alegria de um passista e mandei ver, dançando sem parar!

Até que uma garota francesa se aproximou e me convidou para dançar. Dançamos bastante e, antes de ir embora, pedi seu número de telefone. Chegando em casa, fiz um convite para me acompanhar em uma exposição de arte contemporânea no dia seguinte. Já tinha os dois ingressos.

Elodie, o nome dela, ou simplesmente Elo, me acompanhou por toda a tarde e, na volta, propôs jantarmos juntos e, depois, irmos para uma salsa. No caminho, falamos sobre assuntos diversos, desde arte contemporânea, música, filosofia e autoconhecimento. Ali eu já havia ganhado dez pontos com meu repertório (risos). No domingo, após uma tarde de salsa, 14 de fevereiro (dia dos namorados na Europa), tivemos uma noite romântica ao som de um mantra especial da cantora Snatam Kaur. Foi mágico! Na segunda-feira, nos despedimos em uma estação de metrô e segui para o aeroporto.

De volta a São Paulo, ela me escreveu dizendo que viria me visitar, pois teria férias de três semanas em abril. Cancelou uma viagem já paga para o Caminho de Santiago de Compostela e seguiu o caminho da intuição em direção à capital paulista. Em duas semanas por aqui, entendemos que só existia uma rota a seguir: a do amor. Pedi Elo em namoro e disse que ela teria mais chances de conseguir algo aqui do que eu em Paris. Rapidamente, ela mandou um e-mail para o escritório de São Paulo da empresa em que trabalhava. Detalhe, ela também atuava na área de comunicação.

Mas, até que surgisse uma oportunidade, decidi que ficaria com ela, por um tempo, em Paris. Sem grana, mas daria um jeito. E dei. Vendi minha bicicleta e comprei a passagem, acrescentando mais 300 reais. Alguns amigos ajudaram e, no meu aniversário de 40 anos (13 de maio de 2016), desembarquei novamente em Paris. Elo recebeu, então, a notícia da vaga no escritório de São Paulo. Teríamos três meses para organizar a saída da França. Mas eram três meses que teria que me virar e trabalhar por lá.

Eu não percebi no momento mas, assim como minha vida amorosa estava ganhando novos ares, minha carreira também se transformava e eu apenas seguia a intuição. Como Elo não tinha internet em casa, eu saia para os cafés, que sempre foram uma grande paixão. Foi assim que descobri um novo jeito de trabalhar e me conectar com as pessoas e, de forma natural, nasceu o ‘’job coado na hora’’ (explico o que é isso mais para frente).

Faltava pouco para voltarmos ao Brasil. Antes de viajarmos, aproveitei para fazer o pedido de casamento com toda a família de Elo reunida e também comecei uma nova abordagem de atendimento como designer gráfico freelancer. Criei um novo site, com a proposta de atender em cafeterias, unindo os universos do café e design. Nascia o Design After Coffee, ou o que chamo também de “job coado na hora”. Precisava mirar o público certo. Já em território brasileiro, postei uma chamada em um grupo do Facebook, o Rede Dots, oferecendo uma vez por semana um bate-papo em cafeterias para ajudar empreendedores a criarem um bom design de logo e branding de marca para seus negócios. Foi o que bastou para conseguir agendar, durante três semanas, cerca de quatro encontros por dia. Os cafés foram escolhidos estrategicamente perto de casa, entre Jardins, Pinheiros e Vila Madalena.

Cada job coado, trabalhando junto com o cliente, trazia um novo conhecimento. Muitos, inclusive, tornaram-se meus amigos, como o fotógrafo João Quesado e o consultor Cesar Sanchez, que virou um irmão e parceiro de trabalho. Quando completei um ano nesse esquema, investi em um mini documentário para contar e mostrar o resultado deste conceito de trabalho. Desde então, tem sido o cartão de visita, muitas vezes decisivo, para o fechamento de um novo cliente.

Com todas as contas em dia e trabalhando bastante, de café em café, chegamos ao casamento, em maio de 2017. Fizemos todo o planejamento, ou melhor dizendo, 90% a Elo. Pensamos com carinho em cada detalhe e convidamos as 60 pessoas mais próximas, entre familiares e amigos. A música escolhida foi o mantra da nossa primeira noite juntos em Paris. E após uma tarde zen, não poderia faltar a salsa. Fomos para o Bourbon Street para fechar o dia com chave de ouro.

Em junho do ano passado, no dia 12, recebi um pequeno e especial presente de Dia dos Namorados: um exame positivo de gravidez. E, em fevereiro deste ano, nasceu de parto natural a nossa Ava. Após seus três meses de vida, saímos de São Paulo para começar uma nova vida na França, em uma pequena e charmosa cidade a 45 minutos de Paris, onde tem bastante verde, um rio próximo de casa e, claro, pequenas cafeterias para eu continuar o “job coado” de todos os dias.

 

Cris Duarte, 42, é designer gráfico freelancer. Especializado em criar logotipos, escolheu cafeterias como ambiente de trabalho, reinventando sua forma de atender. Mora na França com sua esposa e filha, atende remoto em seu ”coffice”, a três minutos de casa. 

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