“Vivo a ironia de estar preso no país da liberdade”

Leo Callegaro Giacomelli - 11 ago 2015Leo Callegaro Giacomelli: "Eu adotei os Estados Unidos como meu país. Mas os Estados Unidos não me adotaram na mesma medida".
Leo Callegaro Giacomelli: "Eu adotei os Estados Unidos como meu país. Mas os Estados Unidos não me adotaram na mesma medida".
Leo Callegaro Giacomelli - 11 ago 2015
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Por Leo Callegaro Giacomelli

 

No amanhecer do dia 15 de março de 2000 vi o sol nascer pela janela do avião que decolava do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, com destino a Miami, no Estados Unidos, imaginando quando teria a chance de assistir novamente a um raiar de sol no Brasil.

Depois de uma conexão em São Paulo e oito horas e meia de viagem, o mesmo sol estava se pondo quando aterrisamos em Miami. Para mim, naquele momento, o fato de ter visto o nascer do sol justamente quando partia, deixando para trás a minha vida no Brasil, e de ter encontrado o pôr do sol exatamente quando chegava, para uma vida gringa que tinha muitas interrogações e quase nenhuma certeza, foi um sinal positivo. Mais um dia se encerrava em minha vida. E amanhã seria outro dia.

Aprendi a valorizar esses dois momentos, o começo e o fim do dia, ainda na adolescência. E até hoje, sempre que tenho a chance de parar por alguns minutos e apreciar ou o nascente ou o poente, procuro fazê-lo. A aurora e o crepúsculo contêm uma simbologia bonita.

Naquele dia em que deixei o Brasil não imaginava que jamais voltaria. Ao contrário, pensava que em seis meses, ou no máximo uns dois anos, eu estaria de volta. E também não tinha a ideia da pedreira que encontraria em meu caminho.

A maioria das pessoas que pensa em deixar o Brasil já deve ter escutado e lido um bocado a respeito das dificuldades de viver em outro país. Eu também tinha feito a minha lição de casa – de certa forma, antecipei em 15 anos essa conversa de expatriação que voltou com força às conversas da classe média brasileira. Só que eu não parei na conversa – eu saí fora.

Tinha ouvido um bocado de coisas, naquele finalzinho dos anos 90, sobre a vida no exterior, e me julgava preparado para aventura. Mas vivenciar a experiência é sempre diferente de imaginá-la.

Não deixei o Brasil por um único motivo, mas por um conjunto deles. Em especial, destaco dois fatores: a vontade de viver em outro país, e conhecer outra cultura, e uma frustração muito grande com a situação que eu vivia na época, um sentimento de falta de perspectiva em relação ao futuro.

Eu tinha 29 anos, estava formado há quatro, em Psicologia, e ainda não tinha conseguido um emprego na área que havia escolhido para mim, Recursos Humanos, apesar de ter me graduado com uma média final excelente, feito mais de dois anos de estágios voluntários, além dos obrigatórios durante a faculdade, e no final, o que considero uma espécie de reconhecimento pelos colegas, ter sido escolhido como orador da turma.

Mais do que isso, percebia que era praticamente impossível conseguir fazer sobrar grana para investir em uma especialização, que considerava indispensável na época para finalmente entrar no mercado de trabalho.

Quando mudei para os Estados Unidos, o plano era desenvolver o inglês e trabalhar para poder pagar um mestrado, se possível aqui mesmo. A maioria dos brasileiros que conheci por aqui na chegada também admitiam planos de voltar. Só alguns poucos que já viviam há mais de uma década fora diziam estar felizes e considerar o Brasil apenas para passeio ou como uma lembrança.

Logo na chegada percebi que meus planos teriam que ser reorganizados. Como não tinha nenhum amigo morando por aqui, e nem mesmo um amigo do amigo, acabei sendo recebido no aeroporto pela amiga do amigo de uma ex-namorada. Meio distante tanto para ela quanto para mim, mas era quem estava disponível naquele momento. A ideia era ficar na casa dela por algumas semanas até arrumar um quarto para alugar, algo que é muito comum aqui em função do custo da moradia. Logo no segundo dia, por motivos que precisariam de vários minutos extras da sua atenção para serem detalhados, acabei tendo que mudar para o quartinho de um hotel barato na cidade de Pompano Beach, que fica 60 km ao norte de Miami.

Dois dias nos Estados Unidos e já caindo em roubada, pensei comigo. O inglês de livros e cursinhos, que eu achava que sabia, logo percebi que não serviria para quase nada. A gente chega aqui e pela forma como aprendemos inglês no Brasil temos a tendência de tentar traduzir as coisas. Isso acaba causando grande dificuldade na hora da comunicação, especialmente nos primeiros tempos. Escutamos o que as pessoas falam, tentamos traduzir para o português, daí pensamos em português e tentamos traduzir de volta para o inglês. Não dá certo. E a maioria das pessoas não tem paciência para ficar tentando entender o seu broken English. (Fica a dica: tente aprender a pensar na língua estrangeira, só assim você conseguirá falar de verdade outra língua.)

Em função dessa dificuldade inicial de imersão na nova cultura, é comum o expatriado lançar mão de um mecanismo de defesa para facilitar a sobrevivência – cercar-se dos iguais. O que é um erro. O sujeito atrasa ainda mais o aprendizado da nova língua e dos novos códigos culturais ao procurar gente que fala a sua língua materna e que tem as mesmas referências do país de origem.

Conheci pessoas que viviam aqui há vários anos e tinham ainda mais dificuldades com o inglês, e com a própria vida americana, do que eu que estava acabando de chegar. Aí o sujeito passa a viver num gueto e sublinha sua condição de estrangeiro que está ali sem muita intenção de integrar de verdade a sociedade local. Em vários estados americanos existem regiões nas quais as comunidades de imigrantes acabam se aglomerando, e Pompano Beach, onde eu estava, é um dos locais na Flórida conhecido como reduto de brasileiros.

Consequência: depois de três meses aqui, e mesmo frequentando escola pública para tentar desenvolver a língua, meu inglês ainda era fraco. No início, meu sentimento era muito parecido com o de um turista. Admirava a infraestrutura dos lugares, os jeitos diferentes de fazer as coisas, tentava entender o modo deles de pensar e de se movimentar, e tinha certa facilidade em achar tudo muito legal.

A Flórida é um estado voltado ao turismo, tem um clima agradável o ano inteiro. Mas quando surgiu a primeira oportunidade, não pensei duas vezes e mudei para Atlanta, no estado da Geórgia, 1 000 quilômetros ao norte, onde acabei vivendo por quase quatro anos. Apesar de agradável e bonita, percebia a região e o meio onde eu estava como sendo muito latinos para quem quer desenvolver o inglês e experienciar a cultura do país. Fui para a Geórgia principalmente buscando algo mais “americano” do que havia encontrado na Flórida.

Antes de completar um mês na Geórgia, estava com quatro empregos ao mesmo tempo. Para quem não conseguia achar um emprego no Brasil…

Era garçom das 7h às 14h, entregador de peças de carro das 14h30 às 18h, pizzaiolo das 18h30 até a meia-noite. Isso, de segunda a quinta. Nos finais de semana, era barman das 18h até às 3h. Tinha folga nos domingos à tarde, porque a companhia de peças de carro estava fechada, e dormia uma média de três horas por noite nos finais de semana e de cinco horas durante a semana.

Apesar disso, não perdia o bom humor. Quando o gerente da companhia de entregas ficou sabendo dos outros três empregos, e me perguntou quanto eu dormia, respondi que às vezes pegava um sinal vermelho enquanto estava entregando a mercadoria dele e aproveitava para tirar um cochilo. Não aguentei esse tranco por muito tempo e no final já estava parecendo um zumbi. Mas alguns meses foram suficientes para me organizar financeiramente. Além disso, por ter contato com poucos brasileiros ou latinos, meu inglês melhorou muito.

Assim que diminuí um pouco ritmo e começou a sobrar tempo para parar e pensar na vida, percebi uma coisa que até então nunca tinha me abalado nem aqui e nem no Brasil: a solidão. Sempre estive rodeado de amigos enquanto vivia no Brasil. Nunca tive dificuldade em me relacionar com os outros, de socializar. Dessa vez era diferente. Pelo pouco tempo disponível para a vida social, por não ter uma rede de relacionamentos, e por ser um imigrante em um país estranho, percebi que até tinha alguns conhecidos, mas nenhum amigo.

Lembrei de uma frase que havia escutado havia algum tempo e que eu só entendi naquele momento: “Os Estados Unidos são o lugar em que a gente chora e ninguém vê.” Chorei. A saudade da família bateu forte e a vontade de ir embora começou a apertar. Ao mesmo tempo, sabia que não podia desistir. Voltar para quê? Para o quê? Tinha abandonado tudo no Brasil.

Eu vendi meu carro, que era o único patrimônio que tinha conseguido adquirir antes de sair de lá, para ajudar com as despesas da viagem. E voltar naquele momento teria um gosto de derrota. Estaria, na melhor das hipóteses, voltando para a mesma situação da qual havia fugido alguns meses antes.

Algo me dizia que eu tinha que aguentar o tranco quieto, que tinha que seguir em frente. Quando falava com alguém no Brasil dizia sempre que estava tudo bem. Procurava pensar que era uma fase que iria passar e da qual eu sairia mais forte. E, de fato, passou. E realmente quando saí dela tinha a sensação de estar fortalecido, de que nada me derrubaria. E que, se eu caísse, não teria dificuldades para levantar de novo.

Foram tempos difíceis, mas que me ensinaram muito. Em seguida, arrumei uma namorada. Ela me ajudou a vencer a barreira da solidão e da saudade, e também, por ser americana, a adquirir fluência no inglês. Como na maioria dos relacionamentos, no início era tudo lindo. Mas em seguida apareceram as incompatibilidades. Em parte em função das diferenças culturais. Terminamos às vésperas do Natal de 2001. Saí de casa e acabei passando aquela virada de ano sozinho no quarto de um hotel no centro de Atlanta, com um frio animalesco lá fora e uma garrafa de Jack Daniel’s como companhia. Tentava convencer a mim mesmo que aquela era só mais uma noite como outra qualquer e que no dia seguinte a vida iria continuar.

Era difícil escapar ao pensamento de que, se estivesse no Brasil, provavelmente naquele momento estaria com uma turma de amigos celebrando a virada em alguma das praias de Santa Catarina, como já havia virado tradição quando ainda morava por lá. Naquele momento decidi que o Natal do ano seguinte eu passaria com a minha família no Brasil, e que passaria o réveillon com meus amigos. Se não pudesse voltar para os Estados Unidos depois, tentaria a vida noutro lugar, mas jamais passaria outro final de ano daquele jeito, com as luzes esponcando e você no escuro dentro de um quarto que nem sequer é o seu.

Apesar de meu visto ser válido por 10 anos, havia entrado aqui como turista inicialmente e recebido a permissão para permanecer por apenas 6 meses. Depois pedi alteração para um visto de estudante, considerando estender a estada no país e realizar um mestrado. Quando percebi que o preço da especialização era algo que eu ainda estava longe de conseguir pagar, e que meu período de permanência também estava chegando ao fim, havia a possibilidade de me casar – mas meu relacionamento com a namorada americana estava chegando ao fim. Me sentia num beco sem saída naquele momento.

Trabalhei pesado no ano seguinte. Fazia entregas de peças de carro durante o dia e decidi arrumar um segundo emprego à noite. Ralei o ano inteiro com essa meta clara em mente – rever minha gente no Brasil. No dia 25 de dezembro de 2002 fui recebido pela família no aeroporto, com muita alegria. Eu tinha presentes para todos. Foram quase dois meses de alegria e curtição. Férias merecidas depois de três anos sem folga e longe de todos.

Muitas histórias para contar, outras tantas para ouvir e uma chance de recarregar as baterias. Foi muito bom estar de volta, mas ao mesmo tempo eu sabia que estava ali a passeio. Tinha na cabeça a clareza que ainda não tinha o desejo de voltar a viver no Brasil, apesar de todas as dificuldades que havia encontrado fora.

Na volta para os Estados Unidos, sabia que estava correndo o risco de ser barrado na reentrada, mas estava preparado para correr esse risco. Se não desse certo, já tinha um plano B alinhavado, que considerava uma mudança para a Europa. Teria que começar tudo de novo por lá, mas os três anos de vida americana me faziam sentir que podia superar qualquer obstáculo que encontrasse pelo caminho.

Felizmente, não foi preciso. Passei despercebido pela imigração e alguns dias depois já estava de volta à rotina. Naquela época, trabalhava como prestador de serviços de entregas para uma empresa de Logística. Não era empregado, mas uma espécie de autônomo. Tinha aberto uma empresa em meu nome para poder prestar serviços.

Eu já trabalhava com aquela empresa há dois anos e tinha criado um relacionamento muito bom com o dono. Esperava por uma oportunidade de crescimento. Novamente, trabalhei duro, o ano inteiro, sem reclamar. De dia e de noite. Rodava uma média de 3 000 a 3 500 km por semana para dar conta do trabalho – sempre entregando peças de carro – mas estava feliz.

Leo, com Julie, em 2008 - o ano em que ele perdeu a casa, mas tinha sobre o sofá, ao seu lado, toda força de que precisava para continuar

Leo, com Julie, em 2008 – o ano em que ele perdeu a casa, mas tinha sobre o sofá, ao seu lado, toda força de que precisava para continuar

No final daquele ano, a recompensa veio. Depois de quatro anos de vida americana ralando como pintor, garçom, pizzaiolo, barman, entregador, cozinheiro, motorista, fora alguns outros bicos, finalmente recebia a proposta para assumir um cargo de gerência na compania de logística. Eu estava fluente em inglês e em espanhol e eles me convidaram para ser gerente no sul da Flórida, pois a compania estava expandindo os negócios na região e nenhum dos gerentes na Georgia dominava outro idioma além do inglês – ponto para a gente, que tem interesse em estudar outras línguas, pior para aqueles americanos, que se bastam na língua materna.

Eu teria voltar para a Flórida, mas dessa vez chegaria noutra situação. Sentia como se tivesse dado a volta por cima e vencido. Na época, estava apaixonado e vivendo já há alguns meses com uma namorada que também era brasileira e havia mudado para os Estados Unidos ainda na adolescência com a família. Não queria deixá-la, mas também sabia que não poderia deixar passar aquela oportunidade profissional que surgia.

Propus a ela que mudasse comigo. Dois meses depois estávamos morando em Ft. Lauderdale, 30 minutos ao norte de Miami. Os primeiros anos gerenciando a região também foram bem puxados. Tinha que viajar muito. Costas leste e oeste, e além da parte sul do estado às vezes ainda precisava auxiliar na região norte.

No decorrer daquele ano, 2004, trouxe meus pais pela primeira vez para conhecerem a terra do Tio Sam. Minha namorada já era minha noiva – e também a futura esposa com quem eu dividiria os 11 anos seguintes da minha vida. Além de ter a chance de matar um pouco da saudade, acho que meus pais perceberam alguns benefícios de viver aqui. Mas, sobretudo, acho que sacaram que eu estava bem e feliz naquela nova vida.

No ano seguinte minha esposa ficou grávida e no dia 13 de janeiro de 2006 nascia nossa filha Julie. Apesar da crise econômica que abalaria o país em seguida, e durante a qual tive que acabar me desfazendo do sonho da casa própria, a vida aqui continuava boa. Com o nascimento da minha filha e os negócios da companhia indo bem, achei que era hora de investir em um imóvel. A gente aprende muito cedo no Brasil que viver de aluguel é jogar dinheiro pela janela e que uma casa própria é um dos melhores investimentos que se pode fazer. Afinal de contas, todos temos que morar em algum lugar certo? Errado.

A crise financeira de 2008 me pegou de frente. Bem como a muitos americanos. Tive que rever conceitos e aprender um bocado sobre patrimônio, investimentos, liquidez etc. A verdade é que ninguém, ou quase ninguém, estava preparado para aquela quebradeira. Minha casa, que foi avaliada em mais de 300 mil dólares na hora da compra, estava valendo menos da metade alguns anos depois e acabou sendo vendida no que chamávamos na época de short sale por 100 mil. Os bancos não aceitavam renegociar as divídas pelos valores reais de mercado – queriam continuar cobrando pelo valor original dos imóveis, que já tinham evaporado. Então era possível alugar uma casa maior e melhor pagando menos da metade do que custava a mensalidade do financiamento da compra do imóvel. Dizia-se que o mercado imobiliário precisaria de no mínimo 15 anos para recuperar o que havia perdido. A gente achava um exagero. Mas era verdade. Hoje, quase 10 anos depois, os imóveis ainda valem muito menos do que valiam antes da bolha estourar.

A saudade da família e dos amigos sempre me acompanhou, mas com o tempo a gente aprende a conviver com ela. Eu tinha minha própria família e procurava cuidar dela da melhor forma possível. Tudo estava bem. A única coisa que ainda faltava, era o tão esperado green card. (Minha vida aqui não mudaria com ele, mas eu teria a garantia de poder entrar e sair do país sem preocupações, na condição de ser finalmente aceito como um residente permanente no país.) Apesar de aprender a conviver com a saudade, não ter a liberdade de poder rever meus pais, irmãos, familiares e amigos doi muito. Tenho quatro sobrinhos no Brasil e conheço pessoalmente apenas um deles, que nasceu enquanto eu ainda morava lá, 15 anos atrás.

No decorrer dos anos seguintes, dei início a um novo processo imigratório tentando mais uma vez resolver essa situação, ainda pendente. Sabia que o processo poderia levar vários anos, mas era a única opção para legalizar minha situação – eu trabalhava, pagava impostos, contribuía para a geração de riquezas no país, tinha filha americana e continuava sem ter todos os direitos que uma vida de trabalho correto e duro, que já ia para mais de uma década, deveria me dar.

Foram anos de expectativas frustradas e de ansiedade, entre idas e vindas a cortes de imigração. Até que, no final, por um problema no número de cotas de green cards estabelecido por uma legislação anacrônica, tivemos que entrar em fase de apelação – e assim o processo se arrasta até hoje.

Outro processo judicial abriu espaço em minha vida – o que culminou no divórcio com a mãe da minha filha. Uma separação amigável – mas muito dolorosa. Comparo, em nível de dificuldade, à dor da perda de um irmão, situação que vivi na adolescência. A vida me lembrava que ninguém é feliz para sempre. A vida é feita de altos e baixos. Passamos um período por cima, depois vem um novo mergulho no escuro. Não era o meu primeiro tombo e nem seria o último. Mas me recusava a ficar caído. Então só restava uma opção: levantar e seguir caminhando.

Vivo, nesse momento, a ironia de estar preso no país da liberdade. Na terra dos direitos individuais, não tenho direito de ir e vir. Tenho 44 anos e não posso visitar meus pais, que envelhecem no Brasil, por medo de não poder voltar para o meu trabalho, para a minha casa, para minha filha – uma cidadã americana que está perto de completar dez anos.

Tenho permissão para estar, trabalhar, produzir, viver aqui. Mas ainda não sou considerado um cidadão e nem mesmo um residente permanente, mesmo depois de 15 anos de trabalho duro e dedicação. Adotei os Estados Unidos como meu país, mas ele ainda não me adotou na mesma medida. É uma situação injusta, que incomoda muito e às vezes me faz sentir que a distância entre um sonho e um pesadelo pode ser bem menor do que muitos imaginam.

Algumas vezes já considerei largar tudo e fazer o caminho de Santiago, na Espanha, para ver se encontro algum sentido na vida. Em outras, imaginei também peregrinar até o Tibet, conhecer mais de perto a filosofia budista. São coisas que ainda não fiz e que provavelmente não farei enquanto tiver uma filha dependendo de mim. Divido a guarda da Julie com a Dani, mãe dela, e nos dias ou finais de semana que ela não está comigo sinto muita falta dos seus sorrisos. Ainda não consigo elaborar bem a ideia de me afastar dela por muito tempo. Mas acho que ainda vou visitar aqueles lugares. Em busca de mim mesmo.

Apesar de viver no berço do capitalismo e de ter “vencido na América”, não me considero um cara muito materialista. Claro que é bom ter uma vida confortável, tranquila, e poder oferecer esse conforto a sua família. Mas não vejo o acúmulo de bens materiais como um sinônimo de felicidade. Acho inclusive que pode ser exatamente o contrário. Quando o dinheiro começa a mandar na gente, nos tranformamos nas pessoas mais tristes do mundo.

Quero poder dar uma vida segura para minha filha, na qual ela tenha oportunidades. Mas espero que, quando essas portas aparecerem diante dela, ela tenha capacidade, determinação e dedicação suficientes para abri-las com seu próprio esforço.

Acho que, assim como o Brasil e qualquer outro lugar do mundo, os Estados Unidos também têm coisas boas e ruins. Feliz ou infelizmente, não sei, encontrei aqui oportunidades que não tive quando vivia no Brasil. A segurança, a tranquilidade e a qualidade de vida são inegáveis. Por outro lado, para aqueles que não sabem viver sós, para aqueles que não conseguem estar bem longe da família, dos amigos, do seu próprio passado, a experiência do desterro pode ser insuportável.

Hoje sou diretor na mesma empresa em que comecei como entregador de peças uma década e meia atrás. Algumas pessoas me veem hoje como um vencedor. Outras, como alguém que está no caminho para chegar lá. Outras, ainda, me enxergam como só mais um coitado lutando para manter a cabeça fora d’agua. Não me vejo como nada disso. Sou apenas um cara que tenta passar pela vida procurando aprender alguma coisa com ela. Desejo a você o mesmo – no Brasil ou fora dele.

 

Leo Callegaro Giacomelli, 44, é Diretor Operacional de Logística da Expedited Logistics, na Flórida, Estados Unidos.

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