Na era digital, estamos o tempo todo conectados. O que não significa que a gente saiba conversar, muito pelo contrário. Um dos problemas, aliás, pode ser justamente o fato de passarmos tantas horas com os olhos grudados no smartphone.
Um diálogo de qualidade, com a profundidade que um bom papo exige, não deveria ser um bicho de sete cabeças. Dar uma forcinha e ajudar as pessoas a conversar é a proposta do FikaConversas.
A iniciativa, de Tipiti Barros, 57, promove rodas de conversa (entre pessoas físicas ou colaboradores de empresas, por meio de bate-papos virtuais) a partir de palavras pinçadas dos debates contemporâneos e reunidas em caixetas, cada uma com dezenas de cartões que trazem termos e expressões, além de seus significados.
A ideia é inspirar conversas de qualidade sobre temas atuais. Entre as palavras e conceitos, há por exemplo ageless, burnout, mansplaining, transumanidade, viés de confirmação…
“Já realizei um encontro de aniversário para uma pessoa que fez 70 anos durante a pandemia. Ela juntou 80 convidados de diferentes idades e perfis. Foi maravilhoso, gerações Z, Y, X, baby boomers conversando sobre identidade de gênero, empoderamento feminino, empatia, vulnerabilidade, em um ambiente seguro, onde combinamos as regras da conversa”
A ideia é que as palavras sirvam de gancho para conversas lúdicas, em forma de roda; cada integrante escolhe uma expressão, lê o significado no verso e comenta (é quase como se fosse a nossa seção Verbete Draft em forma de jogo).
COM UMA FAMÍLIA GRANDE E FESTEIRA, ELA TRAZ COMUNICAÇÃO NO DNA
Ter crescido em uma casa com nove irmãos e pais festeiros, boêmios, foi fundamental para que a paulistana Tipiti exercitasse a veia lúdica e comunicativa desde cedo.
“Venho de uma família bastante numerosa que sempre gostou de jogos, brincadeiras, mímica, teatro. Hoje me dou conta de que isso me deu segurança pra fazer o Fika, em que preciso convencer as pessoas a entrarem no meu jogo.”
Ao longo dos anos, ela adquiriu uma bagagem bem diversificada. Formada em administração, chegou a trabalhar com eventos esportivos e montou uma loja de móveis reciclados – que não decolou porque “não dava grana”.
Até que Tipiti resolveu procurar emprego em uma empresa grande e entrou para a área de marketing e novos projetos da joalheria HStern, onde permaneceu por 20 anos, até se aposentar.
“Quando saí de lá, em 2017, pensei ‘e agora? Com 53 anos, não vou me recolocar no mercado corporativo, então o que eu vou fazer?!’”
O NEGÓCIO SURGIU DE UM INSIGHT: NINGUÉM É ENSINADO A DIALOGAR
Após uma busca por concentrar esforços em algo que tivesse de fato, sua marca, a “anfitriã de conversas” (como ela se considera) passou a fazer cursos para se reciclar, entre eles, Design Thinking e Art of Hosting.
Neste último – que desenvolve a capacidade de ser anfitriã –, Tipiti conheceu o conceito de Comunicação Não-Violenta.
“Descobri o potencial das boas conversas e juntei esta descoberta com o fato de que o mundo está mudando exponencialmente e que palavras são cápsulas do tempo — portanto, estamos mudando nosso vocabulário. Criei um jogo de ‘jogar conversa dentro’, em que todos saímos ganhando”
O insight veio a partir de uma constatação: não somos ensinados a dialogar.
“Nunca tive aula sobre como é que se conversa”, diz Tipiti. “Nossas conversas estão muito ruins de qualidade, tanto na forma quanto no conteúdo. A gente tem tanta troca a ser feita, mas fica ali no ‘raso’.”
Ou seja, o papo não se aprofunda, não vai além da superfície.
UMA LIÇÃO IMPORTANTE: ALINHAR EXPECTATIVA E REALIDADE
Tipiti diz que o nome fika é de origem sueca e significa algo como uma pausa para o café, em que se pode falar de tudo — menos do trabalho. Seria uma maneira, portanto, de “aquecer conexões” no ambiente corporativo. Mas como ela descobriu o termo?
“Estava com umas amigas e a gente achou em algum lugar um dicionário com palavras estrangeiras sem tradução [literal]. Costumo dizer que foi o universo que me mandou — mas que eu estava atenta para perceber.”
Juntando a descoberta com o propósito de um jogo que aprendeu no curso de Art of Hosting, em que o bate-papo é estimulado conforme as regras da Comunicação Não-Violenta, Tipiti investiu 70 mil reais e criou as caixetas.
Daí que veio outra lição: é preciso alinhar expectativa e realidade. Quando lançou a primeira caixeta, ela encomendou logo de cara 600 unidades, um número alto demais. Até hoje ela ainda tem algumas unidades daquela encomenda original.
“Hoje estou numa posição confortável, mas esse alinhamento entre expectativa e realidade é algo a ser administrado. Porque quando você acredita na sua ideia, você acha que todo mundo vai comprar… Mas o tempo das pessoas não é o seu tempo”
Cada kit do jogo custa 150 reais e tem identidade visual criada por uma designer parceira, Lia Barros. A pesquisa de palavras conta com o apoio da jornalista Roberta Rosetto.
ALÉM DO JOGO, ELA REALIZA BATE-PAPOS (HOJE VIRTUAIS) COM EMPRESAS
Outra fonte de receita é o formato de Conversa Circulante, voltado tanto a empresas quanto a pessoas físicas. O grupo é inicialmente dividido e depois todos se juntam para discutir sobre os pontos levantados entre as turmas.
Os encontros, para até 15 pessoas, têm 1 hora de duração e custam 2 500 reais; para grupos maiores, de até 100 pessoas, saem por 5 000 reais. Com a Covid-19, eles vêm sendo realizados pelo Zoom.
Tipiti costuma ser a anfitriã de rodas de conversa virtuais em empresas — e garante que elas em nada se parecem com aquelas dinâmicas de grupo típicas de processos seletivos.
Ninguém ali está sendo avaliado, esclarece a empreendedora. Na conversa, cargos precisam ser deixados momentaneamente de lado. “Para falar de coisas humanas, nós somos iguais nas nossas dores”, diz.
“O propósito do Fikaconversas é humanizar os ambientes corporativos. As empresas ganham a possibilidade de criar relações mais autênticas entre os colaboradores, abrindo espaço para que emerja a inteligência coletiva, fundamental para momentos de transformação e inovação”
As empresas, afirma Tipiti, se deram conta da falta que faz aqueles encontros fortuitos no café, no corredor — enfim, do convívio do dia a dia nas empresas.
“A ideia é proporcionar esse espaço de conversa não relacionado ao trabalho, para falar de como estamos nos sentindo, nossas descobertas, aprendizados e desafios em um mundo em transformação.”
Ela conta que já conduziu mais de 150 bate-papos, para companhias como Sodexo, Phisalia, Klabin e HStern.
O ZOOM AJUDA A FLEXIBILIZAR A HIERARQUIA (E A IMPULSIONAR O NEGÓCIO)
Em 2020, o faturamento foi de 150 mil reais. Desde o início da pandemia, diz a empreendedora, a FikaConversas cresceu 20%. Segundo Tipiti, um dos motivos foi que as relações ficaram mais horizontais.
“Não tem aquela hierarquia em que o chefe está lá sentado, na ponta de uma mesa enorme. [No Zoom] é todo mundo um quadradinho e você fica ali imaginando como é a casa da pessoa. De repente, aparece um cachorro, uma criança… A tecnologia, antes, era uma ferramenta; agora, é nosso ambiente.”
Tipiti diz que palavras e expressões que entraram em evidência ao longo do ano passado vão compor uma nova caixeta, a ser lançada em breve. Por enquanto, elas vêm embalando happy hours virtuais do Fika. Exemplos: racismo estrutural, masculinidade tóxica, ESG, distanciamento social e impermanência.
Esta última, aliás, parece resumir bem o ano que passou:
“A gente vinha sentindo que o mundo estava mudando, mas [em 2020] vivenciamos dez anos em um, e estamos na própria transformação. Para mim, é um mundo fascinante, com suas dores inclusive.”
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