Ter filhos é uma questão que envolve muitos aspectos. Destaco aqui dois deles – um particular, outro universal.
No plano pessoal, temos filhos porque esse é um jeito de nos perpetuarmos no tempo. De gerarmos um legado que nos permita, de alguma forma, continuar por aqui depois que formos embora.
Os filhos são uma arma, ainda que de alcance limitado, na luta vã que travamos contra nossa própria finitude
E o resto são as alegrias (muitas) e as dores (algumas), os erros (vários) e as recompensas (grandes) de pôr alguém no mundo, de ter que se reinventar como pessoa, de ter que deixar de ser o centro ensimesmado da sua própria existência… E de assumir a tremenda responsabilidade de preparar outro indivíduo para a vida.
No plano coletivo, temos filhos porque somos meros espécimes a serviço da perpetuação da espécie. Do ponto de vista evolutivo, você só existe para passar adiante, aos seus filhos, os genes que recebeu de seus pais — e assim perpetuar a vida, e em particular a existência da sua espécie, sobre o planeta.
Ou seja: somos irrisórios, invisíveis a olho nu, insignificantes como seres isolados. E temos somente um propósito na vida: repassar a vida à próxima geração.
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Do ponto de vista pessoal, ter ou não ter filhos é uma decisão de foro íntimo, cada vez mais bem aceita.
Metade das minhas amigas (e amigos), por exemplo, optou por não reproduzir. Essa possibilidade é libertadora em termos individuais.
Se quiséssemos estabilizar a população do planeta nos níveis atuais – 7,9 bilhões de pessoas – cada casal, na média, deveria ter dois filhos. Se, na média, cada casal tiver apenas um filho, estima-se que em pouco mais de 30 gerações (em torno de 800 anos) a humanidade esteja à beira da extinção.
Se todo casal, a partir de agora, decidir não ter filhos, a espécie humana acaba quando todos os que estão vivos hoje morrerem – ou seja, em 100 anos estaríamos devolvendo o planeta às formigas e aos passarinhos.
Isso quer dizer que, do ponto de vista coletivo, em algum momento, teremos que combinar o jogo entre o desejo e o direito à autodeterminação individuais e a premência da nossa própria sobrevivência como espécie
Parece egoísmo ou inconsequência ter mais de dois filhos. E parece suicídio coletivo deixar de ter filhos.
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E como medir, desde um ponto de vista evolucionista, se você é um bom pai ou uma boa mãe?
As motivações que levam alguém a optar pela paternidade ou pela maternidade nos oferecem uma régua.
No aspecto pessoal, se ter filhos significa gerar um legado, eu lhe pergunto: qual é a herança que você está deixando para seus rebentos? Quais são os valores, as atitudes, a ética que você passou a eles – com palavras, e, muito mais, por meio de gestos, exemplos e ações concretas?
Como seus filhos estão lhe representando? Você tem orgulho de como agem, de como pensam, do que dizem? Como você imagina que eles lhe representarão daqui a uns anos, quando você não estiver mais presente?
Claro que nenhum pai ou mãe pode ser imputado por quem seus filhos são ou deixam de ser, ou pelo que fazem ou deixam de fazer. Mas você sempre terá alguma responsabilidade pela construção de suas personalidades, de seus caráteres, de sua atuação como indivíduos, no trabalho, em família, junto aos amigos, em sociedade.
Olhe para seus filhos, por um momento, com o distanciamento que lhe for possível. Como se você não fosse o pai ou a mãe que o gerou. Você vê egoísmo ou altruísmo? Você vê um coração aberto e quente ou um olhar duro e frio?
Você vê solidariedade ou indiferença? Vê alguém disposto a empurrar para cima ou alguém sempre pronto a jogar para baixo? Alguém justo e consciencioso ou alguém que só quer garantir o seu?
Não precisa responder em voz alta. Apenas ouça a si mesmo.
Não precisa revelar suas respostas a ninguém. Apenas tome conhecimento delas.
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No aspecto coletivo, se ter filhos significa dar sua contribuição à sobrevivência da espécie, vale um tipo muito análogo de perguntas para entender se você tem cumprido bem seu papel como pai ou como mãe.
Seus filhos operam pelo bem de todos os demais seres humanos ou só se importam com o próprio umbigo? Eles acolhem bem as diferenças ou tomam os dessemelhantes como inimigos? E você, como age em relação a isso?
Eles respeitam e preservam outras espécies, coexistem com outras formas de vida? Ou são matadores, praticantes (e torcedores apaixonados) da morte alheia – de gente, animais, ecossistemas inteiros? E você, o que pensa disso?
Você formou cidadãos, gente capaz de dar sua contribuição para o bem-estar de todos? Ou produziu hedonistas que colocam sua satisfação acima de todas as coisas?
Você educou construtores, gente que pensa no longo prazo e que vai entregar lá na frente uma realidade melhor do que a que recebeu? Ou seus rebentos consomem todos os recursos ao redor, com foco exclusivo no curto prazo, de modo inconsequente, como se não houvesse amanhã?
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Seu sucesso como progenitor ou progenitora não será medido por ter filhos bonitos ou bem desenvolvidos fisicamente. Nem por ter filhos formados e empregados, nem pelo que eles lograrem vestir ou dirigir, nem pelo lugar onde eles vão morar ou tirar férias.
Você será medido pelo tanto que eles atuarem como criadores ou destruidores.
E pelo tanto que você for corresponsável, de modo direto, em seus atos de edificação ou de demolição.
Adriano Silva é fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft, Founder do Draft Inc. e Chief Creative Officer (CCO) do Draft Canada. É autor de nove livros, entre eles a série O Executivo Sincero, Treze Meses Dentro da TV e A República dos Editores.
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