A moda sustentável passou do discurso à prática há muito tempo: fios orgânicos, pigmentos naturais, reaproveitamento de retalhos. Reciclar roupas, contudo, continua sendo um desafio e tanto – em geral, o processo é tão custoso quanto começar uma peça do zero.
Uma marca gaúcha de sapatos – a Insecta Shoes – nasceu diante dessa missão. E em menos de dois anos no mercado já escreve uma bela página no movimento ecofashion nacional, com modelos feitos a partir de peças de brechó e sem matéria-prima animal.
“O produto mais verde é aquele que já existe, porque não depende de novos recursos naturais para ser feito”, já dizia John Donahoe, CEO do eBay. Por aí se entende a filosofia da Insecta, ancorada em conceitos como reaproveitamento, customização e upcycling.
Upcycling é uma tendência na indústria do design que aposta no reuso criativo. Como sugere a expressão, trata-se de uma reciclagem com um “up”, que evita “matar” a matéria-prima original ao renascer como produto. Ou seja, a peça já nasce com uma história para contar.
No caso da Insecta, um encontro de interesses comuns traçou as primeiras linhas da história. A profissional de marketing Bárbara Mattivy tinha um brechó online, o Urban Vintagers, e a designer de moda Pamella Magpali tocava a MAG-P Shoes, uma marca de sapatos artesanais que empregava o excesso de couro da indústria calçadista.
Quem frequenta brechós sabe o drama que é encontrar peças bacanas, mas de modelagem defasada. O brechó de Bárbara tinha na gaveta umas roupas vintage com estampas legais, mas em tamanho XXL e que acabaram ficando sem ajuste. Pamella sugeriu usá-las para fazer sapatos e o resultado foi ótimo: 20 pares lindões que venderam como água.
O COMEÇO DE UMA METAMORFOSE AMBULANTE
Decididas a transformar a parceria em sociedade, Pam e Babi buscavam um nome universal, que remetesse à natureza. Nessa busca, descobriram uma paixão comum: ambas passavam horas pesquisando insetos exóticos no Pinterest, Babi tinha colares de âmbar com esses bichinhos, Pam colecionava besouros secos. Daí surgiu o nome da marca – e também dos gêneros de insetos que batizam cada modelo.
Além de unir o trabalho com excedentes da indústria de Pamella e a preocupação com o pós-consumo de Bárbara, a Insecta também coloca em prática outro interesse compartilhado pelas sócias, que são vegetarianas. A proposta da marca é produzir um sapato vegano: sem produtos de origem animal. Os solados, por exemplo, são feitos de borracha triturada reciclada. (Lembrando que o veganismo não é sinônimo de dieta alimentar, e está mais para um estilo de vida, uma filosofia.)
O processo de produção da Insecta inclui, claro, sessões de garimpo em brechós e thrift stores, que podem ser em Porto Alegre, Campo Grande (cidade em que Pam se formou designer), São Paulo e também lá fora. Estampas retrô e exóticas são descosturadas para formar o cabedal (parte superior da peça) de botinhas, oxfords e sandálias unissex. O acabamento é cuidadoso: um tecido mais grosso reveste a estampa e muita espuma forra o calcanhar e a palmilha.
As criações da Insecta são vendidas online e em ao menos cinco lojas (três em Porto Alegre, uma no Rio e uma em Araraquara). São oxfords, cutout oxfords, chelsea boots, desert boots e sandálias, numa média de preço de R$ 160 a R$ 260.
E se uma estilosa calça de chef de cozinha cheia de estampas de legumes e frutas rende, por exemplo, cinco sapatos, os modelos serão 100% únicos, porque a Insecta muda a cor da sola, do forro, do cadarço. A exclusividade gera um novo desafio: conter a frustração de fãs da marca que às vezes não encontram a estampa desejada no seu número…
DE LARVA A BORBOLETA: A CHEGADA DE UMA NOVA PARCEIRA
As sócias já contavam uma boa bagagem – Bárbara, 30 anos, fez pós em comunicação de moda em Milão, estagiou na models.com em Nova York e trabalhou na Amelia’s Magazine e na rádio da Diesel em Londres; Pamella, 26, já tinha rodado oito anos por diferentes polos calçadistas, como Franca (SP) e Novo Hamburgo (RS). Faltava, porém, completar a metamorfose da Insecta com uma nova sócia. Publicitária com especialização em design de moda, Laura Madalosso, 29, chegou no final de 2014 para assumir as áreas de pesquisa e branding da empresa. Ela, que trabalhava no departamento de criação da Renner, fala sobre ir para a Insecta:
“Para mim foi uma guinada na vida, sair de uma empresa grande para estruturar algo novo. Hoje a felicidade é lei na minha vida”
Hoje a marca voa na velocidade de uma mariposa da família Esfingidae, o inseto mais rápido do mundo. Soma mais de 100 mil fãs no Facebook, número para empresa grande nenhuma botar defeito, e abriu, no mês passado, a primeira loja física em Porto Alegre, um espaço bacana e cheio de referências vintage na música, no mobiliário e na decoração. Pela frente, planos de lojas pop up pelo Brasil, parcerias e novas ações.
Para as “besouras” da Insecta, vale a pena o esforço de criar produtos mais verdadeiros em seus valores e conscientes do seu impacto, deixando uma pequena marca que seja na busca por um mundo mais bacana e sustentável. “Damos um passo a mais a cada dia, e trabalhando com amor é quase impossível não ser feliz com o que fazemos”, resume Bárbara.