Uma rede social que integra tudo o que há de novo no estado da arte da tecnologia: blockchain, NFT, criptomoedas, inteligência artificial, Web3. Parece uma ideia ambiciosa do Vale do Silício, mas se trata de uma plataforma 100% brasileira.
Criada pelo empreendedor paulistano Fabiano Miranda, a SoulPrime teve seu pré-lançamento em julho. De lá para cá, atraiu 12 mil usuários com a proposta de colocá-los no controle de seus próprios feeds – e pagá-los por isso. Segundo Fabiano:
“Uma das propostas da SoulPrime é deixar seus dados pessoais escritos numa blockchain. Com isso, eles estarão lá, serão seus, ninguém conseguirá acessá-los. Mas quando você decidir compartilhar esses dados, você é pago por isso”
O fundador é novo no mundo das startups de tecnologia: quando começou a empreender, em 1999, esse modelo de negócios nem existia ainda. Na época, recém-formado em química, Fabiano fez um empréstimo com tio e primos e abriu uma pequena fábrica de produtos ópticos. Em quatro anos, o negócio tracionou e, segundo ele, se tornou uma das maiores distribuidoras do Brasil no segmento.
A tecnologia enquanto oportunidade de negócio entrou na vida de Fabiano a partir de um movimento de sua esposa. Em 2018, ela investiu 2 mil reais em bitcoins, que em pouco tempo se tornaram 30 mil. Surpreso, o marido decidiu olhar mais a fundo para aquele “tal de blockchain” que está por trás da criptomoeda.
“Comecei a estudar os fundamentos. Aprendi programação, fiz um MBA para aprender o desenvolvimento de blockchains e aumentei meu conhecimento tecnológico”, diz. “O plano de montar uma empresa para esse segmento veio quando a pandemia fechou minhas lojas e fábricas. Aí tive tempo para estudar e buscar mais conhecimento.”
A SoulPrime nasceu durante o MBA na Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP), que oferecia um programa para incentivar que projetos de TCC se tornassem startups. Inspirado no documentário O Dilema das Redes, Fabiano decidiu criar uma rede social descentralizada, que proporcionasse ao usuário o total controle de seus dados e do conteúdo recebido.
A seguir, o empreendedor explica como funciona a plataforma – e como pretende chegar a 1 milhão de usuários em 2024:
Qual a diferença de uma rede social Web3 para uma rede social comum?
No começo, tivemos a Web1, quando a internet começou a ser usada por todos a partir de 1994. Era baseada em consumo de conteúdo. Você não participava. Os sites eram extremamente estáticos, a gente apenas lia.
A Web2 é o que a gente vive hoje. A gente consome e produz o conteúdo, especialmente com o lançamento das redes sociais em 2004, quando veio o Orkut para o Brasil e quando surgiu o Facebook. A gente vive a internet, lê e ainda cria o nosso conteúdo, nas redes sociais, no YouTube, enfim.
A Web3 tem um monte de vertentes. Mas o que é mais evidente é que você é o dono dos seus dados. Ela prega isso. Se você produzir conteúdo, nada mais justo que você ser monetizado por isso
Então, você não compartilha os seus dados de graça. Hoje nós somos produtos. Se você usa uma rede social de graça, o dono da rede social está ganhando, e quem está te vendendo um produto, também. Você não ganha nada, você consome. Nós somos o produto que eles vão manipulando.
E sob esse conceito, como funciona a SoulPrime?
A ideia da SoulPrime é justamente criar algo na Web3 onde você é dono dos seus conteúdos, com a diferença de poder usar uma tecnologia em blockchain.
Quando você faz o onboarding na SoulPrime, escolhe se quer ser impactado por saúde e finanças, por exemplo. Então a gente direciona os anunciantes de saúde e finanças, coloca eles junto e eles te mandam essa propaganda que você já escolheu receber.
Outra diferença: você não é impactado no seu feed. A propaganda na SoulPrime tem um campo específico onde você clica a hora que quiser para assistir. A gente te dá mais liberdade para você assistir quando e o que você quer.
E quando assiste, a gente divide a receita do anunciante com você. Comprando o produto ou não, você vai receber uma parte dessa receita
E se não quiser ganhar nada e só fazer amigos, sem problema. Você coloca no seu onboarding que não quer receber e terá a sua rede social para fazer amigos, conversar, postar fotos e vídeos.
Há outros diferenciais?
A gente traz também uma parte de blockchain que é o marketplace de NFTs. Você vai poder criar suas NFTs dentro da SoulPrime e vender. Se tirou uma foto de uma paisagem legal, poderá colocar à venda com o preço que quiser. A gente não interfere nisso.
Também temos uma parte de inteligência artificial. A gente fez uma parceria com a AWS [Amazon Web Services] e eles vão fornecer para a gente uma assistente de voz igual à Alexa, e uma ferramenta para geração de imagens e textos.
A SoulPrime também traz a sua identidade realmente verificada e criada em blockchain. Você paga uma vez só, 5 dólares, e é igualzinho ao RG. Então a gente acaba com conteúdo de perfis fakes
Temos também o Learn to Earn, o “Aprenda e Ganhe”. Você pode usar a SoulPrime, curtir e descobrir sobre um novo produto, um novo conteúdo, e ganhar por isso. Nada mais é do que uma gamificação de anunciantes que querem te ensinar sobre o produto.
A gente vem com essa proposta de ser realmente uma rede diferente, de ser uma rede pensada para o usuário, para o criador de conteúdo.
Recentemente, a Meta anunciou que suspendeu o desenvolvimento do seu metaverso, o ChatGPT roubou a cena no mercado de tecnologia e as criptomoedas perderam força. Como fica a situação da Web3 em meio a essas crises?
Eu vejo que esse é o nosso futuro. Não enxergo mais o ser humano sem utilizar tecnologia, por exemplo, blockchain, pagamentos com meio eletrônico, com criptomoeda.
Até o nosso Banco Central e todas as economias do mundo estão partindo para a economia digital. Não vejo mais a gente trabalhando com dinheiro físico nos próximos cinco anos. Então acho que esse é um mercado que só cresce.
Obviamente, existem os hypes: em 2021 foi o NFT, em 2022, o metaverso… e neste ano estão falando de IA. Nem tudo o que sai da blockchain vai ter funcionalidade
Se você me perguntar se eu acredito no metaverso, diria que hoje, não. O metaverso foi um termo cunhado que a Meta foi no embalo, mas é algo que vai levar alguns anos ainda para se desenvolver por falta de tecnologia. Não é que não vai acontecer.
Agora, a tecnologia blockchain em si e os criptoativos – isso não tem mais volta. A nossa economia vai ser digital. Por isso, em um projeto como a SoulPrime, eu apresento uma moeda que gira dentro de uma economia própria.
Tenho um usuário dentro da plataforma, tenho anunciantes que pagam, e a pessoa recebe uma criptomoeda que pode ser sacada em real, enviada direto para a conta bancária; ou a pessoa pode usá-la dentro da própria plataforma, comprando NFTs, negociando qualquer coisa que ela queira ali dentro – eu achei um caso de uso
Um dos nossos principais parceiros aqui no Brasil é o Mercado Bitcoin, a maior exchange de criptomoedas da América Latina. Eles têm uma moeda que se chama MBRL, que é pareada no real. É uma stable coin, que não oscila.
Quando vimos que o Mercado Bitcoin criou essa moeda, entramos em contato e apresentamos nosso projeto. Eles abraçaram a nossa proposta e falaram: “Vocês têm um caso de uso real de uma moeda nacional, e têm uma coisa que ninguém tem que é uma social-fi, uma rede social com finanças”.
Fomos caminhando juntos e hoje somos um case de uso real do MBRL. A gente paga os nossos usuários e criadores de conteúdo com ela, que nada mais é que o real.
Por que um usuário já acostumado com as redes tradicionais migraria para a SoulPrime?
Essa é a pergunta de um milhão. Sempre me fazem. Quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha? Eu trago o usuário ou o anunciante?
O Brasil é extremamente favorável para redes sociais. O povo aqui gosta de uma rede social, tendo em vista que a gente foi o país que mais tinha usuários do Orkut em 2004, e o site nem era brasileiro.
A gente imagina que quando se oferece algo diferente, é para onde o pessoal vai. Temos exemplos que aconteceram esse ano, inclusive, de uma rede social da Índia, a Koo. Eles conseguiram 2 milhões de usuários brasileiros em dois dias. O negócio é surreal. Ela era um pouco diferente do Twitter – e nada conectada com a Web3.
Então, quando te trago para um ambiente mais tecnológico, te apresento uma disrupção com a blockchain, consigo te colocar num mundo diferente do que você vive hoje e ainda pago pelo seu conteúdo… Acreditamos que é isso que vai trazer o usuário para dentro
Ninguém vai ficar rico com a SoulPrime. A pessoa vai ter um “a mais” ali. Perceber que você está sendo valorizado pela rede social e pelas marcas ajuda a mudar um pouco o mindset. Mas a gente tem um caminho árduo pela frente.
Quando tivemos a ideia da SoulPrime, há um ano e oito meses, todo mundo me perguntou isso e eu respondia que é o mesmo problema que o Nubank, a Netflix, o Uber e o Airbnb tiveram: montar uma startup para concorrer com gigantes. E hoje esses nomes são referências no mercado. Com a SoulPrime, acredito que vai acontecer a mesma coisa.
A gente dá algo diferente, mas é óbvio que precisamos ter pessoas na plataforma. Os nossos números hoje são muito bons, porque a gente é uma startup, não investimos em marketing. E já temos mais de 12 mil usuários lá dentro trabalhando e interagindo
Acreditamos que agora, com as novas features e o investimento em marketing, teremos um crescimento muito rápido. Mas sabemos das dificuldades. Até por isso, não surgiu nada até hoje que concorra com Instagram, por exemplo.
E do ponto de vista de negócio, por que faz sentido investir nisso?
Diferente das outras redes sociais que têm somente uma fonte de renda – basicamente, 90% da receita em propagandas –, a gente não depende de anúncios.
Temos essa receita [dos anunciantes], mas temos também a da identidade digital, a do marketplace de NFTs e a receita da nossa moeda: quatro fontes de receita. A SoulPrime acaba ficando com cerca de 20% da receita de todo nosso ecossistema. O resto é dividido para alimentar o sistema, quem está na plataforma.
O que mais está chamando a atenção dos investidores são todas essas fontes de receita, que fazem sentido dentro da Web3.
A SoulPrime não é a única rede social Web3. Como ela se compara a outras redes no mercado, como Mastodon e Steemit?
A gente brinca que somos uma Web2.5. Quando fomos montar a empresa, pesquisei pelo menos 90% das redes sociais de dentro de blockchain. Todas têm um ponto focal que é a Web3.
Já a SoulPrime olha para a massa da Web2. Porque quando olho só para Web3, tenho um público totalmente restrito, mais ou menos 2% da população mundial, que é quem consome cripto, blockchain. E essas pessoas já estão nessas [outras] redes
Quando olho para a massa que não conhece isso, enxergo a solução da SoulPrime, que é evangelizar quem é Web2 na Web3 de uma maneira simples. Porque essas outras redes sociais não pensam na experiência do usuário. Elas se restringem ao “conecte sua carteira, crie sua frase de segurança”. Quando falo para uma pessoa que nunca ouviu falar disso, ela não vai entrar na rede social.
Por isso, o nosso benchmark é o Instagram, porque todo mundo conhece e tem uma maneira fácil de usar. Quando aplico essa mentalidade na SoulPrime, consigo trazer esse usuário, que é o que interessa pra gente e para os anunciantes.
De uma maneira simples, a nossa missão é ensinar a fazer essa transição. A gente fala que é a ponte entre a Web2 e a Web3.
Redes sociais como Instagram, Facebook, TikTok e Twitter são alvo de muitas críticas e preocupações, desde seu uso para disseminação de informações falsas até a influência delas na saúde mental de crianças e adolescentes. Tais riscos também existem em uma rede social Web3?
Tem que separar o joio do trigo. Vamos por partes. Fake news: o que a gente consegue resolver dentro da SoulPrime é ter uma identidade digital verificada em blockchain. Então você é você. Caso você saia da lei, a gente sempre vai seguir a lei do país em que estivermos.
É uma rede social descentralizada, mas não é terra de ninguém. Temos regras, temos filtros para determinados tipos de conteúdo: pornografia, morte – você nem consegue subir isso [na SoulPrime]
“Ah, eu postei alguma coisa que é fake news”. Tudo bem, a gente não consegue excluir a sua conta porque ela é sua. Brincamos que a SoulPrime é a estrada e o usuário, o carro. A gente empresta a estrada para você usar, só que você vai responder por isso. Não achamos certo punir as redes sociais, então vamos sempre andar dentro da lei – e o usuário é responsável por qualquer coisa que faça.
Com relação à exposição e ao tempo de uso das redes sociais, que podem ser prejudiciais para a saúde, também concordo. Tudo em excesso faz mal. Tem que ter moderação. E eu estou falando isso até por ser pai.
A SoulPrime é para 14 anos ou mais. Nosso aplicativo aparece acima de 17, mas é para 14. Só que acho que isso vai de cada um; a gente não consegue ter o controle de tempo. Até temos alguns filtros que a pessoa pode configurar para usar por um determinado tempo, mas ela [própria] é que tem que configurar.
Muito se fala atualmente que as redes sociais têm algoritmos que priorizam um determinado tipo de conteúdo. Que preocupações vocês tiveram no desenvolvimento do algoritmo?
O algoritmo é o santo graal das redes sociais. Você nunca vai ter acesso ao algoritmo do Instagram ou do TikTok. Já o nosso é extremamente transparente. Ele está em evolução constante, mas é extremamente transparente, porque eu te entrego o que você quer.
O nosso algoritmo simplesmente pega os seus gostos, os anunciantes que querem você, e a gente conecta. Se você falar que não quer mais receber, pode cortar na hora. E a gente tenta melhorar isso a cada momento.
Uma das ferramentas que a gente está tentando colocar agora é [personalização] por foto. Se você estiver postando muita coisa de praia, a gente consegue te mandar uma solicitação para ver se você quer receber conteúdo de chinelos, por exemplo
É um desenvolvimento constante. E agora que estamos dentro do negócio, sabemos como funcionam os das outras redes sociais, realmente é desesperador. Mas o nosso é um algoritmo bem simples. Ele realmente vai fazer esse match para você só ser impactado com o que você quer – e receber por isso.
A impressão que fica é que a SoulPrime é uma grande plataforma de marketing e negócios para consumir anúncios e ser pago por isso. Como fica a parte social da rede?
Ela é totalmente social. Se você não quer ver nada, poderá ficar lá só para fazer amigos. O algoritmo que gera receita e o algoritmo de quem você pode seguir e ser seguido são diferentes. E a gente constrói isso de acordo com as suas preferências.
Um amigo seu postou um conteúdo: sempre vamos direcioná-lo para você. E conteúdos de pessoas próximas, como sugestão – caso você aceite a geolocalização.
Mas a parte de anunciantes, é sempre o que você escolheu. Caso não queira, você vai ter uma rede social para ser amigo das pessoas.
As redes sociais mudaram a forma como interagimos uns com os outros. De que maneira as redes sociais Web3 podem mudar a forma como usamos as redes sociais e, consequentemente, interagimos?
Eu acho que o que vai mudar na rede Web3 é esse poder que a gente dá para vocês. O que iremos fazer com certeza, que eu acho que vai trazer um grande ganho para todos, é a parte do ensinamento coletivo e democrático.
Somos extremamente democráticos dentro da SoulPrime. Para você ser um criador de conteúdo, hoje, numa rede social grande, precisa ter acima de 100 mil seguidores. Na SoulPrime, basta ter um seguidor. E você vai ser monetizado
Então, acho que a gente consegue trazer essa parte social do ensinamento, de poder proporcionar algo diferente que as outras redes não proporcionam, além do [aspecto] financeiro, claro. Vamos conseguir educar de uma maneira diferente. Esse é o nosso propósito.
Como você enxerga o papel da tecnologia e das redes na sociedade atualmente?
Hoje, não vivemos sem. Falo isso até porque foram criadas profissões por causa das redes sociais: o criador de conteúdo, o gestor de tráfego, agências especializadas….
O que eu vejo no futuro são todas essas redes migrando para a Web3. Dando mais valor para o usuário, que é quem faz elas terem audiência, ganharem dinheiro
E também não vejo a SoulPrime como a rede que vai acabar com o Instagram, a gente nem tem essa pretensão. Somos uma alternativa para quem está cansado de compartilhar conteúdo e ter a vida exposta de graça dentro das outras redes sociais.
Qual a sua visão a longo prazo para a empresa?
O pré-lançamento foi em julho. A gente ainda está corrigindo os bugs e deixando o aplicativo cada vez melhor. Nosso plano é ano que vem estar com uma base de 1 milhão de usuários e trazendo novidades.
Estamos estreitando parcerias. Mercado Bitcoin, AWS, que são parceiros que olharam para a gente de uma maneira diferente. A Fireblocks, que é a gestora de ativos digitais do Nubank, por exemplo, também é nossa gestora.
Isso para nós foi motivo de orgulho, porque são empresas grandes que olharam para uma startup brasileira que está começando e viram potencial
Queremos estar entre as top 10 redes sociais no mundo apresentando essa parte de Web3, Web2.5. E acredito que, num futuro próximo, se não copiarem a gente, possivelmente vão tentar comprar. Caso não aconteça, vamos evoluir sempre.
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