“Você quer a versão CEO-publicitário-ator-bem-sucedido ou a verdade?”

Álvaro Real - 17 jun 2016Álvaro Real conta a verdade, sem máscaras, do que é mudar de carreira para tentar ser feliz.
Álvaro Real conta a verdade, sem máscaras, do que é mudar de carreira para tentar ser feliz.
Álvaro Real - 17 jun 2016
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por Álvaro Real

Há algumas semanas, tenho encontrado com certa frequência amigos para um bate-papo-café-aquela-ajuda. Meu convite sempre vem acompanhado de uma promessa de calmaria, algo como “juro que está acabando”. A verdade é que não sabemos se realmente está, mas me apego à ideia que sim. Alguns desses amigos compartilham intimamente minha vida, outros de uma forma mais distante, porém não menos importante.

Na mesma frequência dos cafés, as conversas têm começado com a pergunta: “E aí, como está? Um sucesso, não?! Tenho acompanhado as notícias na mídia e as redes sociais…” E minha resposta, automaticamente, também surge num certo padrão. “Você quer a versão CEO-publicitário-ator-inovador-bem-sucedido ou a verdade?”. Bem, eu costumo acreditar que a segunda é, digamos, mais honesta e transformadora. Então, aqui vamos nós, sem máscaras. Nunca sonhei, tampouco planejei, ser empreendedor.

Quando decidi abrir mão da carreira de publicitário para realizar o sonho de ser ator, não imaginava as dificuldades que encontraria

Felizmente, com dedicação e trabalho duro (acredito que essa seja a única fórmula), meus 14 anos na profissão foram regados de grandes multinacionais, agências criativas e altos cargos. Projetos inovadores, pessoas geniais e lições que mal entendo como absorvi em tão pouco tempo. Passei alguns anos trabalhando em marketing e trade, outros em branding e planejamento, além dos vários períodos na direção de grandes clientes.

A rotina de publicitário me engoliu e os anos voaram, na mesma velocidade do aprendizado. Quando acordei, aos quase 30 anos, notei que nada daquilo conversava mais comigo. Então, as coisas começaram a mudar.

Primeiramente, cogitar a possibilidade de largar uma carreira bem-sucedida para se permitir um sonho de infância, beira o enlouquecedor. São noites sem dormir e várias sessões de terapia. Conversas longas com a família, com os amigos e também com nós mesmos. Uma montanha russa, das mais intensas, ilustraria bem o processo. É uma mistura de empolgação, certeza, receio, questionamentos. Mas sem dramas, eu sabia desde o primeiro momento que nada me impediria.

Em 2010, após uma viagem a Nova York, o processo se acelerou. Respirar a Times Square, os grandes teatros e a metrópole das luzes me deu a certeza de que era isso que eu queria para mim. Uma outra vida. Por um ano, planejei os próximos passos. Teria que vender o apartamento para financiar os estudos, pedir demissão, assumir um ou outro trabalho freelancer eventualmente. Ok, tudo certo!

Vida nova, aí vamos nós! Àquela altura, eu tinha certeza de que bastaria seguir a mesma fórmula para colecionar diversos “sims” novamente

Chegamos a março de 2011. Aqui, faço o resumo de cinco anos num parágrafo. Iniciei meus estudos em teatro musical, com aulas seis vezes por semana. Aulas e mais aulas. Aprender a interpretar, cantar e dançar. Nesse contexto, recomeçar aos 27 anos de fato não ajudava muito. Mas, novamente, sem dramas: para mim, passar por isso era sempre um enorme prazer (adicionado de uma ou outra dor muscular, uma ou outra crise de “não vou conseguir”). Elogios, dificuldades, conquistas. Nessa fase, surgiu a primeira não-verdade, que eu escutaria com frequência: “Você tem muito perfil. Sucesso garantido”. Isso é ilusão. Nenhum sucesso é garantido. Mas, apesar disso, inconscientemente me alimentei de alguma esperança.

Em um dado momento, me senti minimamente preparado para audicionar (ou seja, para participar de audições para concorrer a trabalhos em peças e musicais). Veio o primeiro teste: “Não, obrigado”. Ok, era apenas o começo. Segundo teste: “Não”. Tá legal, paciência. Terceiro, quarto, quinto… vigésimo teste. Não. Não. Não. Bem-vindos à rotina dos atores, uma profissão pela qual aprendi a ter profundo respeito.

Entendi que para o ator o “sim” é a exceção. É preciso ouvir dezenas de “nãos” e a sensação é absolutamente angustiante

Gera impotência, incompreensão. Questionei pela primeira vez se tinha tomado a decisão certa. Questionei o meu talento para a coisa (quem nunca?). Mas, a cada queda, eu voltava mais forte – e não, não há nada “super-heróico” nisso. Foi um processo natural, de muita disciplina e reconhecimento do que precisava ser melhorado.

Cinco anos passaram num piscar de olhos. Eu estava muito longe do que havia projetado para a carreira artística — e de fato ainda estou, antecipando o desfecho dessa história. Mas algo muito valioso surgiu em meio às dificuldades: a certeza de que eu precisava fazer algo diferente.

Eu não queria mais depender de testes. Não podia mais esperar que alguém dissesse que me encaixo num quebra-cabeça, definido por critérios dos mais diversos. Mais do que isso, percebi que eu queria contar as histórias que acredito. Nesse mesmo momento, a vida sabiamente me mostrou possibilidades. Ou melhor, eu me abri para os caminhos que estavam escancarados já há algum tempo e eu insistia ignorar.

Por que não associar duas profissões? Por que não realizar meu sonho, mas também ajudar outros tantos artistas brasileiros a realizar os seus? Por que não complementar o trabalho dos grandes produtores, ampliando nosso mercado, oferecendo mais cultura, promovendo autonomia artística, formando artistas e público para que produções se multipliquem?

Os porquês precisavam ainda de um empurrão. Foi quando alguém muito especial me mostrou que, se o motivo pelo qual eu abri mão de tudo foi para inspirar pessoas e despertar o melhor delas, aqui também estava a chance de fazer isso em escala! Nasceu, então, uma empresa de propósito único. É a associação das minhas carreiras, dos diferentes olhares e do que aprendi em todos esses anos, como publicitário e como ator.

Percebi que eu podia unir o coração do artista com o do cara de negócios. E fazer diferente, de forma sustentável. Não queria idealizar, mas unir forças e colaborar. E, com a empresa, nasceu também um grande projeto: o Circuito Off, um selo democrático e inédito de espetáculos musicais no Brasil, inspirado no formato Off-Broadway e apoiado em pilares culturais e educacionais criados por nós para desenvolver o mercado em toda sua cadeia (público, artistas, investidores etc), e com custos menores do que os geralmente praticados no mercado.

É uma forma inovadora de fazer arte, ampliando conteúdos em experiências ao vivo e digitais, transmídias. Sim, apesar dos percalços de todo recomeço, tenho plena consciência e me orgulho do que estamos construindo por aqui. Sabemos do potencial de transformação e do quanto a cultura e educação no Brasil precisam de projetos como esse.

Sobre deixar de ser funcionário e empreender… Honestamente, sinto uma tremenda falta dos crachás!

Sinto falta de ser “o gerente de marketing da Nokia”, “o diretor de contas da Sony” ou da Unilever. Quantas portas se abriam com tão menos esforço! Sinto falta do poder quase imediato de realização. Confesso que não tenho a menor necessidade de ser desafiado e ter que me provar diariamente. Tenho, sim, a necessidade e o imenso prazer de fazer acontecer e transformar o que precisamos!

Acho que é isso que define um empreendedor, e não a imagem irreal de vulgo super-homem que passa por tudo com sorriso no rosto. Bom, digamos ainda que seria mais honesto substituir a assinatura CEO por “CEO, marqueteiro, comunicador, ator, cantor, financeiro, contabilidade, telefonista, faxineiro, regador de plantas e serviços gerais”. Mas, talvez aqui seja o momento de maneirar a sinceridade.

O que me reenergiza e me faz continuar? Além da evidente importância e repercussão do projeto e das centenas de mensagens de apoio de amigos e artistas, é ter finalmente entendido que meu sonho, na realidade, é um propósito de vida. E por um propósito, nós somos e devemos ser capazes de assumir riscos, nos transformar e mudar o mundo.

 

Álvaro Real, 32, é publicitário, ator e sócio fundador da Bravart Entretenimento.

 

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