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Você sabe como funciona um Workshop de Análise de Carreira? A gente te conta

Kaluan Bernardo - 16 dez 2014
Tábata Romani e Tais Nicoletti, as psicanalistas que criam, há um ano, o Workshop Análise de Carreira.
Kaluan Bernardo - 16 dez 2014
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No coração de São Paulo, ao lado do Cemitério da Consolação, há um portão de ferro que separa a Travessa Dona Paula do resto da cidade. Ao passar por ele, instantaneamente todo o barulho, correria e loucura da capital ficam para trás e, de repente, você se vê em uma pequena vila antiga, sem saída, onde o tempo parece ter parado. As casas são simples e charmosas – daquelas que têm muitas histórias para contar.

Em uma delas trabalham as psicanalistas Tábata Romani, 29, e Tais Nicoletti, 44. A clínica consiste em uma sala bem pequena, com uma janela que dá para a rua, luz baixa regida pelo abajur, livros de psicanálise (muitos de Jacques Lacan), três cadeiras e um divã adaptado para servir de sofá com travesseiros. Neste ambiente, que acomoda no máximo seis pessoas, acontece o Workshop de Análise de Carreira – ou WAC.

O programa, com algumas características de terapia em grupo, é dirigido pelas psicanalistas. O objetivo é ajudar as pessoas a se reconhecerem (pessoal e profissionalmente), se entenderem e, então, direcionarem suas carreiras para o que será melhor para elas. Em um sábado, o Draft acompanhou a sétima sessão (de um total de dez) de um grupo que participava do programa.

A pequena e aconchegante sala onde as psicanalistas atendem.

Pequena porém aconchegante, nesta sala as psicanalistas atendem, e o espaço também é adaptado para receber as sessões do Workshop.

Uma outra convidada, Verônica*, 25, também acompanharia a sessão – a convite do Draft. Também estavam lá as pacientes Fernanda*, 46, e Paloma*, 27. Do grupo original, faltava apenas Marcelo*, neste dia “substituído” por Verônica, que estudou Economia, largou, foi fazer Administração, morou em Nova York, voltou, passou por várias multinacionais, trabalhou com moda (e odiou) e agora está em uma empresa grande trabalhando com RH. Ela se considera muito ágil, capaz de apagar incêndios e gostaria de fazer algo em que se visse mais claramente ajudando pessoas. Queria empreender, mas, por se considerar nova, não sabe se está disposta ao risco.

O perfil de Verônica era bastante semelhante ao de Paloma, publicitária que tem quase a mesma idade e que está migrando para outra área: Ecologia. A sinergia entre ambas de alguma forma fazia com que se sentissem “perdidas” de um modo semelhante. Isso era bom: mostrava que não estavam sozinhas e permitia que uma desse palpites pertinentes na vida da outra – enquanto as psicanalistas iam mostrando as armadilhas em que elas mesmas se colocavam quando se contradiziam.

Tudo isso foi representado em uma cartolina colada na parede e onde cada participante escreveu quatro características profissionais:

 

1) “O que me sustenta, me faz reconhecido hoje, embora eu não goste muito”

2) “Aquilo que tenho de melhor: já faço com prazer e sem sacrifício”

3) “O que não gosto e não quero fazer”

4) “Aquilo que adoro, mas preciso e gostaria de desenvolver mais”

 

Todas ali já passaram por grandes empresas e decerto reconheceram as “forças, fraquezas, oportunidades e ameaças” da análise SWOT, ferramenta comum no mundo corporativo. Foi interessante notar como Taís e Tábata, as psicanalistas, interviam pontualmente, muitas vezes dando como exemplos casos de suas próprias vidas, com o objetivo de ir dissipando as névoas na conversa. Em tempo: todos os participantes já haviam feito terapia e traziam muito de suas sessões para dentro do workshop.

Por ter tomado parte no grupo apenas neste encontro, Verônica diz que não se aprofundou muito. O programa prevê que nas três sessões finais é que sejam discutidas as opções de futuro de cada participante.

MUITOS CAMINHOS EM UM MUNDO FRAGMENTADO

A ideia do WAC nasceu quando Taís e Tábata sentiram que era necessário orientar as pessoas de uma nova forma, que abarcasse as angústias e a velocidade dos tempos atuais. “Não queríamos fazer um Coaching, queríamos seguir algo pelo lado da psicanálise para ajudar as pessoas a entenderem sozinhas o que querem”, diz Tábata.

Ela diz que uma das maiores diferenças entre o WAC e um Coaching é a metodologia de base. Muitos processos do segundo utilizam, por exemplo, instrumentos que trabalham com o lado consciente das pessoas e têm como objetivo mudar comportamento externo. “Nós procuramos mudanças internas, queremos falar do lado desconhecido de cada um, lidando com o inconsciente, um dos pilares da Psicanálise. Muitas metodologias de Coaching se propõem a criar planos, metas etc. Não estamos preocupadas com isso. Sabemos que, quando há uma mudança interna, a externa virá naturalmente”, conta a psicanalista.

“Fazer planos e metas externos, sem mudança interna, pode até gerar alguma mobilização temporária, mas não transforma”

Para criar a nova metodologia, Taís e Tábata juntaram as bagagens que traziam de cursos, experiências e trabalhos realizados nas áreas de RH, mediação e psicanálise. Em janeiro, nascia a primeira turma – e, desde então, foram mais três, somando um total de 11 clientes. Cada turma é tratada de forma diferente, mesmo porque o processo todo ainda é experimental, ainda que seja sempre dinâmico e mutante.

Para elas, o WAC se faz cada vez mais necessário, pois afinal “o mundo está muito amplo”, as profissões se multiplicaram e as possibilidades de sucesso não estão apenas em um trabalho estável em grandes empresas (que já não oferecem garantias de estabilidade). “A variedade de opções é boa, mas ao mesmo tempo dificulta as escolhas e traz angústia”, afirma Tábata.

Ela acredita que hoje há uma tendência de as pessoas buscarem felicidade e satisfação — quase como um modismo. Se antigamente a satisfação estava em ganhar dinheiro, hoje o acesso facilitado ao consumo muda a perspectiva, já que, “depois de comprar várias coisas, vem o vazio”. Além disso, acreditam, ganhar dinheiro cobra um preço emocional alto com horas estendidas de trabalho e pouco tempo de convívio social. Isso também faz as pessoas terem novos desejos e, muitas vezes, pensarem no que estão fazendo da sua vida profissional.

A vilinha, que fica perto do Cemitério da Consolação, em São Paulo.

A vilinha, que fica perto do Cemitério da Consolação, em São Paulo: o silêncio ajuda na introspecção.

Elas mesmas passaram por isso. Taís, apesar de psicanalista, vem do mercado de publicidade, onde ainda faz alguns freelas quando necessário. Tábata, que também é atriz, diz que quando foi fazer sua análise, ficou horas e horas discutindo a própria carreira, também indefinida até então.

Se o WAC tem funcionado? Tudo indica que sim. Elas afirmam que os feedbacks positivos aparecem tanto na fala dos participantes como na transformação que eles vivem depois do processo. “Só de parar um tempo para discutir e pensar na própria profissão já é algo muito valioso para eles”, diz Tábata. Segundo ela, o fato de duas psicanalistas trabalharem juntas, misturando pessoas de gerações e carreiras diferentes, é uma característica que enriquece o processo.

Enquanto naquela salinha da Travessa Dona Paula as pessoas procuram ajuda profissional para entenderem o que estão fazendo no mundo, onde estão e para onde podem ir, o mundo “lá fora” continua rodando e exigindo essas repostas cada vez mais rápido. Pitoresco pensar que, a apenas 200 metros dali, no Cemitério da Consolação, repousam tantas outras que viveram suas vidas e carreiras com as mesmas questões, talvez apenas de modo menos apressado. Para quem está de pé, do lado de fora, é bom analisar sua carreira, encontrar o propósito do seu trabalho, antes de mudar de lado do muro.

*Os nomes são fictícios, para preservar a identidade dos participantes.

draft card WAC

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