Eu sempre falei de um estilo de vida para pessoas que não queriam ouvir. Não havia mistura, como água e óleo.
Entrei na Caixa por concurso, buscando um meio de fazer as minhas viagens. Nas férias, eu mochilava: pegava carona, conseguia acolhimento das pessoas, e voltava sempre carregado de boas histórias… Mas os outros bancários não tinham interesse de ouvir; pra eles essas histórias não faziam sentido, não faziam parte da realidade.
Respeito o lado de cada um, mas também devemos ter nosso espaço e contribuir de volta da melhor forma que nos reflete — e eu saí atrás disso, desde sempre.
Sempre fui aventureiro, aprendi a nadar antes de andar. Passei parte da infância em Três Ranchos, Goiás, onde há um lago artificial, um dos maiores do país, criado para uma usina hidrelétrica.
Minha mãe me amamentava na água, o meu pai fazia mergulhos de resgate. Não havia Corpo de Bombeiros, e muitas pessoas se afogavam; ele então era chamado, apesar de não receber nada por isso
Meus pais foram essenciais no meu processo de crescimento e me passaram esse espírito de ajudar o próximo.
Sempre ouvi que meus melhores amigos estavam em casa, mas teimei ao buscar fora uma época; tive decepções com amigos que eu ajudei na formação de carreira, e que depois, quando precisei, não recebi deles esse apoio.
Quem está pelo mundo precisa de uma rede de apoio, e às vezes a gente busca fora, sendo que desde pequeno a gente já tem esse apoio onde ele é necessário. Apesar de estar conquistando o mundo, sempre falo que antes temos que conquistar a nossa própria casa
O mundo pode ser precioso, mas é de casa que vem a força para seguirmos adiante.
Eu viajava com minha família – e mergulhava com meu pai – pelo Brasil afora. A gente sempre viajava de carro, rodando pelo país. Isso despertou ainda mais meu lado aventureiro e desbravador.
Naquela época, faltava infraestrutura, o asfalto não existia ou era muito ruim. Muitas vezes a gente passava um perrengue porque o motor quebrou ou porque o posto de gasolina estava fechado…
Aos 13 anos, durante as férias escolares, lembro-me de uma vez que o combustível acabou no meio do agreste baiano; o meu pai ficou com a minha mãe, o meu irmão, a minha irmã, e eu ia atrás de ajuda, de carona em caminhões, porque sempre fui “desenrolado”… Isso fortaleceu em mim o sentimento de responsabilidade e independência
Meus pais eram professores, sacrificavam-se para proporcionar aventuras assim, mesmo em meio a tanta dificuldade enfrentada salarialmente por essa classe.
Nunca saiu da minha cabeça uma ocasião em que meu pai bateu na mesa, aos berros, ao checar as finanças, dizendo: “A gente trabalha o ano inteiro e, ao final, não tem sequer dinheiro para levar os meninos para tirar umas férias!”. E olha que falamos de uma profissão simplesmente pilar primordial da nossa sociedade.
Ali foi plantado em mim um outro lado: o da persistência. Mesmo sem garantias e finanças, existem maneiras de insistir e ir atrás dos sonhos. Se você quer, você pode e consegue SIM!
Meus pais e avós lutaram muito, pois chegaram no início da construção da capital federal.
No Maranhão, meu avô apanhava ao falar em querer estudar ao invés de trabalhar. Riscava o asfalto com carvão por não possuir um caderno ou caneta. Foi outro grande exemplo em minha formação: poeta cordelista e membro da Academia de Letras de Taguatinga, no Distrito Federal
Meus pais foram bolsistas em uma faculdade de renome na Asa Norte, um bairro considerado de burgueses e de classe média alta.
Meu pai foi à França e à Inglaterra ao ganhar outra bolsa de estudos em uma prova pública, para a qual existiam apenas duas vagas para todo o Brasil, ao que ele dizia: “Eu só preciso de uma vaga”. Todos riam, desacreditando do sonho dele… Nos tempos sombrios da ditadura, ele chegou a ser preso por lutar por seus ideais comunistas.
Apesar da desconfiança, o meu pai fundou duas escolas públicas de idiomas. Uma delas foi o CILC, Centro Interescolar de Línguas de Ceilândia; essas escolas só existiam em regiões de classe média e alta, e ele sempre via essa necessidade na área mais carente. Assim, ele fundou o CILC em 1986.
Depois, ao se aposentar da rede pública, ele fundou a COOPLEM, uma escola de idiomas em regime cooperativo. Na época, meu pai se inspirou em cooperativas de catadores de lixo, porque não havia escolas nesse modelo, até hoje devem ser poucas. É a única cooperativa de ensino de idiomas que começou em um local considerado uma das maiores favelas da América Latina: no caso, a Ceilândia.
“Uma grande obra só é possível quando a maioria se conscientiza de sua importância e, em torno dela, se une!”. Essa frase foi gravada em uma placa de metal em homenagem a ele pela fundação dessas escolas-modelo. Esse foi o legado e a maior herança deixados a mim e a meus irmãos
Minha mãe, mesmo aposentada como professora de escola pública, ministra, com maestria, aulas online de português a um custo abaixo do mercado. Faz isso como uma ajuda a tantos alunos que ela acompanhou no processo, vários concursados atualmente (eu sou um deles, inclusive).
Meu pai e meus avós infelizmente já se foram. Minha mãe, como uma leoa, cuidou e cuida de uma família toda.
Hoje, estou num período sabático. Muita gente fala da minha coragem de largar 14 anos de carreira executiva como concursado, alto salário e um padrão de vida estável em Brasília, onde nasci, me formei – em Comunicação Social – e morei durante 36 anos.
Contudo, eu pergunto: você trocaria dinheiro, aparência ou estabilidade – aquela vida perfeita do comercial de margarina – por um mundo real, de trocas sinceras, honestas e onde o capital, sua roupa ou bens são as últimas coisas a serem notadas?!
Comecei a minha viagem há um ano, no dia 13 de janeiro de 2024. Saí de Brasília seguindo para Goiás, depois Tocantins, Bahia, Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba… E daí descendo, até Santa Catarina, onde estou agora. Se eu não me engano, é o décimo-oitavo estado desta minha jornada
Viajo muito de carona, de ônibus, a pé… Às vezes passo três dias caminhando, ando uns 80 quilômetros… Minha vida anterior me moldou para desafios assim: já completei umas 180 provas de corridas, entre maratonas e triathlons.
(A prova que mais me marcou com certeza foi a maratona da Serra do Rio Rastro, uma maratona em subida, aqui no Sul, em que a gente corre os 42 km à noite; eu cheguei quase em hipotermia, e é uma prova que se você faz acima de seis horas você não ganha medalha – lembro que fechei em 5h59min.)
Como adulto, eu mochilo há mais de 15 anos. Já passei por 40 países: rodei toda a América do Sul (menos as Guianas e o Suriname), Panamá, Costa Rica, Cuba, Jamaica, República Dominicana, México, Estados Unidos, Portugal, Marrocos, França, Inglaterra, Holanda, Itália, Grécia… Além de já ter viajado muito pelo Brasil.
Apesar disso, nunca registrei as minhas experiências anteriores: vivia intensamente e com uma profunda imersão nos locais, sem câmera nem celular
Agora é diferente: neste sabático decidi manter um diário virtual. E no caminho, vou dando voz, por meio de entrevistas, a vários heróis brasileiros: artistas de rua, educadores, batalhadores em geral, cada um no seu nicho.
Por enquanto, ainda não tenho patrocínio nesta viagem. Nesses anos de bancário, fiz um pé de meia, e estou vivendo por conta dele.
Além disso, tem rolado muito acolhimento e parcerias… Quando chego numa cidade, faço uma pesquisa com agências de turismo, pousadas, hotéis, restaurantes… Troco passeios e hospedagens, por exemplo, por criação de conteúdo e trabalho voluntário.
No meu Instagram, espero ainda trazer muitas aventuras como as que vivi no Jalapão, ao pegar carona em um trecho de aproximadamente 12 horas de estrada terra. Lá, percorri 20 quilômetros à noite, sem enxergar um palmo, no meio do parque estadual — pois uma experiência de mergulho noturno cativou-me e, como um feitiço, joguei-me sem avaliar horários.
Outra imersão incrível aconteceu no Parque Marinho de Abrolhos, onde uma parceria me permitiu passar a noite em meio às baleias jubarte nesse arquipélago cinematográfico no litoral baiano
O meu itinerário daqui pra frente é seguir descendo até Ushuaia, na Argentina, na ponta da América do Sul. Depois, subir pelo outro lado do continente, e continuar subindo até o Alaska, onde pretendo chegar daqui a uns 15 meses, se tudo der certo
De lá, vou descer pelo outro lado dos Estados Unidos, passando pelas ilhas caribenhas, Guiana, Suriname, Amapá… O fim do trajeto será em 2028, quando regressarei a Brasília — com a certeza de que estarei apenas de passagem.
A minha ideia ao fim dessa jornada é me desligar do emprego e da cidade e partir em definitivo para a construção do meu próximo projeto: a criação de hostels com a cara do Brasil
Até lá, sigo na minha viagem, empolgado e recolhendo relatos lindos pelo caminho. Faço tudo sem roteiro: o dia entrega a matéria e sou somente um instrumento, um editor da vida de histórias cotidianas ricas das formas mais plurais.
Ígor de Faria é mochileiro, triatleta e criador de conteúdo.
E se você só tivesse 40 segundos para evitar uma tragédia? Voluntário do Centro de Valorização da Vida, Thiago Ito fala sobre o desafio de criar um mini doc que viralizou nas redes com uma mensagem de esperança em favor da saúde mental.
Frustrados com a carreira, Wesley Klimpel e Patricia Pamplona resolveram cair na estrada e abraçar a vida de viajantes em tempo integral. Hoje, por meio do blog Sem Chaves, eles dividem dicas e histórias de suas andanças pelo mundo.
Leo Longo e Diana Boccara vivem sem residência fixa há dez anos. Ele conta como, entre acertos e passos em falso, abraçaram o nomadismo digital e hoje tocam projetos como o duo de filmmakers e documentaristas Couple of Things.