Há pouco mais de dez anos, um experimento foi iniciado na Rua Virgílio de Carvalho Pinto, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, por um entusiasta da economia criativa.
Em 2013, o paulistano Wolfgang Menke criou a House of Work para conectar empreendedores em um ambiente descontraído. Na sequência, o espaço abriu as portas para outras três casas: House of Food, House of Bubbles e House of Learning – feitas para pensar as experiências de comer, vestir e aprender de uma forma diferente e mais sustentável.
Desde então, Wolf, como prefere ser chamado, enfrentou desafios (muitos deles derivados de um desejo de expandir os seus empreendimentos) e, claro, uma mudança enorme de cenário por conta de uma pandemia. Fechou as portas de todas as casas, voltou a trabalhar com publicidade até voltar a ser o “Wolf da House”.
Hoje, aos 42 anos, ele está em fase de aceleração de um novo espaço, a House of Coisas, agora no Largo da Batata, que abriga um bar, uma cozinha, um local descontraído de reuniões e um terraço para shows e eventos.
Esse reencontro com uma antiga versão de si mesmo também sinaliza uma redescoberta de Wolf a respeito do seu propósito:
“Ficou claro para mim — em meados de 2020, no meio da pandemia — que o meu negócio era formatar a comunidade. Era algo que eu [já] fazia, empiricamente e de bom grado. Às vezes a gente não se liga que está entregando de graça um dos nossos maiores ativos. E eu sou um conector, eu conecto pessoas”
Hoje, ao olhar para trás e recapitular os últimos dez anos, Wolf relembra os principais acontecimentos que o fizeram testar a sua resiliência e criatividade, aprender mais sobre as suas potências — e se reinventar.
O ano de 2015 já não tinha sido muito favorável para os empreendimentos de Wolf. Mas na segunda metade de 2016 ele seguia firme. Mantinha quatro casas na Rua Virgílio, outra na Vila Madalena, mais duas no Rio de Janeiro e uma sétima em Belo Horizonte.
Elas funcionavam em sociedade com outros empreendedores e tinham em comum o propósito de dar acesso a experiências em comunidade.
“A gente estava buscando expandir as Houses como franquias, e a primeira que vendemos foi em BH. A casa ficou linda, super bem localizada, mas não engatou”, diz. “Ali ficou claro pra mim que o problema era a falta de engajamento da comunidade, que não tinha afinidade com o espaço.”
Com a nova casa patinando, Wolf decidiu focar mais em branding e em comunicar a essência das Houses, que sempre foi de oferecer acesso em vez de posse – seja de comidas, roupas, eventos. Foi assim que surgiram projetos com marcas como Nike e Budweiser.
Em 2017, houve até a construção de uma “House temporária” dentro do Rock in Rio, numa ativação para a Heineken focada em engajar uma comunidade de influenciadores. Na sequência, outro projeto com Doritos no Twitter superou as expectativas.
Os ventos estavam a favor de Wolf – até que veio a Greve dos Caminheiros, que parou o país e impactou uma infinidade de empresas que dependiam direta ou indiretamente da entrega de recursos e produtos.
“Comecei 2018 voando! Eu tinha tudo organizado num calendário do ano, com contratos pré-reservados. Então tirei férias, e fui pra Europa assistir ao Primavera Sound. De repente alguém me fala: ‘Você viu o que está acontecendo no Brasil?’. Aquilo quebrou a minha agenda, todo o meu fluxo financeiro, todo o meu capital de giro”
Wolf se viu novamente obrigado a apertar o cinto para tentar uma recuperação ao longo de 2019. Ele conta que na época chegou a se arrepender de ter tirado as merecidas férias.
“Hoje em dia, consigo observar bem melhor esses movimentos, não só os culturais, mas também os movimentos políticos, e como isso vai me afetar de alguma forma. Mas na hora a gente não sabe, né?”, diz. “O Brasil realmente não é para iniciantes. A gente tem que pensar em muita coisa e se blindar para ter um negócio. Por isso as empresas aqui geralmente fecham em três anos.”
A partir daí, Wolf decidiu reduzir os gastos e a dimensão dos seus negócios. A intenção era manter apenas uma casa funcionando na Virgílio de Carvalho Pinto (por conta da sua relevância histórica no escopo dos projetos) e diminuir o ritmo das demais.
Os planos de contenção ajudavam a pagar as contas — mas nada poderia preparar Wolf para o que viria no início 2020.
Wolf conta que a pandemia chegou em um momento de assinatura de contrato com um novo patrocinador na House of Food. O jeito foi entender como interromper essa parceria sem prejudicar a sua equipe.
Para além do aspecto financeiro, Wolf tinha que lidar com ônus psicológico da pandemia e com o conflito que ela representava para a sua filosofia de vida:
“Eu estava falando muito sobre sharing economy. A gente sabia que dividir é melhor, dividir é incrível. Até que vem um vírus que diz que você não pode dividir nada, que você pode morrer. A partir dali, ficou claro pra mim que levaria pelo menos uns cinco anos para que as pessoas voltassem a pensar em dividir de novo. Elas ficariam mais individualizadas, mais protetivas”
Com o recrudescimento da pandemia, não teve jeito. Em 2020, as portas das Houses foram fechadas.
“A única coisa que eu podia fazer era pagar todos os meus fornecedores e funcionários. Eu mesmo fiquei com uma dívida até pequena com o governo, que negociei e hoje está sendo quitada. Foi tortuoso, mas saí vivo.”
Wolf conseguia dormir em paz sabendo que havia conseguido pagar quem mais precisava, mas ele próprio ainda não tinha ideia como seria o seu futuro dali para frente. Hoje, ele descreve o processo como uma pane seguida de turbulência.
“Todo mundo jura que eu sou herdeiro, mas apesar do nome complicado eu sou filho de uma empregada doméstica. Tive que me virar cedo, trabalho desde os 13 anos. E as Houses foram abertas com absolutamente todo o dinheiro que eu tinha. E, de repente, perdi tudo”
Sem reserva financeira e nem perspectiva de retomada dos negócios que exigiram tanto do seu tempo e energia ao longo de sete anos, ele precisava contar com seus contatos para garantir o aluguel dos meses seguintes.
Na época, Wolf publicou um post-desabafo em suas redes, dizendo: “Eu espero mesmo que exista de verdade essa Lei do Retorno, porque eu já ajudei muita gente, e agora eu vou precisar de ajuda”.
Na metade de 2020, Wolf recebeu uma ligação de um conhecido da Natura, uma marca com a qual ele já havia trabalhado há muito tempo. Dali veio o convite para montar a comunidade Natura em Nova York, trabalhando em São Paulo.
O contrato era de seis meses, e foi uma espécie de salva-vidas para resgatá-lo de um mar de incertezas. Na sequência, uma nova oportunidade, desta vez para voltar à publicidade.
“Um amigo meu me disse que eu precisava muito conhecer o Ricardo Dias, que era o VP de Marketing da Ambev e tinha fundado a Adventures. Ele disse que tinha uma vaga lá, de diretor de criação para atender um banco digital.”
Depois de um processo seletivo extenso, a fase final foi direto com o cliente. O caminho em que Wolf acreditava não era o que eles queriam, então ele não foi aceito.
Foi o próprio Ricardo que ligou para avisá-lo, mas daquela ligação surgiu um papo sobre o mercado de cosméticos, que Wolf afirma conhecer bastante. A conversa evoluiu e em 48 dias se tornou sócio e Head de Brand para criação de marcas para celebridades da Adventures.
“A gente criou a marca pro Gusttavo Lima, pra Ludmilla. Enfim, eu estava bem lá. Mas, obviamente, eu não me adequo mais ao ambiente corporativo, tenho uma cabeça muito diferente. Então decidi que iria reabrir a House — mas agora eu criaria o ambiente, e em volta dele a gente faria parte do mapeamento e formatação de comunidade”
Foi esse o embrião da House of Coisas, que abriu as portas recentemente no número 48 da Rua Campo Alegre, nos arredores efervescentes do Largo da Batata e do Baixo Pinheiros.
O espaço se posiciona como um centro cultural, com “alta coquetelaria, gastronomia, música, loja pop-up e mais surpresas”.
Segundo Wolf, a inauguração da House of Coisas não é só uma reafirmação da sua paixão por experiências em comunidade, mas também uma versão mais madura das suas precursoras num só ambiente.
Acima de tudo, diz, a casa é ancorada na metodologia que o empreendedor da economia criativa foi desenvolvendo ao longo desses dez anos, de como mapear tendências e comportamentos de determinados grupos urbanos.
“Essa retomada tem sido assim, vindo das cinzas, com a ajuda de grandes marcas. Eu só voltei porque tive apoio das marcas, afinal eu não tinha nem condição financeira sem elas. E trouxe pessoas certas para serem sócias também, um conselho parrudo para os momentos de dúvida e para ter um suporte emocional”
Na visão de Wolf, essa nova configuração deixa mais claro o valor do seu negócio – que sempre foi questionado no passado.
“Muita gente dizia que era uma bobagem, que era lavagem de dinheiro, que eu era herdeiro e estava jogando dinheiro fora. Mas sempre disse que as Houses em si não davam dinheiro. O que dava dinheiro era a informação em volta daquilo.”
A House of Coisas abriu em maio de 2023, mas só agora está funcionando a pleno vapor. Por ali já rolaram shows de Rincon Sapiência, Ana Frango Elétrico, Larissa Luz e do grupo baiano ATTOOXXÁ, entre eventos de diversas marcas. A Heineken, por exemplo, comemorou seus 150 anos, a Levi’s ofereceu uma experiência de customização para seus clientes, e a revista Glamour promoveu um forró no terraço.
A House também recebeu bazares com influencers e serviu de local para as gravações de um podcast do Negritude Enjoada; além disso, criou uma collab — um moletom exclusivo — com a marca de roupas Oriba.
Este é o início de um novo capítulo para Wolf. Entre trancos e barrancos, ele aprendeu que, apesar de ter que se desfazer de grande parte do seu negócio, o sonho de criar espaços de experiências inovadoras e divertidas permanecia intacto.
“O que me fez abrir, agora, de novo, o que me faz tratar com as pessoas, mesmo sendo uma dificuldade grande para mim, é ingenuidade”, diz. “Acho que é dessa minha ingenuidade que vem minha criatividade. Tem dias desesperadores, claro; mas tem dias que eu tô tão feliz, que é tão bom.”
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Allan e Símon Szacher empreendem juntos desde a adolescência. Criadores da Zupi, revista de arte e design, e do festival Pixel Show, os irmãos agora atendem as marcas com curadoria, branding, vídeos e podcasts através do estúdio Zupi Live.