Os designers saíram na frente. E estabeleceram seu jeito de olhar, de entender, de pensar e de fazer – o Design Thinking – como uma metodologia que ajuda o mercado todo a olhar, entender, pensar e fazer melhor.
Se a economia industrial era um ambiente em que o jeito de raciocinar, de se movimentar, de tomar decisões e de trabalhar vinha da engenharia, da economia, da administração e da objetividade das ciências exatas, a nova economia, a economia pós-industrial, se abriu para admitir novos métodos e novos padrões de pensamento – passamos a aprender a olhar, entender, pensar e fazer também com os artistas, com os criativos, com os intuitivos, com a subjetividade das ciências humanas.
Nessa troca de pele (ou, se você preferir, nessa mutação de DNA), que está em pleno desenvolvimento, o que era linear está virando exponencial, o que só tinha um sentido, bem hierarquizado, está se tornando circular, o que tinha centro e periferia está virando sistema integrado e horizontal, a competição está admitindo colaboração, o controle está abrindo espaço para a confiança e para o compartilhamento de riscos, o desperdício e a ociosidade estão sendo transformados em reutilização e compartilhamento, a busca por resultados imediatos e a qualquer custo está perdendo força diante da construção de relações responsáveis e sustentáveis, a capacidade de repetir sem desconformidades está sendo contraposta pela capacidade criativa, de inovar e de aprender rapidamente com os erros.
O Design Thinking surge nesse contexto, como uma ferramenta importante para a resolução de problemas – obrigado ao design estratégico, aos designers gráficos, aos designers de produto, aos designers de serviços e de experiências.
Os escritores também têm contribuição a dar. Escrever é pensar. Trata-se de um jeito particular de raciocinar. Ninguém consegue escrever se não tiver primeiro organizado o próprio pensamento – na medida exata em que não é possível explicar algo que você não entendeu, nem narrar algo que você não conhece ou descrever alguma coisa cujos detalhes você ignora.
Não apenas o texto de ficção, mas também o jornalismo, entre as várias formas de produção literária, com a sua disciplina de apuração, que o torna único em meio a outros tipos de escrita, tem contribuições importantes a dar ao mundo dos negócios, da inovação e do empreendedorismo.
Se num bom time multidisciplinar não podem faltar um designer, um programador, um filósofo – um bom editor, que seja também um bom redator e um bom repórter, tem igualmente lugar garantido.
Alguns pontos importantes para entender o Writer’s Thinking – ou o caminho do escritor, ou o método do jornalista, e como isso tudo pode lhe ajudar a olhar, a entender, a pensar e a fazer melhor em sua carreira e em seu empreendimento:
1. Mente alerta
Curiosidade. Gosto pelo novo. Desejo de aprender sempre.
Mente aberta. A habilidade de captar o zeitgeist – espírito do tempo. Ter uma antena para identificar tendências. Saber ler a voz rouca das ruas, aquilo que está interessando as pessoas – antes mesmo que elas consigam dizê-lo. Enxergar o que está escondido nas entrelinhas. O que já se anuncia, mas ainda não é reconhecível por todos. Antecipar-se ao senso comum. Reconhecer uma boa história (ou oportunidade) quando ela ainda não está plenamente desenhada.
A sede de novidade, a fome por inovação, a certeza de que nunca está pronto, a sensação de que tudo sempre pode ser melhorado são o alimento da criatividade e do ofício – do escritor e do empreendedor também.
2. A arte da audição
Saber ouvir – de verdade. Ter interesse genuíno em compreender o ponto de vista do outro. (O que não significa necessariamente concordar com ele.) Pense na relação com os clientes.
Gosto pelo debate, pela discussão, pela troca de informações e pelo compartilhamento de conhecimento. Pense na relação com os colaboradores.
Tolerância em relação ao contraditório. Entender que os eventos em que você é desafiado em suas próprias certezas são oportunidades bem-vindas ou para confirmação daqueles paradigmas – ou para a sua quebra, o que geralmente resulta em ampliação de fronteiras e crescimento intelectual.
3. Honestidade intelectual
Humildade para aprender e para rever posições.
Mudar de opinião assim que a sua opinião deixar de ser a mais correta ou a que tiver maiores chances de estar certa.
Não vale qualquer coisa para vencer um debate – inclusive porque debates são trocas, são colaboração entre diferentes pontos de vista, muito mais do que uma competição a ser vencida.
Pense numa reunião de conselho com seus sócios.
Aversão ao dogma. (Ter uma causa muitas vezes embute no sujeito um pensamento religioso diante da realidade, enviesado a favor da tese que ele defende. A única causa do grande jornalista é estar aberto, sempre, a conhecer as argumentações que sustentam cada uma das causas disponíveis.)
Manter sempre um distanciamento – e uma equidistância – das opiniões vigentes. Poucas coisas são definitivas e peremptórias nesse mundo. Então a posição de terceiro, de observador, de analista, é sempre uma das mais inteligentes a se assumir.
O agnosticismo é uma virtude de grande escritor – e do grande empresário também.
Conter o ego. Mais importante do que estar sempre certo é não ter compromisso pétreo com o erro.
4. Apuração
Denodo para checar de informações. Paciência para cruzar dados e confrontar versões. Não aceitar facilmente, sem verificação, dados que lhe são passados como seguros ou inquestionáveis.
Desenvolver o saudável nível de ceticismo que lhe permite evitar armadilhas espalhadas pelo caminho – omissões, meias-verdades, edulcorações, (auto)enganos e, simplesmente, mentiras.
Reconhecer que não existem verdades absolutas. Mas que existe, sim, a busca honesta e sincera por essas verdades – ainda que elas sejam filosoficamente inalcançáveis.
Agir sempre com correção e justeza na lida com informações e afirmações. Somos todos guardiões e veículos de conhecimento. Geramos registros históricos de uma determinada realidade numa determinada época. Isso impõe grande responsabilidade.
Recusar o wishful thinking, por mais puras que sejam suas intenções em maquiar a realidade para torná-la mais bonita e agradável. Reconhecer, retratar e tratar a vida como ela é – com suas contradições e absurdos, sem embellishments nem fabricações de nenhuma ordem.
Lidar com fatos. Sempre. Por mais espinhosos que eles sejam.
5. Curadoria
O jornalismo é a arte de enxergar o óbvio – que é a coisa mais difícil de ser capturada.
Editar é discernir o que importa, fisgar o essencial, tocar o coração das questões abordadas. E dizer não a todo o resto.
Curadoria é o exercício de destacar algumas coisas e deletar outras, de separar o joio do trigo. (De modo a priorizar o trigo, claro.)
Edição é encontrar o foco – e não se perder dele. (É reconhecer as diferenças de estatura e importância entre as informações e não se apegar ao irrisório em detrimento da relevância.)
A boa curadoria tem compromisso com o que interessa – ao cliente, não necessariamente ao curador.
Saber editar bem, para o empresário, significa perder menos tempo. (E dinheiro.)
6. Taxonomia
A arte da classificação. Saber rotular corretamente. E arrumar os itens em prateleiras lógicas, gerando sistemas com um racional interno que façam tudo ter mais sentido.
O olhar horizontal, com capacidade de aglutinar elementos a partir de suas semelhanças, e de separá-los a partir das suas diferenças.
Poder de síntese. De organizar o que está misturado e difuso. De criar convergências a partir do que está solto e espalhado. De condensar e gerar conclusões.
O grande editor é um mestre da clusterização, ao encontrar fios condutores, amarrações transversais, que ajudam a organizar o caos, simplificando (e também ampliando) a compreensão da realidade.
A mente é um almoxarifado cheio de escaninhos – que precisam ser autoevidentes e estar sempre arrumados.
7. Atrair e encantar
Contar bem uma boa história é saber vendê-la ao leitor.
A arte da narrativa é, como em Sherazade, antes que tudo, a arte de prender a atenção, de gerar interesse, de mostrar o valor, de convencer, de seduzir, de maravilhar, de modo a permanecer… vivo. (No mercado, inclusive.)
Capacidade de atrair e reter o olhar, de se tornar inevitável e irresistível, de inspirar, de emocionar e de fazer pensar.
A missão do bom redator é tornar interessante, útil e relevante aquilo que é importante. E tornar atraente, sexy, prazeroso, saboroso aquilo que de outro modo seria apenas uma obrigação.
Para isso, a originalidade também é fundamental.
A fuga dos lugares comuns, dos clichês, das soluções fáceis. Tudo que vem fácil demais à mente provavelmente já foi dito ou feito.
Seja num texto ou num plano de negócios.
8. Simplicidade
Concisão. Contar bem uma boa história passa por contá-la com o menor número de palavras possível – sem retirar nenhuma que seja necessária.
Clareza. Nada pior do que a confusão mental. Nada mais angustiante do que o pensamento desestruturado – para quem está falando, claro, mas principalmente para quem está ouvindo.
Não existe maior deselegância do que alguns tipos de complexidade. Não existe maior sofisticação do que a simplicidade alcançada pela depuração daquilo que é supérfluo.
Um texto existe para ser compreendido, para passar uma mensagem – e não para o engrandecimento de quem o escreveu. A empolação e o pedantismo são cafonas. Palavras curtas são melhores que palavras longas. Frases curtas são melhores que frases longas. Verbos simples são melhores que verbos pomposos.
Da mesma forma, uma empresa existe para servir, para resolver problemas – não existe para satisfazer seus proprietários, mas seus clientes.
9. Propósito
Por último, mas não menos importante, escritores convivem com a dor e a delícia, na maioria dos casos, e desde muito cedo, de ter um talento que nem sempre é bem pago e nem sempre encontra mercado para vicejar.
Empreendedores, como escritores, precisam de coragem para não desistir do sonho. Para não abandonar sua arte. Para não dar às costas ao seu talento. Para não recusarem o chamado.
É preciso resiliência para ir adiante. Adaptando. Aprendendo. Realizando. Controlando a ansiedade. Não se deixando desanimar. Tanto na literatura quando nos negócios.
Se você é escritor ou jornalista, está aí, acredite: o mundo precisa de você.
Se você é homem ou mulher de negócios, tente enxergar o mundo como um bom redator, busque agregar essas lentes e esse jeito de olhar, de entender, de pensar e de fazer ao seu ofício, como uma ferramenta. Você só tem a ganhar.
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“Mais livros, menos farmácias”: como um grupo de uma centena de amigos – na maioria, profissionais da saúde – se uniu em torno desse mantra e do amor pela literatura para pôr de pé a Casa 11, onde o lucro importa menos que o propósito.