Youper, o app brasileiro contra timidez, precisou se mudar para os EUA para crescer e ganhar mercado

Marília Marasciulo - 30 jan 2018Diego Dotta, José Hamilton Vargas e Thiago Marafon estão por trás do Youper.
Diego Dotta (designer), José Hamilton Vargas (psiquiatra) e Thiago Marafon (programador) estão por trás do Youper.
Marília Marasciulo - 30 jan 2018
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Imagine um terapeuta digital que, a poucos cliques em um smartphone, ajuda a o usuário a superar o medo de falar com desconhecidos, ir ao dentista ou mesmo discursar em público. O Youper, aplicativo desenvolvido por dois brasileiros, se propõe a fazer justamente isso. Criada há três anos em Florianópolis pelo psiquiatra José Hamilton Vargas, 40, em parceria com Diego Dotta, 35, a ferramenta foi construída com base nas técnicas de terapia cognitivo-comportamental, uma das vertentes da psicologia mais usadas no tratamento da ansiedade. A história do Youper também é, como veremos, a história de um empreendimento que nasceu no Brasil mas precisou sair do país para poder crescer.

Em termos conceituais, desde o início o Youper foi pensado como uma maneira de usar a tecnologia para o bem-estar dos usuários. De um lado estava o então programador Diego (hoje ele cuida do design do app), que acabava de voltar de um período sabático após 15 anos trabalhando com desenvolvimento de jogos de educação, e queria trabalhar em algum projeto com impacto social real. De outro, José Hamilton, que com sua experiência em consultório percebeu, com o passar do tempo, que passou a ser possível fazer algo em forma de aplicativo pela causa da saúde mental.

Os dois se conheceram por conta de um amigo em comum, e a parceria começou. “Identificamos que o maior problema é as pessoas não ter acesso ao tratamento por barreiras como custo e estigma”, diz Diego, e fala sobre até onde o serviço oferecido pelo app que desenvolveram pode ir:

“Sabemos que não vamos resolver o problema da saúde mental do mundo, mas podemos facilitar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento”

Os distúrbios mentais são muitos, e muito comuns. Segundo o relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão, e outras 264 milhões têm algum transtorno de ansiedade. Aí estão incluídas as fobias ou, no linguajar mais comum, os medos. Muita gente, seja por vergonha ou por falta de opção, acaba “dando um Google” para saber o que tem e, quem sabe, encontrar alguma ajuda. O Youper foi moldado para ajudar neste momento, oferecendo um serviço de assistência embasado.

COMO IR ALÉM DO “DOUTOR GOOGLE”

Além de consultar vários estudos sobre os diagnósticos mais frequentes e de estudar quais terapias poderiam ser transportáveis para um aplicativo, a dupla analisou também as pesquisas do Google para identificar para quais perguntas os usuários mais buscavam respostas — uma sacada simples, mas crucial para quem deseja se destacar online.  “Como superar a timidez” e “como vencer o medo de falar em público”, sinais que podem indicar um usuário com algum tipo de fobia social atrás da máquina, estavam no topo da lista.

Em inglês, o app é um "emotional health assistant", e as interações gamificadas visam ajudar o usuário a administrar melhor problemas como ansiedade.

Em inglês, o app é um “emotional health assistant”, e as interações gamificadas visam ajudar o usuário a administrar melhor problemas como ansiedade.

Os sócios passaram três meses desenvolvendo o aplicativo, que traduz as técnicas de TCC (a terapia cognitivo-comportamental) para uma linguagem digital e autoguiada, como se fosse um jogo. Funciona assim: no app, o usuário começa com uma avaliação para determinar seu nível de habilidade social (seria como o diagnóstico), e a partir dali segue por uma jornada na qual um personagem passa por situações comuns na ansiedade social. Conforme o uso, o conteúdo vai sendo customizado de acordo com as respostas recebidas nas interações (mais de 300 desafios com níveis e perfis diferentes). À medida em que supera seus medos ou “evolui” no jogo, o usuário ganha pontos de habilidade social.

“O nome Youper é a junção de you (você) e super, para transmitir a ideia de criar uma jornada em direção à sua versão super”, diz Diego. Ele conta que, além do desafio de deixar o aplicativo “clinicamente redondo”, algo que requereu o acompanhamento de perto do José Hamilton, o Youper também não podia ser bobo. E, muito menos, viciar os usuários.

Na metade de 2015, a primeira versão foi para a Play Store (Android) e Apple Store (iOS). Dois dias depois, o primeiro usuário baixou o app — que apareceu para ele como resultado de uma pesquisa no Google “dicas para conversar”. Na época, o conteúdo era em inglês e português, e custava 80 reais. Este primeiro usuário, Alexandre dos Santos Braz, 23 (ele autoriza que sua história seja contada), à época trabalhava em uma cozinha, mas queria ser desenhista e vivia paralisado, com medo medo de mostrar seus desenhos para as outras pessoas. “Nós nos ajudamos”, lembra Diego, e conta:

“No começo, eu ajustava tudo manualmente, meu desejo era falar com o primeiro usuário por Skype, saber o que ele achava do produto, mas não era possível”

Diego prossegue e conta que, depois de sete meses usando o Youper e avançando de etapas nos desafios propostos pelo app, Alexandre conseguiu transferir os exercícios para a vida cotidiana: abriu uma página de desenhos no Facebook. Alguns meses depois, conseguiu colocar uma foto de perfil no Facebook. Duas vitórias e tanto, que animaram os empreendedores.

Os primeiros usos do app também ajudaram a adaptar e melhorar o aplicativo, como é normal de acontecer. No entanto, para chegar aos atuais 55 mil downloads, e 3 500 usuários ativos no Youper, algumas mudanças cruciais foram necessárias.

NO CAMINHO DO APRENDIZADO, O DESTERRO

A primeira foi ajustar o preço do app, pois a prática mostrou que os 80 reais eram uma barreira alta demais. Diego faz o mea culpa: “Demos ouvidos às pessoas erradas. Não devíamos ter nos preocupado tanto com receita no início”, diz. Mas o medo, dessa vez o deles, estava no fato de que ele, José Hamilton e Thiago Marafon, 35 (programador, que se tornou sócio da startup no ano passado), investiram cerca de 500 mil reais no negócio até agora. Mas a estratégia mudou:

“Primeiro precisamos engajar para depois cobrar. Este é um processo que exige paciência e não dá para atropelar”

Hoje, o Youper tem elementos gratuitos e outros pagos, com planos de 12 dólares mensais. A projeção é alcançar 120 mil usuários ativos nos próximos 18 meses.

A constatação de que a precificação estava errada levou os empreendedores à segunda mudança, talvez a mais triste para o cenário de startups brasileiro: a Youper saiu do Brasil para conseguir crescer. Com o passar do tempo, eles perceberam que o alcance em inglês era muito maior do que em português, especialmente porque o público brasileiro não se mostrava disposto a pagar pelo app. Perceberam, também, que manter o serviço em duas línguas encareceria muito o processo… Por isso, o português foi eliminado (restou apenas uma espécie de blog, o “Guia Completo da Timidez”, com dicas para superar o problema), até que a empresa “se torne sustentável”, nas palavras de Diego, e possa voltar à língua materna.

Outra mudança veio pelo caminho da grana mesmo: ao buscar captação de recursos no mercado brasileiro, eles descobriram que os fundos buscavam faturamento mais consistente, algo que a empresa ainda não conseguia apresentar.

EFETIVIDADE É MELHOR QUE FATURAMENTO

No fim de 2016, a dupla de fundadores passou um mês em Nova York para sentir o mercado. Lá,perceberam um maior interesse das aceleradoras, que falavam em efetividade em vez de faturamento. A métrica usada, por lá, era a de usuários diários divididos por usuários mensais, para determinar a porcentagem do mês que as pessoas usam o app. “A gente não é um projeto, a gente é um produto”, afirma Diego. Com isso, ele quer dizer que o objetivo maior da Youper é se tornar tão relevante como outros aplicativos de bem-estar, como o Headspace, gigante de meditação usado todos os dias por 20% de seus usuários.

Assim, em 2017 a Youper montou um escritório em São Francisco, para ficar mais perto da inovação do Vale do Silício e se tornou oficialmente americana para atrair investidores locais. Uma nota interessante é que o processo de abrir a startup foi tão simples, em comparação com o emaranhado burocrático brasileiro, que surpreendeu os sócios: eles pagaram cerca de 500 dólares a uma assessoria pela ajuda para criar a empresa, uma conta bancária e com outros documentos necessários, tudo feito online. Em duas semanas a empresa estava aberta.

A expectativa agora é de conseguir um aporte de 2,6 milhões de dólares, levar mais membros da equipe para lá (embora a ideia seja manter os desenvolvedores em Florianópolis) e se consolidar cada vez mais como um app de impacto global, com a inclusão de outras línguas e outros formatos de terapias (como a microterapia, com sessões que duram sete minutos em média, para ajudar mais pessoas a superar seus medos). Embora eles saibam que não vão “resolver” a saúde mental do mundo, os caras da Youper estão dispostos a tentar.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Youper
  • O que faz: Aplicativo que ajuda a superar a ansiedade social
  • Sócio(s): Diego Dotta, José Hamilton Vargas e Thiago Marafon
  • Funcionários: 4 (incluindo os sócios)
  • Sede: São Francisco (EUA) e Florianópolis (SC)
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 500.000
  • Faturamento: U$ 1.000 (em 2017)
  • Contato: hello@youper.co
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