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De modinha a novo paradigma: como os coworkings estão mudando a forma de se trabalhar e pensar o trabalho

Ana K. Rodrigues - 12 jan 2017
Hora da pausa no terraço da Brain, na Avenida Paulista, um coworking que oferece espaço em diversos endereços ao assinante.
Ana K. Rodrigues - 12 jan 2017
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Há quase 12 anos, quando o programador norte-americano Brad Neuberg convidou alguns amigos para trabalharem em um apartamento compartilhado, numa São Francisco borbulhante de startups, não imaginava estar criando uma nova filosofia de trabalho e de vida. Longe de uma modinha, o coworking veio para ficar, revolucionando a maneira com que profissionais de diversas áreas lidam com o trabalho, proporcionando um ambiente ideal para a profusão de novas ideias, novos relacionamentos e projetos. Para além disso, os espaços compartilhados de trabalho tornaram-se um negócio consistente e, hoje, um dos mais refratários à crise.

No Brasil eles apareceram há menos de 10 anos, mais exatamente em 2008. Atualmente, existem mais de 500 espaços de coworking espalhados por vários estados sendo que 40% estão na cidade de São Paulo, como comentam empresários da área. Neste curtíssimo período, esta área umbilicalmente relacionada ao empreendedorismo viu iniciativas inovadoras surgirem, novos modelos de negócios se somarem a estas e tendências despontarem.

OS PIONEIROS: IMPACT HUB E PTO DE CONTATO

Em 2008, ano em que o empreendedorismo dava seus primeiros passos por aqui e coworking era uma expressão desconhecida surgiram duas iniciativas pioneiras: o Pto de Contato, dirigido pelo casal Fernanda e Marcus Nudelman Trugilho, e o Impact Hub, criado por Henrique Bussacos e Pablo Handl. Em comum, ambas tinham a proposta de juntar num mesmo espaço pessoas com necessidades e objetivos profissionais comuns, formando uma comunidade colaborativa. Mas as propostas e os modelos de negócio eram bem distintos.

Descontente com a rotina do home office, a publicitária Fernanda começou a procurar uma maneira diferente e inspiradora de trabalhar. À época, ela e o marido Marcus haviam estudado o mercado de coworkings, principalmente nos Estados Unidos. Mas por aqui não havia nem benchmarking, nem referências. “A Fernanda decidiu que iria tomar a frente e fazer. Foram meses de pesquisas, observações, tentativas e erros até finalmente criarmos um modelo de negócio que fizesse sentido”, conta ele.

Terraço do Pto de Contato, na Rua Augusta, pioneiro que fechou.

Terraço do Pto de Contato, na Rua Augusta, pioneiro que fechou em 2014, após seis anos de operação no azul.

O primeiro espaço do Pto, em Pinheiros, tinha 16 posições (espaços nas mesas coletivas, que são a medida básica de monetização dos empreendedores desta área) e ficou às moscas durante três meses. Até que, aos poucos, freelancers, pequenas startups e aspirantes a empreendedores começaram a procurar a nova proposta, muito disso graças à reportagens em revistas e na TV, além do boca a boca. Assim, surgiu a necessidade do negócio se mudar para um lugar maior, na cobertura da Galeria Ouro Fino, na rua Augusta, epicentro da cultura alternativa de São Paulo. Lá a empresa contava com 110 posições e finalmente decolou financeiramente.

No modelo de negócio que Fernanda e Marcus criaram para o Pto a cobrança era por hora: o coworker comprava um pacote mensal de horas e as distribuía de acordo com a necessidade. Esse valor ia de 250 reais (25 horas/mês) a 1 200 reais (250 horas/mês). Serviços como impressões, motoboy e aluguel de armários eram pagos à parte. “Acredito que essa é a forma mais eficiente de gestão”, afirma ele. Além do aluguel das posições e serviços complementares, a empresa oferecia também uma forma de consultoria informal, com assessoria contábil e financeira, ajuda no desenvolvimento de planos e estruturação de novos negócios. Ele prossegue:

“O coworking vai muito além da comodidade. As pessoas podem impactar a vida das outras de uma forma muito positiva. Networking é a chave deste negócio e dos que surgirão ali dentro”

Depois de seis anos, em 2014, Fernanda e Marcus decidiram encerrar o negócio não por razões financeiras – com ajustes aqui e ali, constantes permutas com os residentes e um olhar afiado na gestão, o Pto sempre esteve no azul. “Chegou um momento em que tínhamos várias outras salas alugadas ali, no mesmo prédio do Pto, e estávamos atuando mais como administradores de condomínio do que como empreendedores, algo que não queríamos. Simplesmente vimos que não estava dando mais para fazer as coisas do jeito que a gente queria e gostava”, diz ele.

Parte dos clientes migrou para a Distrito, que é um coworking para startups, além de incubadora e aceleradora. Marcus e Fernanda voltaram para o mercado de inovação, ela numa aceleradora e ele numa agência de comunicação própria. E, segundo ele, pretendem voltar para o mundo dos coworkings mais pra frente.

Se o Pto de Contato parou no auge, outro precursor, 0 Impact Hub hoje se apresenta muito mais como uma rede de inovação que um coworking. O processo de gestação do projeto começou dois anos antes dele abrir as portas, quando a dupla Handl e Bussacos se iniciava no desenvolvimento de negócios sociais. Também foram meses de pesquisas até surgir o contato com Maria Glauser, host do Impact Hub Londres, o primeiro do grupo, que se interessou pela possibilidade de abrir uma unidade em São Paulo.

Finalmente, em 2008, depois de testes e ajustes foi aberta a primeira unidade do Impact Hub no país, com a proposta de ser não apenas um espaço de coworking, mas uma escola, uma consultoria de inovação e uma incubadora. Essa ideia se reproduziu em unidades em Belo Horizonte, Recife, Florianópolis, Manaus e Curitiba. Com o CEO Ruy Barros Lopes à frente do negócio, a empresa oferece planos que variam de 140 a 1 850 reais mensais e fechou 2016 com um faturamento de 1,7 milhão de reais, em ritmo acelerado. Em breve será aberta a terceira unidade paulistana, com uma área de 2.500 m². E a seleção dos novos coworkers começará logo, seguindo o modelo aplicado em todo o mundo.

O MUNDO CORPORATIVO DESCOBRE O COWORKING

Além do boom do empreendedorismo e dos profissionais freelancers dos últimos cinco anos, a busca por modelos de gestão de escritórios mais econômicos foi um dos catalisadores do movimento coworking. E os números confirmam: 95% espaços de coworking existentes em território brasileiro foram criados neste período, de acordo com o site Coworking Brasil, que monitora o setor por aqui.

No país não há números absolutos sobre faturamento dos coworkings, mas os empreendedores do setor com quem falamos está otimista. O motivo é simples: além do crescimento da inovação, do empreendedorismo e dos profissionais solo, que já vem de mais tempo, os altíssimos custos de aluguel e manutenção de espaços comerciais em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro levaram empresas maiores a alocar o total ou a parte de suas equipes em espaços compartilhados. É só juntar dois e dois: enquanto apenas o aluguel de um escritório de 50 m² na área central de São Paulo pode custar 5 mil reais ao mês, num coworking é possível se gastar 60% menos, com gastos luz, água, internet, faxina, locker e motoby incluídos — e compartilhados.

É por isso que muitas empresas de coworking têm investido em salas privativas ou trabalhando em esquema build to suit (do inglês, “construir para atender”) para receber esses novos players, em salas que acomodam desde duplas de trabalho a times de centenas de pessoas. Essa migração de médias e pequenas empresas para o formato coworking também exigiu de quem empreende nisso uma diversificação maior de produtos.

A GoWork, que tem cinco endereços em São Paulo e 1 500 residentes vem se especializado em atender estes casos. Há estrutura para negócios de até 100 funcionários, e os planos de pagamento podem incluir os serviços básicos, como endereço comercial e motoboy, e também outros mais específicos (como sala de reunião dedicada e contratação de secretária bilíngue). O diretor da Gowork, Diogo Salles, acredita que a migração de empresas pequenas e médias para espaços compartilhados só tende a crescer. “Vemos esse movimento não só devido à crise, mas também pela modernização dos conceitos empresariais”, diz.

Jorge Pacheco, CEO da Plug, que acaba de inaugurar novo espaço em São Paulo.

Jorge Pacheco, CEO da Plug, que tem recebido cada vez mais empresas médias e grandes em seu espaço compartilhado.

A busca por menores custos é o objetivo de qualquer empresa que queira se manter viva e saudável. Mas a atmosfera criativa e o networking, principais ativos do coworking, também serviriam às empresas maiores? Para Jorge Pacheco, CEO da Plug – que tem três endereços na capital paulista e um nos Estados Unidos – a resposta é mais que afirmativa. Na Plug esses clientes representam grande parte do faturamento.

Em 2016, a empresa recebeu empresas de tamanho médio que enxugaram sua operação e se tornaram residentes. “Para eles, a mudança não apenas representou uma redução de custos, mas principalmente uma comodidade que lhes permitiu focar em seus reais objetivos, além de uma comunidade para lhes apoiar e dar força”, conta.

A Plug oferece pacotes com valores que variam entre 550 e 810 reais por mês, com direito a salas de reuniões, impressões, gerenciamento de correspondência, locker e endereço comercial, entre outros serviços que variam de acordo com o plano contratado. No balanço entre clientes solo, startups e empresas de pequeno e médio porte, a empresa prevê fechar 2016 com um faturamento acima de 3,5 milhões.

NOVAS TENDÊNCIAS NUM MERCADO NOVO

Além de empresas migrando para espaços de coworking, outras tendências despontam e tornam este mercado ainda mais interessante. Uma delas é a dos “coworking-club”, que oferece aos residentes a oportunidade de se utilizar outras unidades, estejam elas no mesmo país ou fora dele. Os residentes também podem ter aulas de yoga, dar uma pausa da correria no café e comprar livros e revistas. No Brasil a pioneira neste conceito é a Brain, que nasceu no final de 2016 como spin-off do grupo B4i e já tem cinco endereços em São Paulo, um em Nova York e mais três encaminhados para este ano.

O modelo de negócio dos espaços da Brain tem pontos semelhantes aos do segmento (gestão de correspondência, determinado número de horas em salas de reunião e endereço comercial, por exemplo), mas se distancia em um ponto fundamental: o residente que contrata uma das assinaturas (ou memberships) não está atrelado a apenas um endereço. A gigante norte-americana We Work, com 35 unidades em 14 países, segue proposta semelhante e prevê faturar 532 milhões de dólares em 2016. A Brain não revela seu faturamento, mas o diretor Dirceu Neto, aposta que este é o formato do trabalho do futuro:

“Daqui cinco, 10 anos, as pessoas vão trabalhar e se relacionar com os espaços físicos. Acreditamos que essa relação será muito mais desfragmentada, menos focada em apenas um espaço como é hoje”

Na Brain a assinatura básica (a Flex) custa 299 reais e é de onde vem a maior parte do faturamento. Ela dá acesso a todas as unidades, salões e áreas comuns aqui no Brasil e nos Estados Unidos. Serviços como gestão de correspondência e locker são cobrados à parte. Há, também, a possibilidade de se fazer atividades físicas no espaço, como yoga e spinning. Esses serviços serão oferecidos em algumas unidades, como a de Pinheiros, a mais nova. Ali, a mensalidade das aulas de spinning custará apenas 79 reais, sem limite de número de horas, e já tem fila de espera de residentes. O endereço conta ainda com um café e uma pequena filial da Livraria da Vila.

À FRENTE, MAIS NOVIDADES NO SETOR

Essa tendência de oferecer serviços mais que apenas espaço compartilhado é uma das mais fortes para os próximos anos, na opinião de Ana Carla Fonseca Reis, economista especializada em economia criativa e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV):

“Os coworkings tenderão a se converter cada vez mais em plataformas de serviços compartilhados, para empreendedores, empresas e governos”

Ana Carla aposta também na clusterização por temas ou áreas de interesse, como coworkings para mães com filhos pequenos, como a Casa de Viver, inaugurada em 2015 em São Paulo, ou para chefs que não têm seu próprio restaurante, como a House of Food, também na capital paulista.

A economista Ana Carla Fonseca aposta em coworkings segmentados.

A economista Ana Carla Fonseca aposta em coworkings segmentados.

Outra promessa que já está se realizando é a aproximação das grandes corporações com o universo do trabalho compartilhado, como é o caso do Cubo coworking Itaú (que tem a parte predial sob os cuidados da Plug) e do Google Campus, ambos na capital paulista.

Jorge Pacheco, da Plug, também acredita que muitas das práticas dos coworkings têm sido levadas para dentro de empresas gigantes como a Natura, a Zappos e a Johnson&Johnson, que vêm estimulando a interação e a troca de pessoas de áreas diferentes:

“Acredito que corporações tendem a virar grandes espaços de coworking para alocar prestadores de serviço contratados”

Ele prossegue: “Da mesma forma, algumas corporações também devem identificar a não-necessidade de terem seus espaços próprios, já que com os recursos de tecnologia os colaboradores podem trabalhar de onde quiserem, incluindo espaços de coworking”.

Diante desta realidade, dá para acreditar que o coworking tem, e terá, papel importante na revolução que o mundo do trabalho vem atravessando, em tempos de economia criativa. É para ficar atento aos novos passos deste movimento às vezes assustador, mas fascinante. Ao trabalho!

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