Há três anos, São Paulo ganhou um empreendimento criativo na Praça da Bandeira, Centro da cidade, que não era muito simples de explicar. Sem alarde, a Red Bull Station foi construída em uma antiga subestação de energia e abriu as portas para abrigar festivais, projetos musicais e eventos interessantes para quem quer pensar a cidade de um jeito diferente. Isso está no manifesto do espaço, já que a fabricante das bebidas energéticas (que há muito tempo se assumiu como impulsionadora de artes, esportes e “urban thinking”) tem por política não colocar porta-vozes para falar de seus projetos. Apesar disso, as portas estão abertas e fomos ver de perto o que este laboratório de soluções para centros urbanos tem de especial.
O Red Bull Basement é um projeto criado “reprogramar cidades”, “hackear” esses obstáculos da vida em metrópoles, como o barulho, epidemias e falta de estrutura em regiões carentes. Para muita gente, esses problemas não estão só na conta do poder público. Essas pessoas querem criar soluções, mas não precisam trilhar o caminho “tradicional”, como se formar em Engenharia e se juntar a uma grande empresa, por exemplo.
A ideia do Basement engloba três iniciativas. Um festival de palestras (que discutem tecnologia, cidadania e sustentabilidade) uma residência hacker e um makerspace aberto ao público (mediante inscrição). Esse mesmo espaço serve de oficina para os selecionados para a residência hacker. Durante a segunda edição do festival, no último dia 20 de setembro, ele ficou aberto ao público para visitação.
Para um leigo, tudo parece complicado demais. Mas os residentes já têm intimidade com os equipamentos de ponta, como cortadora à laser, impressoras 3D, corte de vinil e ferramentas em geral. No ano passado, dali saiu uma iniciativa para mapear os espaços no centro da cidade que ajudam os moradores de rua. Agora, na segunda residência, os protótipos incluem dispositivos que podem prever enchentes e até combater o mosquito da dengue.
UM TIME DE MAKERS NA CONCENTRAÇÃO
Toda a turma de residentes enfrentou sua primeira plateia no último dia 20, na Red Bull Station. Lá, o grupo apresentou suas ideias em um pitch de cinco minutos cada. Mas sem glamour: nada de apresentação em Power Point, palco ou microfone. Eles se revezaram em um lobby do terceiro andar do prédio, usando o gogó para ganhar a atenção de quem passava por ali a caminho das palestras do auditório principal. Todos na faixa dos 30 e poucos anos, com um pé nas artes e outro na tecnologia.
O primeiro foi Ricardo Coelho, 31, que garantiu sua vaga no programa desenvolvendo a primeira versão da Sala Bolha, um ambiente inflável para usos diversos que pode ser transportado em uma sacola e criar salas em espaços públicos. A ideia é que a versão final tenha uma estrutura feita de nylon, mas por enquanto Ricardo usou lona soldada com ferro de passar roupas, inflada por um ventilador caseiro para criar o protótipo.
O resultado é um cubo inflável, com um espaço para dois adultos sentarem ou deitarem. “No fim, quero que seja algo fácil de transportar, ou até fazer na sua própria casa. Seja para fazer uma reunião ou escutar um som”, diz o arquiteto de Belo Horizonte. Ele também fala da rotina como residente:
“Temos uma série de encontros com mentores para direcionar o projeto rumo a um produto final interessante e viável de ser produzido com o tempo e verba disponíveis”
Os mentores a quem Ricardo se refere são seis. Andrei Speridião e Wesley Lee dão as orientações em Design, Fernando Orsatti oferece a consultoria em Engenharia, Thiago Avancini colabora com a sua expertise em criatividade e tecnologia, enquanto Heloisa Neves e Fabien Eychenne formam a equipe de planejamento. Todos escolhem quem serão os makers da vez.
Pedro Godoy Filho e Diogo Tolezano também fazem parte desse pessoal. Eles têm uma ideia de utilidade enorme para qualquer cidade que sofre com enchentes, como a capital paulista, a Pluvi.On. A dupla quer desenvolver uma plataforma para disponibilizar previsões metereológicas e colocar nas mãos de qualquer cidadão essas informações, para que possam se proteger e preservar seus bens em uma enchente. Pedro falou, durante seu pitch, que até agora eles têm testado um aparelho com um sensor de umidade e temperatura, no valor de 130 reais. “Uma estação meteorológica custa cerca de 3 mil reais. Nosso dispositivo, por ter esse baixo custo, pode criar uma rede de informações aberta para que outras pessoas também ajudem pensar em soluções para o problema”, diz.
A solução, ou as soluções possíveis, não estão prontas — e essa aparente incompletude faz parte de qualquer processo de inovação aberta. Diogo, 33, seu parceiro de projeto, trabalhou na Artemísia e hoje faz parte da G2T Advisors, consultoria de gestão e processos, e fala a respeito e conta dos planos pós-Basement: “Queremos aproveitar a residência para melhorar esse hardware, construir a rede aberta e, depois, organizar uma hackathon”.
Candidatos para esta rede (desenvolvedores, programadores ou outros hackers) não devem faltar. Isso porque uma das palestras mais concorridas do Festival Red Bull Basement foi justamente sobre prototipagem. Nela, Heloisa Neves, 36, mentora da residência, recebeu Pedro Henrique (o pH) Silva, da Curta Circuitos, e Wesley Schwab, Global SME Transformation (o braço de inovação) da Telefônica, comentaram sobre a importância de se fomentar a criação de hardwares no Brasil. pH fala a respeito:
“O que precisamos é de mais projetos, mais volume, mais ideias. Existe todo um ecossistema de hardware que não precisa de um engenharia complexa”
Ele segue, e diz que hoje “é possível ir do zero ao Led piscando em 10 minutos, graças ao arduíno”. Mesmo assim, pH sabe que o acesso a materiais para construir esse protótipos também deveria mais democrático. Daí a importância de programas com o viés “mão na massa”, como o Basement, lembra Heloisa.
HACKEAR A CIDADE REQUER MUITA MÃO NA MASSA
No dia do festival, os residentes completavam duas semanas montando seus projetos. Pelo curto espaço de tempo, alguns surpreenderam pela maturidade. É o caso do Moskito Livre. Samanta Gimenez Fluture, de São Caetano do Sul e tem mestrado em Tecnologia de Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é a sua idealizadora. O projeto consiste na criação de um kit de dispositivos que usam tecnologia livre e de baixo custo para combater o mosquito da dengue em dois estágios: na criação de ovos em água parada (gerando sua oxigenação) e no uso de repelente eletrônico vestível (prevenindo picadas).
Os primeiros testes estão sendo realizados em comunidades de São Paulo com maior risco de proliferação do mosquito transmissor Aedes Aegypti – onde a umidade e calor ajudam a fêmea a depositar seus ovos. Samanta conta que uma das suas prioridades é desenvolver um aparelho que seja de fácil manuseio, além de barato: “Quero dar um upgrade para analisar uma quantidade maior de água. O maior desafio é transformar isso em algo que possa ajudar regiões mais quentes de São Paulo”.
Na residência hacker do Basement, há também criações mais artísticas, que não focam em necessidades tão urgentes, mas propõem interações sociais diferentes. O “Pontos cegos, surdos e mudos de SP”, por exemplo, é uma ideia que surgiu para a mineira Sara Lane da Costa de uma inquietude: “Eu me atormento com a proliferação de câmeras de segurança, com essa questão de privacidade”, diz. Assim, ela pensou em mapear os pontos da capital onde as pessoas podem se tornar “invisíveis” para esses aparatos.
Já a dupla Giovanna Casimiro e Lina Lopes, quiseram promover uma interação por meio de uma cadeira. Ou melhor, Balanço InterAfetivo. Ele se acende quando as pessoas sentam sobre eles ou tocam em outras pessoas, enquanto sentadas. O projeto usa baixa quantidade de energia para iluminar os espaços, e foi pensado para integrar pontos diversos da cidade. “Existe poucos projetos de arte open source. A gente espera que eles se multipliquem pela cidade”, diz Giovanna, 25.
PRÁTICA INTENSA PARA TESTAR RÁPIDO
Cada residente do Basement tem uma verba de até 4 mil reais para investir no projeto, mediante apresentação e aprovação da proposta de desenvolvimento do protótipo. Por enquanto, todos os custos estão longe da marca, visto que os makers geralmente usam materiais (circuitos, lâmpadas, sensores e afins) bem acessíveis. Além disso, durante esses dois meses, eles recebem uma ajuda de custo mensal 1,5 mil reais (para São Paulo) ou 2 mil reais (fora da capital), com almoço à parte. A estrutura ajuda bastante, dizem os residentes, que esperam estar com a melhor versão de seus produtos em mãos até 7 de outubro, quando a etapa de “incubação” na Red Bull Station termina.
Até lá, o time de mentoria e apoio aos residentes se encontra com eles semanalmente, além de trocar informações constantemente por WhatsApp. O mentor Andrei Speridião, 26, fala a respeito:
“Nosso maior objetivo é fomentar e dar acesso a pessoas que querem melhorar a cidade a partir da união de tecnologia e propósito, com um viés humano”
Para ele, o programa segue a mesma linha dos Fab Labs e espaços de troca de ideias e colaboração urbana, e por isso tem potencial para gerar projetos de ativismo sociais. “Criar protótipos de qualidade em um curto espaço de tempo demanda conhecimento de sofware e muita prática”, afirma Wesley Schwab durante o festival. Pelo visto, as cabeças pensantes trancadas no “porão de criação” do Red Bull Basement já aprenderam essa lição no primeiro dia.
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