Lala Deheinzelin é costureira de futuros, ainda que em sua carteira de trabalho conste apenas coreógrafa. Deixou as artes há mais de vinte anos e hoje em dia se apresenta como futurista. Se precisar ser mais formal, assina como especialista em Economia Criativa, há 15 anos trabalhando no Brasil com o Sebrae e pelo mundo com o PNUD, agência da ONU. Foi a partir desta experiência que Lala criou a Visão 4D, um conjunto de ferramentas para encontrar e viabilizar recursos latentes, sintetizadas a partir de experiências em quatro continentes. Agora, pela primeira vez, Lala está cocriando um arranjo produtivo que também vai dar conta do seu futuro profissional: a rede Fluxonomia 4D.
No último dia 29 aconteceu o primeiro encontro telepresencial de formação da rede, que reuniu 222 participantes em 19 cidades para estudar as ferramentas que serão utilizadas em sua construção. A proposta tem como base um fundo operando na lógica do crowdequitty — o financiamento coletivo onde os apoiadores se tornam parceiros ou sócios dos apoiados. Os projetos e ações apoiados por este fundo retornarão a ele os recursos que produzirem, retroalimentando a rede.
E aí vem uma sacada de Lala: a compreensão de que recurso não é (apenas) igual a dinheiro e que podemos creditar tanto recursos financeiros como os culturais (conhecimento, processos); ambientais (infraestrutura); sociais (parcerias e acesso a redes) e solidárias (tempo). Tempo, principalmente, o único recurso escasso. Além disso, a rede quer agora testar ferramentas para atribuir valor e tangibilizar aspectos sensíveis como satisfação, criatividade, transformação, afeto, paz.
Se a proposta funcionar, quem possuir esses recursos em abundância poderá compartilhá-los com a Fluxonomia 4D e ser creditado por isso. O fundo em Crowdequitty pretende se desenvolver em um banco capaz de lidar com essa diversidade. A ideia é realizar o banco já em 2016, abrindo caminho para uma moeda própria em 2017.
A primeira iniciativa a alimentar o fundo será um canal de vídeo na Netshowme, plataforma online que vende acesso a conteúdo. Lala já tem a demanda pelo material que desenvolve, e pretende sistematizar tudo isso no novo canal, que também dará voz aos demais envolvidos na rede. O retorno será o início do fundo comum da Fluxonomia 4D. Outras iniciativas também estão sendo costuradas dentro da rede e devem tomar forma nos próximos meses.
NOVAS LENTES PARA VER RECURSOS QUE EXISTEM, MAS SÃO NEGLIGENCIADOS
Lala propõe que não há falta de recursos, eles existem em abundância mas, como estão distribuídos pela rede, seguem dormentes. Precisam convergir em uma ação comum para alcançar potencial disruptivo. Ela aplicou essa ideia às décadas de experiência direta com transformadores criativos e tirou daí a sua maior síntese: a Visão 4D. E isso não é pouco para uma pessoa que se apresenta, às vezes, como sintetista:
“Escassez é falta de visão e se dissolve quando você enxerga a abundância ao nosso redor. Quando você vê o que tem, percebe que é suficiente”
A Visão 4D é um método de observação sistemática de quatro dimensões — cultural, ambiental, social e financeira – em busca de quatro economias exponenciais: criativa, compartilhada, colaborativa e multivalor. Exponencial é o que pode acontecer quando o potencial disperso da rede converge em uma mesma ação.
1. A Economia Criativa se dá na dimensão da cultura e gera valor a partir dos intangíveis, ou seja, o valor que não está na coisa material. A atual onda das experiências pague-quanto-acha-que-deve, como a Ecozinha, o Instituto Chão, o Curto Café e o Preto Café está testando essa área e seus resultados são muito interessantes.
2. A Economia Compartilhada acontece na dimensão tecno ambiental e gera valor por meio do compartilhamento de infraestruturas disponíveis. Você não precisa da furadeira, mas do furo. Não precisa da garagem, mas do carro em segurança. A tecnologia permite mapear e botar para fluir a capacidade desperdiçada de espaços, equipamentos, materiais e, até, conhecimentos. Experiências como o Tem Açúcar, Clube do Brinquedo e a House of Bubbles atuam nesse nicho.
3. A Economia Colaborativa olha para o modelo de gestão. Está na dimensão social e gera valor quando muitos, pequenos e diversos, formam rede e ganham escala. Propõe o desenvolvimento local de software público, construindo mecanismos para que vizinhanças resolvam seus problemas. “O governo trava por uma questão aritmética: impossível xis mil cuidar de ypsilone milhões. Temos que distribuir”, diz, apontando que o estado precisa abrir caminho para a cogestão. Aí residem exemplos como o da Wikipraça e Endossa, entre outros.
4. Finalmente, a Ecomia Multivalor acontece na dimensão financeira, que no entender de Lala deveria se chamar dimensão do resultado, do valor, da colheita, não da moeda. “Enquanto o resultado for igual a grana, nunca um projeto será sustentável de fato”, diz. Na Economia Multivalor está o grande desafio da Fluxonomia: operar ferramentas para fluir e equilibrar recursos não apenas monetários, levando em conta na mesma balança resultados sociais, ambientais, financeiros e culturais.
UMA VIDA EM ESPIRAL, ARCO ÍRIS, YIN YANG
As ferramentas 4D possivelmente são o trabalho que Lala realizou em sua vida com maior alcance, mesmo se você considerar que essa paulistana foi atriz da Globo e fez novela das oito, Vale Tudo, um clássico dos anos 80. Lala era Cecília que, junto com Laís, formou um dos primeiros casais de mulheres na televisão brasileira. Ela poderia ter seguido por lá, jovem atriz global, mas pulou fora depois de As Noivas de Copacabana.
Um ano após seu último trabalho na televisão, se encantou por uma casa no morro do Querosene, perto da USP, na zona oeste da capital paulista. Melhor, pela possibilidade de casa, porque aquela estava caída. Comprou um terreno grande com um sobrado de três andares na frente e uma casa térrea no fundo, “mas essa casinha estava podre. Hoje mora minha filha, olha ela ali”, e aponta para a filha varrendo os fundos do imóvel.
Nós conversamos em seu quintal, a poucos metros de um chafariz multicor onde um casal pardal tomava banho em uma São Paulo de 35oC. O chafariz é azul, roxo e violeta, no centro de uma fonte laranja azulejada. Lala, também toda colorida, de vestido roxo com rendas que desenham flores. No peito, uma espiral. Um colar de madrepérola, a parede da frente de sua casa e o chão de concreto queimado tem em comum o desenho da espiral. Existem mais formas, “yin yangs, arco irís e borboletas também, não esquece de colocar, todos símbolos de transformação”, diz Lala, sobre seu jardim e sua casa.
Entre o quintal e a cozinha existe um cômodo de madeira, um escritório cheio de livros e quadros. Ali trabalha Dina Cardoso, braço direito que há cinco anos toca junto com Lala o Movimento Crie Futuros, que desenvolve metodologias e plataformas digitais para facilitar a criação de futuros desejáveis. Após duas horas de entrevista no quintal, fomos para o escritório falar sobre a transição da consciência humana e sobre o almoço, que a fada Léa, de passagem pela casa, estava terminando de cozinhar.
É nesta sala que a futurista compartilha uma dificuldade recorrente em sua comunicação. Ela entende que usa conceitos novos e que, às vezes, consegue ver quando seus interlocutores se perdem na complexidade das ideias. Às vezes, tem medo de parecer meio doida. Ou seja, uma pessoa comum.
Ao que Dina responde: “Escuta Lala, quero te falar uma coisa. Sabe aquela ideia de parar de afirmar as negativas? Então, você precisa parar de falar isso. Claro que tem o que melhorar, sempre, mas você tá bem, fica tranquila”. Ao que Lala responde, para mim: “Bom, a apresentação sobre o 4D chegou a ter mais de 100 slides. Agora estou com 15, cada vez melhor, né?”.
Um fato é: Lala é carismática. Tem ideias interessantes e sabe apresentá-las, sabe falar e se posicionar. Dê uma olhada nessa fala no TEDxJardins. Ela também participou no TEDxMontevideo e TEdxPorto, mas o fala dos Jardins é a que mais gosta.
Lhe pergunto, então, o que mais precisou mudar ao longo da vida e ela traz outra angústia pessoal. Em 2010, se viu propondo futuros desejáveis para outros enquanto levava uma vida totalmente indesejada. Exausta, viajando pelo mundo sem saber que dia era. Em julho daquele ano fez as contas e descobriu que até dezembro teria completado 22 dias em casa. Isso bateu fundo. Ela ainda não conseguiu resolver a questão, pois está sempre subindo e descendo de aviões, já que hoje vive principalmente da renda de suas palestras e cursos. Mas ela pretende mudar isso nos próximos meses.
CRIANDO A REDE FLUXONOMIA 4D
Lala gosta da metáfora do trabalho-pomar em oposição à do trabalho-árvore. “Normalmente as empresas e governos pegam um artista, um grupo ou um criativo para bancar. Deixam uma árvore de pé e, assim, acreditam que estão protegendo a natureza”, diz, referindo-se ao trabalho-árvore. Com a Fluxonomia, ela vai tentar seu primeiro trabalho-pomar: “Um pomar dá condições para todas as árvores, inclusive outras plantas e bichos. E de repente não é macieira que vai dar aqui, mas a jabuticaba já veio com tudo”.
A rede está em seu momento piloto, buscando referências de ferramentas para construir suas próprias. Realiza este mês os “Cursos preparatórios para a FormaAção em Fluxonomia 4D 2016”. A participação nos dois encontros tem um custo de 500 reais para participantes de São Paulo, que farão o encontro presencialmente, e 100 reais para os de outras cidades, que participarão por telepresença. Mais informações sobre o encontro podem ser encontradas no evento do Facebook ou no site de Lala.
O trabalho da futurista é tecer os futuros desejados, possíveis, mesmo que não prováveis. A rede Fluxonomia 4D se encaixa nessa categoria. É uma proposta ousada e nos próximos meses nós poderemos observar como Lala vai aplicar suas ferramentas em seu próprio futuro possível, mas não provável. Promete ser interessante.
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