Hoje no cardápio temos… Salsada. Prepare-se para a lista de ingredientes: eles atuam em educação (cursos e palestras), concepção (de produtos e serviços) e intermediação (de empresas com festas regionais, de chefs de cozinha com pequenos produtores, de iniciativas locais com o governo).
Olhe para a mesa: a gastronomia. Sim, ela, que virou um assunto do qual todo mundo de repente começou a gostar de falar, seja na volta de uma viagem com roteiro pelos melhores restaurantes, seja nas receitas criadas pelos participantes daquele reality show da TV aberta, seja no Facebook, na capa de revista, no Instagram… Gastronomia é pop, é na moda.
Sinta o cheiro de oportunidade: como efeito desse boom da gastronomia, os chefs ganharam visibilidade (estão até em propagandas de bancos populares) e a gourmetização contaminou do PF da padaria da esquina aos produtos das prateleiras do supermercado. Porém, para além do status, o fato é que pouca gente realmente se dedica a olhar esse mercado com mais profundidade.
É aí que entra a turma de fundadores da Salsada. A empreitada nasceu da união de alguns proprietários da Inesplorato (que faz curadoria de conhecimento) com profissionais do setor, como Helena, ou Lena, Mattar (ex-Noz Moscada), que passaram a estudar juntos o setor.
GASTRONOMIA É POP, ALIMENTAÇÃO É POBRE — AÍ ESTÁ A OPORTUNIDADE
Eles levantaram alguns números para entender onde estavam se metendo. As pesquisas indicaram dados como o de que 70% dos alimentos que estão em nossas mesas são produzidos por agricultores familiares que são responsáveis por 77% dos empregos no setor agrícola. Ou que existem 30 mil espécies vegetais comestíveis, mas apenas 20 delas respondem por 90% dos alimentos consumidos. Ou, ainda, que vivemos em um planeta onde 1,3 bilhão de toneladas de comida são desperdiçadas anualmente enquanto 795 milhões de pessoas passam fome.
Ao mesmo tempo em que a gastronomia goza de seu maior prestígio, a alimentação ainda é um desafio enorme, se pensarmos que é preciso alimentar os mais de 7 bilhões de habitantes no mundo – um número que deve crescer para 9 bilhões até 2050. Havia um nicho a ser explorado. Lena fala a respeito:
“Escolhemos trabalhar com alimentação porque ela tem um papel muito importante não só pra construção da identidade brasileira, mas também é essencial em termos culturais, econômicos, sociais, políticos e ambientais”
E mais: “As oportunidades de atuação são diversas e a necessidade por melhorias é grande e urgente”, diz ela, que é formada em Publicidade mas nos últimos anos trabalhou em restaurantes e com comunicação para clientes da área antes de embarcar na Salsada.
A empresa nasceu com um plano financeiro (afinal, é preciso que dê dinheiro!), mas firmemente calcada em um propósito: o de criar e fortalecer elos dentro do universo da alimentação brasileira. A ideia é ligar diferentes agentes dessa complexa cadeia por meio do fomento a educação, autonomia e segurança alimentar bem como o desenvolvimento de produtos e marcas com impacto positivo para toda a cadeia e para o meio ambiente, além da promoção da diversidade cultural alimentar brasileira. Ufa!
Pode parecer meio ilusório dito assim, mas os sócios fizeram bem a lição de casa no primeiro ano (em que se dedicaram unicamente a pesquisar o mercado) para colocar a empresa de pé – e pensar nas várias frentes em que fosse possível trabalhar seguindo um Norte: o de criar relações e conhecimentos mais profundos sobre a alimentação no Brasil. “O objetivo maior é contribuir para o desenvolvimento do universo da alimentação brasileira. Isso porque acreditamos que seja possível, e necessário, que empresas aliem seus interesses financeiros aos interesses da população e do planeta. Até porque, caso contrário, o que o futuro nos reservará não será nada bom, para nenhum dos lados”, afirma Lena.
Dessa forma, eles conceberam as três grandes frentes de trabalho anunciadas lá no início desse texto: educação, para desenvolver o repertório de profissionais do mercado (de alunos de gastronomia recém-formados a executivos do setor) através de cursos e treinamentos sobre o universo da alimentação e as complexidades políticas e sociais existentes na cadeia; intermediação entre os agentes da cadeia de alimentos, como empresas e chefs, órgãos governamentais e cozinheiros, além de fazendeiros e até agentes de turismo e, por último, a concepção de produtos, serviços e marcas que queiram contribuir para o desenvolvimento da alimentação brasileira.
EM BUSCA DA FÓRMULA MÁGICA DE GANHAR DINHEIRO COM PROPÓSITO
Nesse último ponto é que a Salsada, com pouco mais de um ano, conseguiu dar seus primeiros passos para tornar realidade o que haviam planejado com tanto afinco. “Ajudamos uma grande empresa a criar uma linha de frangos sem antibióticos, concebemos uma cachaça orgânica com foco em exportação e ajudamos a dar vida a uma nova bebida que introduziu uma categoria no país”, conta Lena.
Vale falar mais deste último: trata-se do Kiro, o primeiro switchel (a saber: bebida refrescante feita com vinagre de maçã, gengibre e água) do Brasil. Criada pelos sócios Gustavo Reis, chef de cozinha, e Leeward Wang, administrador de empresas, a bebida não-alcoólica, que é conhecida também como “Gatorade natural” por suas propriedades isotônicas, foi o primeiro projeto apadrinhado pela Salsada.
“Ficamos encantados com a ideia e resolvemos abraçar. Ajudamos desde o início, da concepção ao rótulo, passando por um trabalho de auxiliar os sócios a buscarem fornecedores que pudessem ter um impacto positivo para a produção da bebida, como fazendeiros de gengibre orgânicos”, conta Lena. Neste caso, a remuneração da Salsada está atrelada ao sucesso do produto. Atualmente, a bebida é vendida em restaurantes e alguns mercados em São Paulo e a ideia é expandir para outras cidades do país.
A Salsada também foi chamada para fazer treinamentos para uma grande multinacional do setor, na parte que a empresa entende como um dos pilares da educação. “Eles nos procuraram para que a gente pudesse atualizá-los com relação aos principais movimentos e cenários da alimentação hoje. É muito legal ver empresas desse porte querendo entender como o mercado está se locomovendo”, diz ela.
“Queremos realmente criar impacto, que eles entendam a necessidade de fazer mudanças, mesmo que elas demorem a acontecer nesses ambientes. E, acima de tudo, evitar dar munição para que eles façam greenwash, o que seria o contrário do nosso propósito, né?”, prossegue, lembrando que há muitas companhias no segmento que aproveitaram a onda para criar conceitos sustentáveis que soam bem mas, na prática, são ideias vazias simplesmente impressas na embalagem dos mesmos produtos de sempre.
COMBATENDO O BLABLABLÁ
Lena conta que quando desenvolvem algum projeto para uma grande empresa, o trabalho sempre passa por trazer essas questões do setor para profissionais que acabam se distanciando da realidade da cadeia produtiva por estarem num escritório em alguma grande cidade. “É aquela história dos profissionais da cidade terem que tratar de questões relacionadas ao campo, mesmo estando muito longe da realidade deste”, diz. E fala de como é, na prática, servir de “elo” entre universos que muitas vezes sequer se conhecem direito:
“Nossa missão é apresentar as fraquezas da cadeia, abordar questões relacionadas às relações trabalhistas, criação, tendências de consumo e mais. Fazer a tradução entre essas duas esferas para que elas possam se comunicar melhor”
A Salsada também está desenvolvendo um curso para profissionais, especialmente de gastronomia, que acabam de sair do mercado. “Esse curso nasceu da aflição de vermos milhares de recém-formados em gastronomia com currículos quase 100% focado em técnicas. Falta conhecimento da história do sistema agroalimentar, do sistema de produção de alimentos e muito mais”, diz. O curso deve ser lançado em 2018.
Os sócios também querem atuar no braço de intermediação. O plano é desenvolver projetos com o governo para atuar em questões mais amplas da alimentação. “Até hoje as secretarias de turismo têm muita dificuldade em difundir roteiros gastronômicos, sendo que o Brasil é um país de culturas gastronômicas muito ricas e diversas”, diz Lena, apontando a oportunidade.
A Salsada já levantou dados para uma ambição e tanto: eles querem promover um resgate das festas populares brasileiras que envolvam a alimentação e ingredientes e tentar criar uma cadeia mais “profissional” nesse sentido, ligando produtores, público, e iniciativas privadas e públicas. Na mira, festas regionais como a do Morango, em Atibaia (SP) e a da Polenta, em Santa Olímpia (SP).
Até que todos os projetos deslanchem, a Salsada já tem muita coisa para fazer. Talvez eles se sintam como alguém diante de um buffet daqueles com dezenas de pratos: há muito para fazer. “Existem problemas muito estruturais, como concentração de terras, relações trabalhistas injustas, falta de políticas públicas, falta de educação, falta de conscientização e por aí vai. É realmente um universo complexo que se liga a muitas outras esferas de nossas vidas”, diz Lena, que fala de como é importante que os propósitos pessoal e profissional estejam alinhados: “Isso é fundamental em casos assim, em que é preciso ter muita persistência”. E ela tem fome.
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