Quando a família da empreendedora carioca Monique Corrêa, 33, preparava-se para uma viagem de réveillon, surgiram — ao mesmo tempo — um problema e uma startup. Sem poder levar os quatro vira-latas da sobrinha Nara, 14, a família acionou a vizinha, que se dispôs a cuidar de Piquitita, Bella e Nina (duas cadelas e uma gata) mas não de Negrito, o cãozinho “arteiro demais”. Passados alguns meses, a lembrança daquela aflição foi a peça que faltava para primeiro empreendimento solo de Monique. Estava dada a largada para PetRoomie.
Plataforma online nos moldes da americana Airbnb, em que pessoas anunciam hospedagem domésticas e negociam diretamente com os futuros viajantes, a PetRoomie é um site onde donos e não-donos de cães e gatos negociam cuidados de seus bichinhos. O cadastro é gratuito tanto para quem quer cuidar como para quem quer ter o pet cuidado. Para gerar o anúncio é preciso disponibilizar dados como conta bancária e endereço (que ficam ocultos) e, dependendo do cadastro, foto da casa.
Há dois tipos hospedagem: pernoite e creche (horário comercial) e ainda o modelo chamado pet sitter, mais comum para gatos, em que a pessoa vai até a casa do animal e, durante a hora permanece lá, limpa areia, troca água e comida, brinca e dá carinho. No caso de cachorros, é possível contratar um dog walker. São as partes interessadas que determinam o valor do serviço. A média, em São Paulo e no Rio, tem sido 45 reais. O pagamento é feito por meio da plataforma, que sobretaxa em 10% quem está contratando e desconta 5% de quem está oferecendo o serviço. Esse é o modelo de negócio.
“Estamos muitos inseridos no movimento de economia colaborativa, por isso os anúncios são gratuitos. A gente só ganha quando todo mundo ganha”
Seu diferencial em relação a hospedagens tradicionais é o lado humano, já que quem se propõe a cuidar de um animal o faz menos por dinheiro e mais por gosto. “A ideia é gerarmos uma hospedagem mais amorosa das de hotéis, canis e gatis. Os membros da comunidade são amantes de animais que dedicam um tempo ao bicho de outro membro como se fosse deles’’, diz Monique.
Dona de dois gatos, Kiko, de 10 anos, e Totoro, de dois, Monique também já teve cachorro (um yorkshire, na adolescência) e sempre gostou de bichos. Mas nunca tinha pensando em trabalhar com eles. Formada em farmácia, trabalhou em laboratório, com pesquisa e controle de qualidade, e em indústria, com assuntos regulatórios. “Tenho uma formação muito técnica e comecei a sentir que fazia sempre a mesma coisa, sem desafios. Fiz MBA e cheguei a mudar de área na farmácia mas, passado um tempo, vi que estava infeliz de novo. Eu, que adoro natureza e gente, me via apenas diante de tubos de ensaio e papelada”, conta, rindo.
ENCONTRAR EM QUÊ EMPREENDER LEVA TEMPO
Em meados de 2012, Monique conheceu um grupo de empreendedores que já trabalhava havia três anos em uma empresa de geração de energia sustentável. Viu ali a possibilidade de sair da indústria farmacêutica tendo o mesmo retorno financeiro e ainda empreender em um projeto de sustentabilidade, algo em que sempre foi engajada. Tornou-se sócia, trabalhou entre Rio, São Paulo e Europa, mas deixaria o posto um ano depois. “Era aquele modelo clássico de empresa, em que todo mundo perde a vida pessoal e só trabalha. Isso não quero pra mim nem pra ninguém”, diz. “Continuo sócia minoritária, mas não participo mais da operação”.
A experiência, apesar de frustrante, foi boa: fez Monique perder o medo de empreender. Ela saiu da empresa sem pensar duas vezes e teve o apoio dos pais e do marido. “O apoio familiar é essencial nessa hora até porque eu não ia ter renda num primeiro momento. Mas meu marido falou ‘vai lá, a gente tá junto’. Voltar pra indústria farmacêutica não era opção e comecei a pesquisar quais negócios faziam sentido pra mim.”
Encontrou, na internet, duas referências com as quais se identificou. De um lado, o Unpackage londrino (que já fechou) e o Original Unverpackt berlinense, mini mercados de produtos preponderantemente orgânicos vendidos a granel (em que o consumidor traz a embalagem para acomodar o produto). Do outro, a americana Dog Vacay, uma plataforma semelhante à sua PetRoomie, mas voltada apenas para cães.
Monique estava avaliando negócios e foi pragmática. “Em relação ao mini mercado, pensei na especulação imobiliária. Estou no Rio de Janeiro e o nível de investimento seria muito alto. Além disso, montar um negócio de varejo sozinha é muito cruel”, conta.
Ela foi atrás de números e descobriu, na Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação), que o mercado pet do Brasil é o segundo maior do mundo em faturamento, atrás apenas dos EUA. “Tudo o que é produto e serviço para animal de estimação girou, no último ano, em torno de 13 bilhões de reais e com um crescimento em serviço estimado de 13% ao ano. Ou seja, muito melhor do que nossa economia geral”, diz. A história com a sobrinha foi só a gota que faltava.
ACHAR O NICHO, ARRISCAR, ERRAR
Na verdade, ainda faltava bastante coisa. Primeiro, ela definiu que sua empresa, diferentemente da Doc Vacay, teria também gatos. “No Brasil ainda o número de cães é maior, mas o de gatos domésticos está aumentando, até pelo ritmo de vida das pessoas. Gatos demandam menos, não precisam passear. E havia uma questão pessoal, já que uma empresa sem gatos não me atenderia”, diz.
O próximo passo seria desenvolver a plataforma, ou seja, tecnologia pura. Este foi o seu grande erro, embora Monique não tenha certeza se deve considerá-lo como tal. Ela pesquisou e pediu indicações de uma empresa que conseguisse colocar o site no ar no timing perfeito, em apenas quatro meses. O erro? “Ganhei agilidade no início do meu negócio, mas está pesando agora porque a linguagem de programação que escolhi demanda o profissional mais caro do mercado. Para uma startup, isso é ruim. Ao mesmo tempo, foi bom porque consegui comprovar o meu modelo de negócio”, diz ela.
“O erro e o acerto são dinâmicos, o seu acerto num dia pode não funcionar depois e você muda, sem apego.”
Monique conta que um dos seus maiores medos era lançar o site e ninguém entrar. Sua estratégia de divulgação foi, segundo ela, totalmente manual: entrou em todos os grupos sobre cachorros e gatos no Facebook e contou sobre a PetRoomie. Publicou também em páginas ligadas a bem estar animal, como o veganismo. “Eu postava ‘Olha a plataforma que eu tô lançando, entra lá, dá um feedback’. Chegou uma hora que meu Facebook não tinha mais amigo, só bicho”, lembra, rindo.
No ar desde novembro do ano passado, o site já tem cerca de 1 000 inscritos. Opera em todo território nacional — com plano de expansão para o exterior — e tem, por enquanto, anfitriões em 15 estados. A maior parte dos inscritos está em São Paulo e no Rio, com maior concentração em terras cariocas. “Como a sede é no Rio, consigo fazer mais divulgação, participar de eventos”, diz Monique, que até bem pouco tempo trabalhava sozinha. Ela acaba de contratar sua primeira estagiária.
Em vias de mudança para o Rio Criativo, incubadora do Governo do Estado do Rio de Janeiro para novos projetos, a sede da PetRoomie, por enquanto, está na Goma, associação de empreendedorismo em rede com foco em inovação social, economia criativa e design sustentável. Lá, trabalha em um esquema chamado “rolezinho”: paga 400 reais por mês e vai apenas alguns dias por semana.
Desde que entrou no ar, o rendimento mensal tem sido cerca de 1 000 reais. Ainda não paga o investimento inicial de 150 mil, feito por dois sócios (o pai e um amigo do pai de Monique) que entraram apenas com o dinheiro. “Eles abraçaram o projeto quase como investidores anjo, embora eu os conheça. Temos sociedade igualitária, mas eu entrei com a mão na massa. Não tem taxa de retorno prevista, apenas quando tiver pro-labore”, conta a empreendedora.
Isso deve acontecer, segundo o planejamento de Monique, antes dos três anos que ela imagina que irá levar até conseguir faturar 1 milhão de reais por ano. Nesse tempo, ela espera que sua equipe já tenha umas 30 pessoas e o site ofereça hospedagem e cuidados também para outros bichos, como chinchilas, coelhos e porquinhos-da-índia.
“Em uma startup, o plano de negócio muda muito. Sei disso porque converso bastante com amigos que estão empreendendo. É legal você ter uma rede de pessoas na mesma situação. É quase como uma rede de autoajuda”
Um mês depois de lançar a PetRoomie, Kiko e Totoro já estavam cadastrados. Monique ia viajar para o Sul e, desta vez, não precisou pedir para que o porteiro cuidasse dos gatos. “A experiência foi sensacional porque vi a diferença entre alguém que apenas faz o pró-forma e a pessoa que cuida porque ama bicho. A menina que visitou eles foi incrível, até postou fotos agarrando os gatos, dando beijo”. Nesse caso, é bom para a startup que os donos não sejam muito ciumentos.