Você está andando na rua, mas, quando vai atravessá-la, brinca mentalmente de pisar apenas nas faixas brancas. Ou, então, quando está atrasado com o trabalho, diz para si que, se conseguir entregar no prazo, poderá comer aquela sobremesa no jantar. Você pode nunca ter pegado num controle de videogame nem gostar de tabuleiros, mas há diversos processos de jogos na sua vida. No fundo, transformamos nossa rotina num grande game. E é dessa premissa que nasce o gamification.
Muitos acreditam que os conceitos de jogos podem ser aplicados conscientemente para incentivar pessoas a serem mais produtivas ou deixar os ambientes de trabalho mais agradáveis. Quem aposta nisso é o pessoal da Opusphere, uma startup de Campinas que pensa e desenvolve processos de gamification para corporações.
Criada por Alexandre Olivieri e Marcel Leal, a empresa com pouco mais de um ano de operação já ajudou diversas companhias a transformarem seus funcionários em jogadores. “A Opusphere nasceu de uma dor que sentíamos no mundo corporativo: existe uma geração e trabalhadores que não se adapta muito bem aos processos tradicionais, às ferramentas ortodoxas oferecidas pelas empresas. O mercado dava sempre as mesmas coisas – e nós, como jogadores e executivos, vimos no gamification uma oportunidade de mudar”, diz Alexandre.
Os dois fundadores, que têm 39 anos, jogam videogames desde os anos 80, quando o Atari chegou ao Brasil. De lá para cá, acompanharam cada geração de consoles. Alexandre, por exemplo, adora chegar em casa no fim do dia, ligar o PS4 e passar a noite jogando e conversando virtualmente com seus amigos. Ele trabalhou mais de 15 anos com Pesquisa & Desenvolvimento no setor de TI, ocupando posições de liderança na Motorola e na Ci&T. Marcel é designer e ilustrador desde 96 e já passou por todo tipo de projeto até tornar-se diretor de criação e marketing na Elemídia, empresa de mídia indoor.
FALIR PODE SER A MELHOR LIÇÃO PARA ENCONTRAR O SUCESSO
Em 2010, ambos se juntaram a outros dois sócios para criar a Ocroma, uma startup de realidade aumentada. Era um serviço em que você apontava a câmera de seu celular para alguma direção e via o local colorido por um artista. Insistiram na ideia por um ano, mas quando foram vender o produto, perceberam que o modelo de negócios estava furado. A empresa não deu certo. No entanto, da experiência tiraram importantes lições que carregam em suas bagagens e que Alexandre nos enumera:
1) Se você empreender sem dedicação integral a seu negócio, as chances de sucesso ficam muito reduzidas;
2) Get out of the building! Antes de desenvolver um produto, circule pelo mercado e estude suas dores;
3) É crucial montar uma equipe com pessoas de perfis realmente diferentes. Não adianta achar que multidisciplinaridade é ter um cara bom em tal linguagem de programação e um em outra. Não: é ter um com perfil comercial, outro com perfil técnico, outro bom de marketing etc.
Com essas lições na cabeça e mais um monte de ideias martelando no universo do gamification, a história seria diferente dessa vez, em 2013, quando o bichinho do empreendedorismo voltou a picar os dois amigos. Na époda, Alexandre estava fazendo um curso de empreendedorismo com Renato Toi, investidor e empreendedor serial, quando o professor disse que estava pensando em abrir uma aceleradora chamada Baita e convidou Alexandre a desenvolver a Opusphere com a ajuda deles. “Eu ainda estava amadurecendo a ideia da empresa, até aquela conversa. Ele me fez a proposta no sábado, na segunda-feira eu estava pedindo a conta e convidando o Marcel para vir junto comigo”, conta Alexandre.
Ele e seu sócio conversaram com as famílias, pegaram o dinheiro que haviam guardado no banco, e entraram no negócio. “Tivemos apoio total. Minha esposa, que é fotógrafa, está acostumada com essas maluquices, principalmente porque eu já havia trabalhado como freela por alguns anos”, diz Marcel.
Ser a primeira startup de uma aceleradora tem suas vantagens. A Opusphere se tornou a “aluna única” da Baita – era um teste tanto para aceleradores quanto para acelerados. Eles ficaram alocados no núcleo da Softex, dentro da Unicamp, onde puderam contar com todo o corpo de mentores da aceleradora. Enquanto um processo de aceleração convencional dura entre três e seis meses, o da Opusphere durou o ano de 2013 inteiro. Alexandre comenta sobre o processo:
“Como saímos do mercado corporativo, onde tudo é mais quadradinho e certinho, o contato com empreendedores experientes foi muito útil. A aceleradora te questiona, te cobra resultados, te faz usar metodologias. Te dá uma nova disciplina e te tira da zona de conforto”
Nesse processo, aplicaram bem uma das lições que aprenderam na aventura fracassada da Ocroma: saíram para entender o mercado – pegaram uma lista de 30, 40 empresas de ex-alunos da Unicamp e foram entrevista-los para saber quais eram suas necessidades. Só depois desse processo, que durou quase nove meses, e de estudarem várias coisas relacionadas a empreendedorismo e game design, é que eles foram capazes de desenvolver o Wannadoo, seu primeiro produto: um jogo corporativo focado em resolver problemas de gestão de performance.
Foi, então, que eles perceberam que o que um funcionário mais deseja numa empresa é ser reconhecido. E nem sempre há ferramentas eficientes para tanto. Por isso, no Wannadoo, departamentos são divididos em vilarejos, onde os funcionários podem elogiar o trabalho de colegas, ganhar itens no jogo etc. “Em um dos nossos clientes, o vilarejo com melhor desempenho chegou a reduzir o turnover em 61%”, conta Marcel. “O curioso é que pensávamos muito na questão funcional e alguns dos feedbacks que recebíamos eram de pessoas perguntando quando iria sair uma roupinha nova do personagem”. Desde que foi lançado, o jogo teve mais de 100 atualizações.
Logo, também, eles notaram que diferentes corporações têm diferentes necessidades, atendidas por jogos e processos diversos. Então, começaram a criar outros games, como o Trade Rally, desenvolvido em conjunto com um cliente, a Solvian, e que tem caráter mais competitivo, já que é voltado a trade marketing. Outro game que a Opusphere desenvolveu foi o Willings – uma ferramenta para os funcionários compartilharem metas e métricas de forma lúdica, sem dependerem de “gráficos chatos”.
No entanto, a menina dos olhos da empresa é o Ludome, primeiro game que eles desenvolvem pensando no mercado de educação – “o maior nicho, depois do corporativo”, diz Alexandre. O jogo foi financiado pelo PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas), programa da Fapesp que visa fomentar a inovação e é dividido em três fases. O Ludome foi aprovado na primeira, que dá um aporte de até 200 mil reais a empresa validar seu produto no mercado. Agora que o primeiro ciclo está quase completo, os empreendedores irão atrás da segunda fase, que oferece até 1 milhão de reais para o desenvolvimento.
Apesar de estarem com um jogo voltado à educação, Alexandre não considera que concorra diretamente com empresas como a Geekie ou a Qranio. Enquanto a primeira é mais voltada a escolas e a segunda ao público em geral, o Ludome é focado em educação corporativa, trabalhando com cursos dentro de empresas.
Todos os jogos da Opusphere funcionam em uma plataforma que eles desenvolveram, a Platamine. É nela que eles concentraram todo o seu know how em gamification. Quando alguém pede por uma nova solução específica, eles oferecem o serviço completo: desde o trabalho intelectual de pensar em soluções gamificadas para o problema do cliente até o desenvolvimento do jogo, que será criado usando a plataforma própria da empresa.
Todos os games têm o mesmo modelo de negócios: o de software as a service (SaaS), no qual a Opusphere cobra uma mensalidade dos clientes. Os valores variam de acordo com a quantidade de jogadores, mas, segundo os empreendedores, eles costumam cobrar entre 6 e 25 reais mensais por usuário.
HORA DE AVANÇAR À PRÓXIMA FASE
“Abrir uma nova empresa é como pular em uma piscina de água fria, você sente aquele gelo na barriga, mas depois que pula, já foi. É claro que se questionar sobre o que está fazendo é algo que empreendedores lidam diariamente, principalmente em momentos de crises econômicas, onde o setor de inovação é o primeiro a ser afetado. O mercado corporativo fica constantemente tentando te puxar de volta. Mas quando você começa a ver que estava indo no caminho certo, que está conseguindo fazer acontecer, você percebe que não há preço”, diz Alexandre.
A Opusphere ganhou há, algumas semanas, uma nova sócia, Angelica Iannelli, que atuou por mais de 13 anos como executiva no mercado de comunicação, e largou o cargo de gerente de marketing do Linkedin para entrar na startup.
Nesse ano, eles têm um foco claro: expandir e conquistar o mundo da educação corporativa com o Ludome. Outros produtos deverão aparecer ainda, é claro. “Sabemos que não estamos navegando em um oceano azul, há mais empresas entrando no mercado brasileiro de gamificação. Por isso queremos criar nossas barreiras de entrada com nosso crescimento. Queremos ser a principal empresa de gamificação B2B do país”, afirmam Alexandre e Marcel.
Manter o time estimulado à distância é um desafio. A startup desenvolve jogos customizados que gamificam métricas de negócio, entregam feedbacks individualizados, bonificam os colaboradores que batem metas e ajudam gestores a acompanhar e turbinar a performance da equipe.
Gabriel Stürmer, João Vitor de Souza e Pedro Viegas contam como a "cabeça de empreendedor" e os processos de aceleração trouxeram uma vantagem competitiva num mercado ainda dominado por aficionados por games.