No final do próximo mês, Fabiany Lima irá embarcar para o Chile, onde ficará seis meses. Ela participará do programa Startup Chile, que atrai empreendedores do mundo inteiro, para fortalecer sua rede de contatos e começar a entrar em mercados transnacionais com seu negócio, a Timokids. A empresa produz livros digitais e educativos para crianças e tem um catálogo com mais de 13 títulos, que são gratuitos ou custam 2 dólares.
Fabiany, 36, é mãe de gêmeas. Lara e Laís têm cinco anos de idade e ficarão este período morando com o pai (o casal é divorciado). Mas, nenhum problema: a mãe diz que elas estão acostumadas e que o pai é presente e parceiro. Vez ou outra, as garotas irão ao Chile. Não é nada muito diferente para a rotina delas, acostumadas com uma mãe que viaja frequentemente pelo país para ter reuniões com clientes e investidores, dar mentoria a novos empreendedores, ou palestras nas quais fala, principalmente sobre empreendedorismo feminino, mas também sobre startups, bootstrapping, aceleradoras etc.
Nesses eventos, normalmente Fabiany se dirige a outras mulheres, que ainda vivem conflitos por serem empreendedoras. Ela sempre garante: uma coisa não impede a outra. E diz que, mesmo com uma rotina puxada, consegue ser uma mãe presente tanto quanto uma CEO responsável. O segredo está no que chama de tempo útil: “Quando estou aqui conversando contigo, estou 100% focada. Quando estou com minhas filhas, toda a minha atenção é delas. Quando estou trabalhando, também”.
Essa forma de agir e encarar as coisas, no entanto, nem sempre escapa de alguns olhares tortos e desconfiados. “Quando falei que ia para o Chile, houve pessoas que me chamaram atenção, chegando até a querer me explicar qual seria o ‘impacto psicológico’ que isso teria nas minhas filhas”, conta ela.
O DESAFIO DE SER MULHER E EMPREENDER
Fabiany lida com essa pressão há tempo suficiente para compreender que não poderá ganhar todas as batalhas. O problema, diz ela, é que muitas mulheres ainda têm medo de empreender porque tentam ser super-heroínas. “Percebo que as elas às vezes querem ser a melhor dona de casa, a melhor esposa, a melhor profissional… e não dão conta. É importante saber delegar. A minha preocupação, no final do dia, não pode ser lavar roupa ou limpar a casa. Então, encontro alguém para fazer isso para que eu possa focar no trabalho”, diz.
“Não troquei todas as fraldas das minhas filhas. E foi uma escolha. Para mim, o importante é que, sempre que elas precisam, estou com elas”
Estar à frente de um negócio, defende, acaba sendo uma situação na qual a mulher tem mais flexibilidade na relação trabalho-família. Testemunha e personagem dessa história, Fabiany acredita que o cenário do empreendedorismo feminino está mudando. “Quando comecei a ir em evento de startup, normalmente eu era a única mulher. Hoje, de 30 a 40% do público é feminino”, diz. O que ainda falta, segundo ela, são pessoas que sirvam de modelo dessa figura da mulher empreendedora. “Precisamos ir além da menina de 20 e poucos anos que foi estudar nos EUA e trabalhou no Vale do Silício. É necessário mostrar mulheres mais velhas, com condições de vida diferente, batalhando para fazer as coisas acontecerem”, afirma.
E de batalhas Fabiany entende. Desde criança, com uns nove anos, ela já se via como empreendedora. Para jogar nos fliperamas de sua cidade, São João de Meriti (RJ), comprava brigadeiros de uma doceira e revendia nas festas locais.
EMPREENDER PARA SOBREVIVER, O LEMA DE MUITOS
Aos 16 anos, já morando em São Paulo, ela saiu de casa e foi viver sozinha. Logo entrou em Direito na Universidade Católica de Santos e trabalhava como digitadora no escritório de despachante do pai de uma amiga. Nessa época, o patrão pagou a matrícula e aumentou o valor do salário da funcionária para que ela conseguisse estudar, mas a ajuda de custo não era suficiente. Foi então que Fabiany percebeu que a máquina de xerox da faculdade era cara e tinha muitas filas, e viu aí uma oportunidade: passou a varar madrugadas fazendo cópias em outro lugar para revender as apostilas aos colegas de faculdade. Lucrava um centavo por página, mas foi o suficiente para que conseguisse pagar a mensalidade. “Hoje nem posso mais ver uma máquina de xerox na minha frente”, brinca.
De cópia em cópia, dia após dia, ela se formou, mas decidiu que não queria ser advogada e começou a trabalhar na área financeira. Casou-se. Tempos depois, em sociedade com o sogro, dirigiu uma imobiliária e uma empresa de softwares. O tempo passou, ela se divorciou e teve de começar tudo novamente. Com dificuldade para encontrar emprego, decidiu que iria vender Herbalife de porta em porta. Fez isso por dois anos e meio e considera que esta experiência foi uma de suas melhores escolas. “Tive que aprender coisas que não imaginava, como disciplina, conversar com pessoas, observar mais etc”, lembra.
Fabiany ainda passou por um segundo casamento, antes de, em 2008, quando estava na terceira união, decidir que queria engravidar — e, pensamento automático de muitas mulheres, que precisava de um trabalho mais estável. Foi trabalhar no departamento de mídia do jornal Estadão vendendo listas telefônicas e lá, tempos depois, começou a se envolver com comércio eletrônico. Em 2009 vieram as gêmeas. Mas Fabiany já havia percebido que seu futuro não estava nas listas telefônicas. Ela foi parar em uma startup espanhola que chegava ao Brasil, a Bodaclick.com, especializada em casamentos, onde atuou como executiva de vendas. Tempos depois, mais um pulo em outra startup espanhola, a Activolution, que atuava no mercado de educação.
Em 2012, já “mordida” pelo vírus das startups, Fabiany foi para a GetNinjas, startup na qual foi uma das primeiras funcionárias e onde se tornou diretora. Ela lembra da experiência:
“Trabalhar na GetNinjas me deu o feeling de startup, de fazer um pouco de tudo. Essa dinâmica me atraiu, gostava de explorar novas habilidades”
Com o passar do tempo, porém, apesar de gostar do que fazia, ela percebeu que a rotina não era compatível com seu modo de vida. Trabalhava muitas horas e longe de casa, sentia-se distante das filhas, que a essa altura, estavam com três anos de idade. Pressionada, ainda em 2012 ela decidiu que ficaria em casa. Sim, ficaria mais próxima das meninas, mas também decidiu que criaria algo — mesmo que fosse apenas um hobby. Nascia sua primeira startup, a Timolico, um e-commerce voltado ao público feminino e infantil, que permitia aos clientes personalizarem as peças de roupas.
AOS POUCOS, ELA SE TORNOU “MÃE” DAS STARTUPS
Duas semanas depois de se demitir da GetNinjas e começar a colocar a Timolico no ar, o marido de Fabiany perdeu o emprego. O que era para ser um hobby logo teve que se tornar o ganha pão. Com este desafio em mãos, ela convidou seu colega de trabalho na GetNinjas, Roberto Klein, para ser sócio e CTO da nova empreitada. Juntos, começaram a frequentar eventos de startups e logo foram convidados a participar do processo seletivo da primeira turma Aceleratech, a aceleradora da ESPM. Foram selecionados e lá mergulharam de vez no ecossistema de startups.
Foi também na Aceleratech que Fabiany e Roberto entenderam que, por mais que gostassem da Timolico, ela não tinha um modelo de negócios escalável.
Cientes disso, depois de quase um ano operando, decidiram que era hora de começar um novo negócio do zero. “Percebemos que tínhamos na mão um time com potencial enorme, mas que não seriam totalmente aproveitados dentro daquela lógica daquele negócio”. Então, junto com os mentores, fizeram toda a lição de casa: buscaram deficiências de vários mercados, e planejaram uma solução que se tornasse um negócio feito para crescer.
Em agosto de 2013 nascia a Timobox, uma plataforma mobile para conectar fabricantes, representantes comerciais e lojistas, fazendo a gestão da área comercial com um CRM. É uma ferramenta de apresentação e simulação de produtos e business inteligence para o fabricante. Sim, mega complicado de entender, justamente por ser algo específico para uma carência da indústria de logística e do comércio.
Eles inscreveram o novo projeto no Startup Brasil, programa federal de fomento a negócios inovadores, que dá até 200 mil reais de investimento. Para receber o aporte é necessário estar sendo acelerado. E lá foi a equipe da ex-Timolico participar de mais uma turma da Aceleratech, agora como Timobox.
O negócio começou a ter bons feedbacks, estava indo tudo bem. Mas, aos poucos, os próprios sócios e funcionários foram cansando. Fabiany fala do sentimento:
“O modelo de negócios era perfeito, estava tudo redondinho, mas, faltava paixão. E isso fazia com que nós nos sabotássemos”
Os sócios não estavam dispostos a trabalhar de final de semana, os funcionários nunca ficavam um minuto a mais para colaborar, enfim, a empresa se tornava “uma qualquer”. Nesse clima, em 2014, Roberto foi convidado a ir trabalhar na Califórnia e aceitou. A hora não era a melhor. “Demoramos demais para lançar o produto, mesmo que em forma de MVP, no mercado, porque tínhamos medo. Roberto saiu justo em um momento que precisávamos de alguém muito bom na parte técnica”, conta Fabiany. Enquanto ela sentia dificuldades para encontrar um substituto, sua motivação com a empresa se desgastava mais.
Nesse período, em um evento de empreendedorismo e networking, conheceu Fernando Padovan. Rolou um diálogo mais ou menos assim:
— Eu já vi palestras suas, gostei do que você fala.
— Obrigada!
— Não sei com o quê, mas vou trabalhar com você. Olha, eu tenho algumas ideias, vamos criar algo.
Fernando contou que tinha uma empresa de design digital,e que eles poderiam fazer livros digitais. “Em 20 minutos, listei uma série de motivos para invalidar essa ideia”, lembra ela. “Mas, por algum motivo, eu via naquele cara uma vontade de querer fazer as coisas, fui ouvindo tudo”. Trocaram telefone e, um dia qualquer, decidiram se encontrar para retomar a conversa.
ALGUMAS IDEIAS DÃO CERTO, OUTRAS É MELHOR DEIXAR MORRER
Enquanto Fabiany o esperava em um café, foi rabiscando pensamentos e percebendo que, na verdade, as ideias do negócio se encaixavam e não eram nada más. “Quando ele chegou, eu já tinha o modelo de negócios todo desenhado”. Em agosto de 2014 nascia a Timokids. Eles chamaram mais dois sócios, Huoston Rodrigues (que não está mais na empresa) e Julian Nunes, que atua como designer.
Nesse meio tempo, Fabiany deixou a Timobox. Com o aprendizado, decidiu que não iria mais enrolar para colocar um produto no ar e, com a Timokids desenhada, logo ela se viu procurando gente para escrever o primeiro livro. A ideia era solucionar os problemas rápido, ainda que eles não tivessem muito a oferecer aos autores. “Então, fui estudar e descobri mais uma habilidade minha: de escrever livros infantis”, diz Fabiany, que desde então escreveu os 13 livros oferecidos no catálogo do aplicativo.
Durante o ano de 2014, trabalharam apenas com recursos próprios. Enquanto procuravam investidores, conheceram Frederico Rizzo, que estava prestes a lançar a Broota, plataforma de crowdequity, e queria um negócio para ser o case inicial. “Percebi que a proposta de valor deles casava muito com o que procurávamos, uma vez que não queríamos um investidor que interferisse muito no negócio e não precisávamos de tanto dinheiro”, conta Fabiany.
A campanha fez sucesso e, rapidamente, a equipe da Timokids levantou os 200 mil reais que precisava. O fundo GAG investimentos colocou 25 mil e entrou como líder dos 55 investidores que apostaram no negócio. “Muita gente investiu mais em nós, como pessoas, do que na ideia do negócio em si”, avalia ela.
Com o capital no bolso e a vontade de fazer acontecer, a empresa vem crescendo 20% ao mês desde então. Hoje eles trabalham com três modelos de negócios: o B2C, B2B-governo e B2B. No primeiro, usuários compram o livro; no segundo, o governo banca a criação de livros socioeducativos; no terceiro, empresas fazem isso.
Mês que vem eles atingirão o break even. Mas, assim que entrarem no Startup Chile, o prazo muda novamente. O programa oferece 35 mil dólares aos participantes. A ideia, como dissemos antes, é se conectar com empreendedores do mundo todo e começar e entrar em mercados internacionais. Depois, a Timokids deverá abrir para uma nova rodada de investidores, para entrar em uma fase de escala global.
Enquanto isso, a Fabiany vai aprendendo o máximo que pode, ensinando o máximo em eventos de empreendedores, atuando como mentora de novos negócios, e, claro, sendo mãe. Assim como seus negócios, suas filhas continuam crescendo. E, alternando o mundo dos negócios com o mundo familiar, ela se torna o modelo de mulher-empreendedora — aquele que ela tanto sentia falta de ver no mercado.
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