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“O formato da sua carreira não deve ser maior do que sua missão”, diz a coach Lella Sá

Mariana Pasini - 21 out 2015
Lella sugere no máximo três grandes metas para o ano. "Mais que isso é irreal", diz
Mariana Pasini - 21 out 2015
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Lella Sá não gosta muito da classificação “coach”. Para ela, a palavra está muito banalizada, mas ainda é a que melhor define o que faz: auxilia as pessoas a entrarem em contato com seus valores e seu passado para em seguida buscar um trabalho que transcenda as próprias necessidades. Mas não pense que é assim tão simples definir o que ela faz. Uma coisa é verdade: Lella ajuda as pessoas a encontrarem um trabalho com significado, algo que no seu entendimento significa “unir o que você gosta de fazer sanando alguma necessidade do mundo”. “É conseguir alinhar sua missão no trabalho. Geralmente a nossa missão é sempre alguma coisa que vai ajudar não só nós mesmos, mas também as pessoas no nosso entorno. Se a gente conseguir estar mais alinhado com a nossa verdade, fica mais fácil”, diz ela em entrevista ao Draft.

Aos 27 anos, Lella é a criadora do programa Travessia, um workshop que está acontecendo desde o último dia 19 e vai até 14 de dezembro no qual vai fazer um grupo de pessoas descobrir – ou redescobrir – sua vocação e como usá-la para melhorar o mundo. Será o primeiro programa em grupo ministrado por Lella, que já realizou coachings individuais e ministrou cursos semelhantes antes pelo Estaleiro Liberdade, uma escola de empreendedorismo que valoriza o autoconhecimento de cada um. O Travessia acontece em São Paulo e será aplicado em encontros de 3 horas, em 11 encontros. Oito deles às segundas e três aos sábados, cada um com um tema específico a ser tratado. Após uma explicação ou contextualização desse tema, cada participante fará uma reflexão individual e depois uma interação entre pequenos grupos de até 3 pessoas. Ao final, os grupos compartilham o insight e o aprendizado que tiveram. E atenção: tem lição de casa para fazer!

“O Travessia é uma transição, e o objetivo é ajudar as pessoas a fazerem isso”, diz a criadora: “Uma transição também é algo difícil, só que vale a pena quando você chega do outro lado”. Com o programa, cada participante entrará em contato com a sua missão, algo que na opinião de Lella é intrínseco a cada um:

“O grande erro é falar que nossa missão é ‘essa’ ou ‘aquela’ carreira. Não, sua missão não é sua carreira, é o que você está entregando fazendo isso, o motivo de você estar fazendo isso, e a diferença que isso faz. Não é no formato que temos que focar, é na entrega, é no porquê”

Nas palavras de sua criadora, o Travessia é destinado a quem está saindo do mercado tradicional e busca uma forma de desenvolver mais autonomia, cujo desenvolvimento é um dos principais focos do programa. “O objetivo é fazer com que cada um seja livre para fazer o que bem entende, só que para isso é preciso autoconhecimento. E também para quem já é autônomo e está buscando se posicionar para saber o que tem de único e o que pode fazer para isso se destacar.”

COMEÇANDO DO COMEÇO

Uma das principais formas de realizar esse processo é o resgate biográfico, momento no qual o indivíduo contempla o seu passado e observa suas habilidades, seus talentos, as coisas que gostava de fazer, o que ele faz bem e do que não abre mão – os seus valores, em suma. “A partir daí, é conseguir criar um posicionamento para que você consiga trabalhar de uma forma mais autônoma”, diz Lella.

A alteração entre momentos em grupo e atendimentos individuais com Lella ajudará a equilibrar o método. Ela adverte, porém, que não entrega nenhuma fórmula mágica aos participantes. “Não tem fórmula, tem você criar a sua própria. Não posso fazer nada por vocês, só posso passar o que eu sei, a experiência que eu tive e o que aprendi. E não posso dizer em quanto tempo você vai fazer o que quer fazer. Isso tudo depende de você.”

Quem busca o Travessia deve estar disposto a buscar uma coerência entre o que pensa e o que faz. “Quem sai do programa ou vai achar um novo emprego – espero que menos empregos, mais trabalhos – , ou vai talvez empreender ou virar um consultor independente”, diz Lella. Não necessariamente, porém, é preciso criar um empreendimento depois de passar pelo Travessia, já que sua finalidade é uma mudança de perspectiva bastante mais ousada.

Lella à frende do grupo no workshop Bússola, que ministrou no ano passado.

Lella à frende do grupo no workshop Bússola, que ministrou no ano passado.

“O objetivo final é empreender a vida, e isso envolve tomá-la nas suas próprias mãos. Quem faz isso, geralmente, é quem tem mais autonomia no final. E empreender a vida não necessariamente significa empreender um negócio, é saber se posicionar. É enfim, receber menos ordens, conseguir fazer o que você quer, dentro ou fora da empresa. Independentemente de ser dentro de uma empresa ou se você está empreendendo, sendo autônomo, você vai saber o que é seu, e então atuará nisso. As empresas não vão mais falar o que você quer: você vai escolher dentro da empresa o que você quer fazer.”

ÀS VEZES, PERGUNTAS VALEM MAIS DO QUE RESPOSTAS

O diferencial do método de Lella, ela acredita, não se mede em termos de respostas dadas, e sim de perguntas feitas. “Não estou dando explicações sobre como é o jeito de fazer, estou dando exercícios para você fazer com você mesmo. São exercícios para as pessoas conseguirem se aprofundar; formas de esquematizar os seus pensamentos e tirar suas conclusões a partir desses esquemas, dos padrões que emergem daquilo que você está fazendo, das ações na sua vida. É uma forma de você tirar suas próprias conclusões”, diz.

O foco do Travessia não é tanto mudar hábitos, mas sim ajudar as pessoas a olharem para trás em suas vidas e a tirarem conclusões sobre o que têm que fazer em seus futuros, sem terceirizar a responsabilidade, como ela conta:

“Ao olhar para trás na sua vida você consegue tirar conclusões e entender que ninguém fez você fazer aquilo, você agiu daquela forma porque você quis, e portanto você é responsável pela sua vida e por tudo que te acontece, sem exceção”

Não é raro, porém, que ocorram mudanças de estilo de vida após participar do programa. Sim, a máxima que diz que quando você sabe o que gosta de fazer o dinheiro acaba vindo como consequência aparece muito por aqui. Segundo Lella, a dificuldade de descobrir a própria vocação está ligada ao fato de crescermos dentro de uma sociedade em que precisamos ser bem-sucedidos conforme os indicadores que nos foram impostos.

“O que é o sucesso? Para cada um é uma coisa. Mas naturalmente acabamos pegando os indicadores da sociedade: fama, dinheiro, status, poder. E aí acabamos nos colocando num lugar que é ‘Ah, eu preciso disso, qual é a carreira que vai me levar a isso?’. E não necessariamente atentamos para indicadores de sucesso como realização, felicidade, prazer. Fica um dilema: eu escolho os meus princípios ou o que a sociedade preza e o que a minha família quer?”, afirma Lella.

Assim como a missão de cada um, o sucesso tem menos a ver com a forma de uma carreira do que a vontade própria de cada um. O medo de arriscar, ela acredita, faz as pessoas quererem escolher caminhos supostamente mais seguros e convencionais.

Para Lella, o ideal é pensar em como conseguir ganhar dinheiro resolvendo algum problema real do mundo. “A gente tem muitos problemas para resolver enquanto humanidade. Vivemos um momento de caos e precisamos entender que vivemos num coletivo, não dá para eu pensar só em mim e ganhar dinheiro só para mim. Pode talvez pensar em ‘Vou ganhar dinheiro’ ajudando quem está do lado a resolver problemas.”

UMA LONGA TRAVESSIA

Filha de pai brasileiro e mãe suíça, cuja mãe por sua vez era tailandesa, Lella morou na Tailândia entre os 5 e 11 anos e, depois de uma fase no Brasil, dos 15 aos 18. Desde pequena, ela conta, pensava que trabalho não deveria ser só trabalho, deveria também ser divertido. Ela também avalia que crescer sacando aprendizados tanto da cultura ocidental e como da oriental foi muito valioso para sua formação como indivíduo.

Aos 16 foi descoberta como modelo, profissão que exerceu por alguns anos até que o contato com fama, glamour e luxo começou despertar nela questionamentos sobre sua realidade após um episódio chave. “Durante um shooting, a produtora virou e falou assim, ‘Mexe a mesa para lá e a modelo para cá que precisa mudar o set’. Aí eu pensei, ‘Não, não é possível que eu esteja nesse lugar’. E se eu estivesse ali pelo menos com um propósito, faria sentido, mas eu estava ali meio ‘Deixa a vida me levar’”, conta.

Motivada também pela vontade de criar raízes no Brasil, ela começou a graduação em Administração, mas acabou mudando para Organização de Eventos, pensando em “usar essa ferramenta para criar experiências transformadoras e ajudar as pessoas a partir do evento”. “Fui aos poucos entrando muito nesse lugar do trabalho, que eu entendia que era um lugar para aplicar a missão de vida e fazer disso um lugar produtivo e criativo.”

 

Norte, Sul, Leste e Oeste têm nova leitura no workshop Bússola, desenvolvido por Lella.

Norte, Sul, Leste e Oeste têm nova leitura no workshop Bússola, desenvolvido por Lella.

Ela criou então a metodologia da Bússola Interna, que é, nas suas palavras, “específica para ajudar as pessoas que querem criar um trabalho com significado e daí conseguirem ter um estilo de vida com mais propósito”. Lella o criou a partir de pesquisas relacionadas à Antroposofia, (como ela define, o “estudo da sabedoria do ser humano e de arquétipos, padrões das pessoas e de como interagem com o mundo”) adaptado de forma a permitir a organização dos pensamentos da pessoa que fará uso do método.

A ideia de bússola é para de fato nortear as escolhas da pessoa. O método funciona em três etapas: olhar o passado, olhar para o que faz sentido continuar e o que merece ser deixado para trás; ampliar horizontes, pensando em onde se quer estar, e por fim vem o momento de planejar. A partir daí, cada direção da bússola é trabalhada de acordo com um aspecto específico do momento individual.

“O Norte tem a ver com visão, missão e valores, que geralmente temos para as empresas mas esquecemos de fazer isso como indivíduos – na verdade, a gente que contrata as empresas na nossa vida, e não as empresas que nos contratam”

Se o Norte tem a ver com ideias, o Oeste é a parte interna do indivíduo. “É o olhar para trás e se perguntar ‘O que é que eu tenho para dar para as pessoas?’. Quais são meus talentos, paixões, valores? Já o Leste representa quais são as necessidades do mundo que você quer suprir, os ambientes que você quer frequentar, as relações interessantes para você cultivar.” Por fim, chega o momento de pôr os pés no chão. “O Sul é aquilo que você realmente materializa e faz. São as necessidades financeiras, os sonhos realizados e os que se quer realizar e servir com paixão, que une os dois.”

Há muitos outros projetos no horizonte de Lella, e seu objetivo principal é democratizar e divulgar 0 processo que criou. “Vejo que as consultas de coaching são extremamente caras e só a elite recebe esse benefício; acho que está na hora de mudar isso”, diz. Ela acredita que nosso maior mestre somos nós mesmos: “A gente sempre vai estar em uma nova fase, sempre querer estar em um novo lugar. Cabe a cada um de nós vermos como a gente vai fazer isso”. Bom caminho.

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