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Como a MateriaBrasil tornou possível o sonho do design sustentável, ou melhor, com impactos positivos

Maria Clara Machado - 16 maio 2016 Equipe da MateriaBrasil: Bernardo Ferracioli, Pedro Themoteo, Bruno Temer, Bernardo Mattos, Manuela Yamada, de vestido roxo, e Daniele Valente, de vestido cinza. (foto: Victor Lanari).
Equipe da MateriaBrasil: Bernardo Ferracioli, Pedro Themoteo, Bruno Temer, Bernardo Mattos, Manuela Yamada, de vestido roxo, e Daniele Valente, de vestido cinza. (foto: Victor Lanari).
Maria Clara Machado - 16 maio 2016
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Como você definiria uma empresa que desenvolve novos materiais a partir de resíduos, remunera a cadeia de produção de forma equilibrada, contrata pequenos fornecedores e cooperativas? “A gente não fala de sustentabilidade. Não existe isso, você vai quebrar alguns ovos sempre”, diz o designer e engenheiro Bruno Temer, 33, que, junto com outros dois amigos, fundou em 2005 o escritório de design MateriaBrasil.

Em vez de sustentabilidade, ele prefere falar de “impactos socioambientais positivos”: usar recursos naturais, mas de maneira responsável e por meio de mão de obra local; preferir fibras naturais a materiais sintéticos, reduzir ao máximo os danos dos inevitáveis resíduos de produção. É assim que a MateriaBrasil atua em duas grandes áreas: design de produtos e conhecimento. Na primeira, desenvolve produtos a partir de materiais naturais — como fibras de bananeira, tintas de soja e resinas vegetais. Aqui, eles produzem de tudo, de brindes a bicicletas, desde a concepção do desenho até a produção final.

A segunda área, a de conhecimento, consiste em consultorias a grandes empresas em gestão de resíduos, processos produtivos, engenharia de materiais e gestão ambiental. Embraer, Firjan e Vert estão entre os clientes já atendidos. O valor desse serviço, como em toda consultoria, varia em função do tamanho da empresa, número de agentes e processos envolvidos, expectativa de retorno com a inovação, entre outros, mas pode-se dizer que custem, em média, de 5 a 25 mil reais. Esta área engloba também o grande xodó da MateriaBrasil: a Materioteca, uma plataforma aberta, online e gratuita com catálogo de materiais, produtos e serviços de baixo impacto ambiental.

O faturamento obtido com projetos de design e consultoria paga as despesas da MateriaBrasil. “E bancam o sonho”, conta Bruno, em referência à Materioteca e outras iniciativas do escritório, como uma espécie de incubação informal de novas empresas (como a fábrica de óculos Zerezes e a Zebu, que desenvolve tintas orgânicas).

COMO UM PRÊMIO PODE DAR INÍCIO A UM NEGÓCIO

A MateriaBrasil foi fundada em 2005, quando Bruno tinha 22 anos e cursava desenho industrial na UERJ. Nas oficinas da faculdade, ele e os amigos de curso Thiago Maia, Claudio Ferreira e Pedro Temotheo desenvolveram o compensado de pupunha, um material inovador que mereceu o prêmio internacional iF Design Awards daquele ano.

Com a visibilidade alcançada, pedidos começaram a aparecer. Eles não pensavam em abrir um negócio naquele momento, mas perceberam a oportunidade e foram ágeis ao se estruturar para dar conta da demanda. Assim, conseguiram um investimento (de 150 mil reais) e abriram a empresa, sob o nome de Fibra Design. No ano seguinte, o economista Bernardo Ferracioli se juntou ao escritório, oferecendo a visão de business que faltava aos designers. Em dez anos, a composição societária da empresa mudou: Thiago deixou a operação (mas continua como sócio) e hoje, além de Bruno e Bernardo, a MateriaBrasil conta com a designer Manuela Yamada, que desde 2014 atua na linha de frente do escritório. Há ainda outros três sócios investidores. As contas são transparentes e a gestão, horizontal.

A elaboração de um material premiado nas oficinas da faculdade foi um empurrãozinho do destino para Bruno, que não se sentia representado no meio profissional que o aguardava: “Eu estava sendo formado para ser uma ferramenta de escritório de design que ia desenvolver as mesmas coisas que eu via no mercado. Coisas para as quais não havia necessidade. Isso me angustiava muito”, conta. Ele cursou desenho industrial ao mesmo tempo em que fazia faculdade de engenharia ambiental. “Quando me aprofundei na engenharia de materiais, percebi que há soluções técnicas para os problemas que já existem. Insistir nesta cadeia é um problema comportamental. A escolha errada está aí. Então, a gente percebeu a oportunidade de desenvolver uma empresa que apresentasse outras escolhas”, diz.

De 2005 a 2009, a empresa ficou encubada na UERJ, onde produzia de tudo: skates, bicicletas, pontos de venda, cenografia. Com o tempo, a incubação passou a limitar o crescimento da Fibra Design, que se mudou para um galpão na zona portuária do Rio. Lá, instalaram oficina e marcenaria, e os produtos eram conceituados e fabricados no mesmo local. “A gente fabricava coisas, mas com materiais naturais, como cola atóxica, remunerando a cadeia, trazendo trabalho cooperativado – o que, para a gente, já eram diferenciais”, conta Bruno, e segue:

“Para mim, o design é uma ferramenta de transformação de problemas em oportunidades”

Para o mercado, outro diferencial era o desenvolvimento e produção no mesmo local já que, no geral, escritórios de design elaboram o desenho e a fabricação é feita por outras oficinas. Com o tempo, o galpão começou a abrigar outras empresas e virou a GOMA. Hoje, a MateriaBrasil não tem mais a marcenaria, mas seu maquinário está em oficinas parceiras que executam projetos quando necessário.

Depois de graduado em desenho industrial e engenharia ambiental, Bruno fez mestrado em materiais e processos produtivos. “Enquanto a gente se estruturava como empresa e fabricava muitas coisas – eu mesmo era chefe de produção – eu estava me especializando na área de consultorias técnicas para indústrias. E aí, mudança de marca, branding etc. Sai a Fibra Design, porque não é mais só design”. Assim, em 2012 a marca se transformou em MateriaBrasil e os projetos de consultoria passaram a fazer parte do portfolio da empresa, representando parte importante das atividades e do faturamento.

Hoje, design de produtos e consultorias se revezam a cada ano em importância para que a empresa se mantenha. Entre os projetos já executados, Bruno seleciona o trabalho para a Copa do Mundo FIFA 2014, em que a MateriaBrasil — com os parceiros Zebu e Terravixta — conceituou, produziu e distribuiu mais de 55 mil brindes de todos os estádios da competição.

Reciclagem em tempo real: a Fabriqueta é uma bicicleta que derrete as embalagens plásticas e as transforma em objetos como palheta de violão. Foi desenvolvida para o Brownie do Luiz (foto: Victor Lanari).

Reciclagem em tempo real: a Fabriqueta é uma bicicleta que derrete as embalagens plásticas e as transforma em objetos como palheta de violão. Foi desenvolvida para o Brownie do Luiz em colaboração com a Zebu (foto: Victor Lanari).

Outro destaque é o projeto desenvolvido para o Brownie do Luiz, que procurou a MateriaBrasil para fazer a gestão dos resíduos da produção e saiu de lá, também, com o projeto da Fabriqueta. Depois de racionalizar todo o processo produtivo pensando na reciclagem dos resíduos, o Brownie do Luiz percebeu que as embalagens dos doces, que iam para a rua, seriam um problema. Em vez de uma campanha tradicional sobre a importância da reciclagem, a MateriaBrasil propôs levar a experiência do reaproveitamento para mais perto dos clientes finais do brownie. Assim, nasceu a Fabriqueta, uma bicicleta triciclo equipada com liquidificador, forno, prensa e outros utensílios que a transformam em uma miniestação de reciclagem — para derreter as embalagens plásticas do doce e as transformar em objetos como palheta de violão. O projeto foi elaborado em parceria com a Zebu.

MATERIOTECA, UM CATÁLOGO DE PRODUTOS E MATERIAIS SUSTENTÁVEIS

Em sete anos de fabricação de produtos, a Fibra Design/MateriaBrasil pesquisou muitos fornecedores para seus projetos. E, por desenvolver materiais e produtos, também precisava promover suas invenções. Nessa rotina, os designers passaram a frequentar o ambiente de fornecedores de matérias-primas, bem como as feiras do setor e, assim, reuniram um catálogo invejável de fabricantes e materiais, sempre aprovados pelo crivo do impacto socioambiental positivo. Qual é a cooperativa com o melhor couro de peixe do Brasil? Onde encontrar fibra de bananeira produzida de forma equilibrada? A MateriaBrasil tinha essas respostas na ponta da língua.

O amplo conhecimento em materiais e fornecedores se tornou um diferencial competitivo do escritório. Mas, em vez de guardar este segredo a sete chaves, a MateriaBrasil decidiu compartilhá-lo com o mundo. Assim, em 2012 nasceu a Materioteca, uma plataforma gratuita, aberta e open source com materiais, produtos e serviços de baixo impacto ambiental. “Não fazia sentido guardar toda aquela informação só para nós”, conta Bruno. Afinal, para uma empresa que busca impactos socioambientais positivos, nada mais lógico do que promover quem fabrica dentro de sua filosofia de mercado e facilitar o caminho para quem quer entrar na onda.

Parte dos produtos ecologicamente sustentáveis catalogados na Materioteca, da MateriaBrasil.

Parte dos produtos ecologicamente sustentáveis catalogados na Materioteca, da MateriaBrasil.

Ser gratuita, no entanto, não significa ser sem custos. A plataforma foi concebida em WordPress, mas o crescimento impôs a mudança para outro sistema. Para custear a mudança de plataforma online, em 2013 a Materioteca fez uma campanha de crowdfunding e, agora, é possível que os próprios fabricantes atualizem o acervo acervo além de ser permitida a interação entre os usuários. O financiamento bancou a migração de plataforma, mas o custo da manutenção segue absorvido pela MateriaBrasil, que hoje tem um funcionário dedicado integralmente à plataforma e outros dois parcialmente envolvidos com ela. “Toma tempo. Mas, sinceramente, é um dos projetos de que mais gosto na casa. É a troca, são os alunos de graduação que querem saber sobre materiais diferentes. Ver as pessoas procurando por isso, usando a plataforma, é muito bacana”, conta Bruno.

Por enquanto, a equação tem dado certo graças aos projetos de consultoria e design da MateriaBrasil, mas a empresa estuda alternativas para que a Materioteca se sustente sozinha sem deixar de ser gratuita. Uma delas seria fundar um instituto para disseminação de informação, que envolveria a Materioteca e também cursos, workshops e palestras. Dessa forma, vislumbram poder captar doações empresariais.

VIVER O SONHO É POSSÍVEL, MAS NÃO É NADA FÁCIL

Abrir e manter um negócio são sempre tarefas desafiadoras. “Quando seu objetivo, além de ganhar dinheiro e ter lucro, é gerar impacto positivo social e ambiental, tratar as pessoas com afeto, respeitar as diferenças… o nível de complexidade é muito maior”, afirma Bruno. Diante de um quadro assim, ele aponta como a maior dificuldade da empresa a métrica de resultados:

“Pessoas felizes, mico leão dourado, criança feliz – ninguém compra isso. Preciso que o cliente me contrate, então tenho de entregar coisas concretas”

Ele prossegue: “Preciso transmutar alegria e qualidade de vida em produtividade para que as empresas vejam nossos projetos como um investimento em eficiência ambiental, social e financeira para elas”.

Com engenheiro, economista e designers, a MateriaBrasil tem potencial para pensar processos produtivos eficientes de ponta a ponta. No entanto, a pegada socioambiental da empresa ainda faz com que seus maiores clientes sejam o departamento de marketing das grandes companhias. Esta é uma pequena frustração para Bruno, que gostaria de pensar – e revolucionar – os processos produtivos desde o chão de fábrica até a logística reversa.

Além disso, departamentos como marketing e responsabilidade social são justamente aqueles que costumam receber os primeiros cortes em épocas de crise — e a MateriaBrasil teve projetos cancelados nos últimos meses. E se engana quem pensa que a MateriaBrasil só faz projetos incríveis. Sem hipocrisia, Bruno conta que já trabalhou em projetos em que não acreditava muito, com o pragmático objetivo de fechar as contas. Também já teve de lidar com a frustração de ver clientes engavetando projetos cuja produção foi considerada demasiadamente cara.

No fundo, Bruno sabe que as propostas da sua empresa significam uma grande mudança na lógica de produção e mercado e acredita que, aos poucos, está fazendo a diferença para um mundo mais ético: “Essas indústrias são um grande navio, né? Não adianta achar que elas vão virar na agilidade que a gente faz aqui na MateriaBrasil, na agilidade que a gente quer”. Ele está ciente disso — mas não deixa de fazer, e oferecer ao mercado, a escolha que acredita.

DRAFT CARD

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  • Projeto: MateriaBrasil
  • O que faz: Design de produtos e consultoria
  • Sócio(s): Bruno Temer, Bernardo Ferracioli, Manuela Amado, Pedro Timotheo e mais três sócios investidores
  • Funcionários: 7
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2005
  • Investimento inicial: R$ 150.000
  • Faturamento: R$ 870.000 (em 2015)
  • Contato: [email protected]
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