por Rodrigo Dantas
Parece sensacionalista definir um título como esse. Mas realmente “startups matam”. Esse é na verdade um capítulo do livro Economia do Acesso, que publiquei recentemente e estou em primeira mão, compartilhando aqui no Draft. Aliás, compartilhamento é um dos temas centrais do livro. Mas qual a tese defendida, para que exista um capítulo chamado “Startups matam”?
HOJE, RELACIONAMENTO É TUDO
Relações as a service. Existe um movimento forte, para que o consumo caminhe cada vez mais rápido para relações transparentes. Chega de “contratos leoninos”, chega de “termos de serviço” que não podemos ler. Novas gerações — como os millenials, X, Y, Z e outras que virão — não aguentam e acham que não têm tempo para perder com negociações desnecessárias para comprar um produto ou para consumir um serviço. São ansiosos? Sim, muito. E isso é ótimo para empresas que nascem com esse mindset comercial.
O ponto é que a maioria das grandes corporações, mais tradicionais, ainda têm uma cegueira para esse público, porque ele ainda não é comprador efetivo, apenas influenciador. Se analisarmos bem isso, dá para entender o porquê de empresas com poucos anos de vida valerem mais do que corporações centenárias. Elas são o futuro.
A Brand Finance é uma instituição que elabora anualmente um relatório com as marcas mais valiosas do mundo. Não é difícil descobrir os nomes das 10 mais valiosas, ou até as 100 primeiras. Mas é impressionante ver o crescimento de algumas empresas que não atingiram uma década de vida ainda.
VOCÊ SABIA QUE O FACEBOOK VALE MAIS QUE A NIKE?
Isso mesmo. A rede social de Mark Zuckerberg, fundada em 2004, vale mais que a Nike, marca que completou 52 anos recentemente. Não é diferente se compararmos outras marcas centenárias com outras bem mais novas, como Google (de 1998), Amazon (fundada em 1994), LinkedIn (2002), Salesforce (1999) e Netflix (1997). Algumas delas ultrapassam inclusive a Microsoft (1975) que foi a grande precursora do software e do consumo acessível de serviços on-line.
Todos os exemplos citados, integram a lista das 500 maiores do mundo. Não há nenhuma brasileira na lista das 100 maiores. Mas essa é a realidade que o parágrafo ilustra. A Netflix e a Salesforce são sintetizadoras máximas do acesso.
Pessoas e empresas não querem mais adquirir, se puderem acessar. Pessoas não compram mais DVDs, empresas não compram mais softwares
Essa é a premissa básica para que empresas com modelos de acesso (e com cobrança por assinatura) consigam quebrar um elo tradicional de se fazer comércio.
Isso fez com que as relações comerciais entre empresas e consumidores mudassem radicalmente. Para o consumo atingir o nível que chegou, nos tempos de agora, milhares de indústrias ruíram, literalmente. Especialmente aquelas que não entenderam que o negócio mudou: me dê apenas o que eu preciso. Esse mantra é o contexto da palestra “Startups Can Kill” do Dave McClure, onde ele ilustra a mortalidade de segmentos tradicionais e empresas por conta da pressão da inovação imposta por startups.
Foi bom te conhecer Kodak e BlockBuster.
É O BENEFÍCIO QUE IMPORTA. NÃO A POSSE
Uma pesquisa do Boston Consulting Group revelou que, em 2013, as pessoas gastaram 460 bilhões de dólares em viagens de aventura e 170 bilhões com produtos de luxo. Não estavam falando de uma geração específica e sim, de todas elas. O artigo Consumers Want Experiences, Not Things revela que a experiência que é o que importa. O benefício é que vale à pena. E que isso é uma realidade latente nas novas gerações.
Afinal o que vale mais: uma bolsa Louis Vuitton ou uma viagem à Indonésia?
Para a maioria das pessoas, uma viagem vale mais do que um artigo de luxo. Esse será de fato, um grande desafio para o mercado de luxo para os próximos anos. Já acontece inclusive com carros, roupas, hotéis e tecnologia. A economia do compartilhamento nos trouxe uma nova realidade. Essa é a razão e o motivo para que sindicatos em todos lugares do mundo tentem conter o avanço de Uber, Airbnb, WhatsApp entre outros. É difícil para algumas culturas (e monopólios) ver os milhões de dólares diários desaguarem em outros rios, bem à sua frente.
Olhe o exemplo da francesa Helene, que disponibiliza um barco (adaptado para servir de casa) atracado bem aos pés frente à Torre Eiffel, para viajantes que usam o Airbnb. A diária para essa experiência custa 450 reais por dia. A da maioria dos hotéis 3 estrelas por lá gira em torno de 750 reais a diária.
SOBRE TER MENOS COISAS
O que vale mais? Visitar a França e se hospedar num barco em frente ao símbolo de Paris parece ser uma experiência sem igual. Isso ilustra a economia do compartilhamento: a Helene ganha um bom dinheiro e o viajante recebe um benefício enorme, algo que ele não conseguiria num hotel.
Se eu posso alugar um smoking por 150 reais para uma festa que exige isso, porque vou comprar um por 1 500 e usá-lo uma única vez? Essa premissa é a mesma aplicada aos vestidos de noiva (caríssimos e só usados uma única vez), à hospedagem e aquisição de carros. Lisa Gansky, do Mesh, foi uma das primeiras pessoas a falar sobre a sharing economy (a economia compartilhada), tem uma frase muito bacana que diz: “Mais pessoas, menos espaço… menos coisas”.
Essa expressão é brilhante para explicar como a tecnologia e o consumo estão convergindo e mudando nossa relação com o mundo. Não temos espaço na prática. Carros, por exemplo, me incomodam há três anos, tempo esse em que estou envolvido com uma empresa (a Vindi, da qual sou fundador), que me obrigou de forma positiva a entender a mudança do consumo da propriedade para acesso. Em São Paulo, carros foram feitos para duas coisas: trânsito e estacionamento. Estamos alimentando as indústrias da multa, a automobilística e dos estacionamentos, sem ter o benefício real, que é o do transporte. Tirando a questão de infraestrutura, que é outro assunto, estamos comprando carros para eles ficarem no trânsito e em garagens. Não faz sentido.
HÁ UMA NOVA ECONOMIA, E ELA JÁ ESTÁ AQUI
Quais são as características das empresas que valerão 100 bilhões de dólares daqui 10 anos? Esse é um dos assuntos preferidos para estudiosos de tecnologia. Em todas discussões, há um consenso: serão empresas de tecnologia. Mas há um erro básico nessa afirmação:
Na verdade, todas as empresas do mundo serão empresas de tecnologia
Essa é uma das minhas teses no livro e também uma das minhas principais análises quando me reúno com alguns dos empresários que me convidam para alguma reunião. Existe essa “cegueira” no empresariado brasileiro ainda. Indústrias, comércios e empresas de serviços precisaram ser essencialmente empresas de tecnologia. Se não forem, vão morrer. Multinacionais como Whirlpool, Mitsubishi e 3M perceberam isso há anos, e ainda vão dominar por muito tempo seus segmentos. Mas nem todas sobreviverão.
A Gartner, uma das consultorias mais conceituadas para se falar de tecnologia, vem há alguns anos colocando como principal tendência a adoção do modelo de assinaturas por gigantes de diversos segmentos. É que a maiorias das pessoas não analisa isso de forma consistente, mas a previsão está se provando verdade.
Tanto na economia da recorrência (a de assinaturas), como no compartilhamento também. Apple, Google, Microsoft, Samsung, Facebook, Netflix, Spotify, Airbnb, Uber, WhatsApp, Waze, e outros bons exemplos, estão tão presentes na vida das pessoas que elas não dão conta que isso é uma experiência nova. Até pouco tempo essas empresas eram startups saindo de garagens em todo lugar do mundo. A sensação, hoje, é que elas sempre estiveram aqui, certo?
Desde a chegada dos smartphones, nossa vida parece passar por um aparelho celular e a culpa na maioria das vezes é dessas empresas, que foram capazes de entender como o ser humano precisa de acesso fácil às coisas. O Facebook, de Mark Zuckerberg, faz isso com primor: entende, influencia e vem caminhando a passos largos para dominar boa parte dos nosso tempo e das nossas decisões. Aliás, o Zuckerberg já é uma das pessoas mais influentes do mundo, queiram ou não. A empresa dele comprou o Instagram, WhatsApp e o Oculus Rift (de realidade virtual).
A busca pela audiência sempre foi uma guerra grande pela mídia. Só que agora a mobilidade é quem determina o poder de uma empresa. Por isso o Facebook é um grande case. Sua próxima investida é atacar o Youtube. Note, neste vídeo, de um ano atrás, como Zuckerberg choca todos (uma plateia inteira chinesa) ao falar mandarim fluentemente. É isso: os novos líderes usam camisetas, calça jeans e falam mandarim.
Transformei o tema “Startups matam” em um capítulo do meu livro porque isso é realmente algo em que acredito. Elas matam as empresas que não percebem que o mundo mudou. A motivação foi grande porque, além de ter na minha história recente um apanhado de exemplos de inovação nascendo, também vi com meus próprios olhos muitas empresas morrendo, quando era executivo em um grande banco. Essa “eutanásia” acontecerá — sim — com bancos, construtoras, empresas de petróleo e qualquer outra que tiver a cegueira de não enxergar cada nova empresa com drive de inovação no DNA.
Há muito mais a discutir e refletir a respeito. Esse texto é, especialmente, um convite sincero para o Economia do Acesso.
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