Nos últimos seis anos, Marcel Leal e Alexandre Olivieri começaram um negócio – a empresa de realidade aumentada Ocroma – faliram e partiram para outro, a Opusphere, startup que cria soluções de gamification para o mundo corporativo. Com ela, foram os primeiros acelerados da Baita, aceleradora ligada à Unicamp e membro do Programa Startup Brasil. Venderam casas e terrenos, limparam as reservas que tinham e investiram tudo na empreitada. Depois de quatro anos, a empresa está pausada. Muita coisa mudou desde que contamos a história da Opusphere aqui no Draft, em 2015. Mas a confiança dos sócios no potencial do gamification para tornar as relações corporativas menos padronizadas e mais leves segue firme. Embora estejam em stand by, o medo de empreender de novo inexiste.
Nesses quase dois anos desde a primeira reportagem, muita gente já entende melhor o gamification e o vê como algo menos relacionado apenas ao universo dos jogos — e mais com uma forma divertida de lidar com a realidade.
As empresas, pouco a pouco, também compreendem as possibilidades do raciocínio de competir consigo mesmo por pequenas vitórias em fases (por exemplo, acertar o tempo do sinal aberto na rua) e têm investido nisso para melhorar suas relações com clientes e funcionários. Uma prova é que marcas de grande porte, como a Caixa, já investem em gamification para engajar seus clientes. Entre acertos e erros cometidos na Opusphere, a escolha de atuar com empresas está no primeiro grupo, como diz o designer, ilustrador e empresário Marcel:
“Hoje, olhando para os quase quatro anos de Opusphere, vimos que juntar o que gostamos, os games, com a nossa experiência corporativa foi um acerto”
Ele prossegue: “O gamification é sem dúvida o próximo passo nas relações entre empresas e seus funcionários”. No entanto, ele diz, mesmo atuando numa área com potencial, o ano não foi bom. Com a economia brasileira desaquecida, muitas empresas cortaram ou reduziram substancialmente o budget destinado a projetos de inovação (onde uma estratégia gamificada se encaixa).
O CENÁRIO ERA PROMISSOR, A REALIDADE NÃO CORRESPONDEU
Marcel conta que isso foi sentido com ainda mais força do que em 2014, quando a crise começou. E a Opusphere, como atua na ponta, um serviço novo e ainda poucos clientes, a startup sentiu esse baque de forma muito intensa. Depois de uma série de conversas para definir o futuro, Marcel, Alexandre e Angelica Iannelli (sócia que no ano passado juntou-se aos fundadores) tomaram três decisões drásticas: fechar o escritório que mantinham em Campinas, honrar os contratos vigentes com os clientes que ainda estavam na casa e… aguardar o melhorar momento para voltar a acelerar.
Ao reler a história da Opusphere contada em 2015, Marcel afirma que àquela altura o cenário era mais promissor que hoje. “A reportagem é um retrato perfeito da época em que estávamos: gamification crescendo como assunto e o aprendizado corporativo mudando a forma de atuação dentro das empresas”. Por aqueles dias, ele conta, eles chegaram a assinar um contrato importante para um de seus principais produtos, o Ludome (game voltado para o universo da educação que foi em parte financiado pelo PIPE, Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas). A animação durou pouco: o cliente voltou atrás e desfez o acordo.
Mas não foi só o clima de incerteza econômica no país que se mostrou como desafio. Marcel e os sócios aprenderam na prática que oferecer uma solução de B2B é também estar pronto para atender a demandas complementares (e nem sempre condizentes com a proposta original) dos clientes. Ele conta que vários pediam personalizações nos produtos, consultorias, palestras ou ações pontuais de treinamento que não faziam parte do escopo original e, pior, exigiam uma resposta rápida, que fugia muito do modelo de trabalho escolhido no início da startup.
“Esses extras até são atividades interessantes, mas acabam distraindo a gente do objetivo de manter a estrutura enxuta e escalar”, afirma. E conta o que tornaria a relação mais equilibrada para eles: “Estruturar boas parcerias complementares ao negócio principal é essencial para oferecer uma solução mais completa às empresas: gamificação, mas com conteúdo de treinamento, acompanhamento e consultoria”.
SABER DIZER NÃO, SABER HIBERNAR ANTES DE VOLTAR AO JOGO
Por tudo isso, o aprendizado tirado dessa situação foi que cuidar de cada fase do desenvolvimento de um único produto é melhor do que querer trabalhar em duas ou três frentes ao mesmo tempo. Num primeiro momento não é uma decisão fácil, já que agregar outros serviços pode ser uma forma de garantir ou melhorar a receita da empresa. Mas, por outro lado, concentrar forças num único ponto oferece a possibilidade de testá-lo várias vezes, corrigir o quanto for necessário e aprimorar cada parte da solução sem pressa. É o que Marcel aprendeu. E o que escolheu fazer na sua empresa daqui para a frente, quando pretende retornar ao mercado e cometer menos menos erros e sustos.
Atualmente a Opusphere mantém no ar apenas um de seus aplicativos, o Rush, que foi pensado para ajudar a colocar o gamification em prática em equipes de diferentes tamanhos. O game funciona de um jeito bem simples: o time de colaboradores faz parte de uma exploração, na qual avançam de acordo com os desafios propostos por eles mesmos e por seu líder. Essas tarefas podem ser “vender um projeto”, “ler um e-book” ou qualquer atividade relacionada ao dia a dia daquela equipe. Cada desafio fica ativos por poucas horas, o que estimula os colaboradores a serem rápidos na solução e a engajar-se no game.
Marcel continua trabalhando no desenvolvimento e aprimorando o Rush em suas horas vagas, já que todos voltaram para o mercado em suas áreas de atuação anteriores — Marcel em design, Alexandre em tecnologia e Angelica em comunicação. Marcel fala sobre esse “voltar duas casas” que eles estão vivendo:
“O fato é que, por mais preparados que estejamos, ninguém tem bola de cristal para saber como reagir a um problema”
À espera de uma virada na maré dos investimentos em inovação, a Opusphere aposta que no próximo ano o setor de gamification deverá (enfim) tomar conta do mercado corporativo. A startup continua a missão de ser evangelista do conceito, por meio de posts em seu blog e qualquer outra oportunidade em que o assunto surgir. Eles garantem estar prontos para novas correções de rota, tão próprias do mundo do empreendedorismo. “No fim, aprendemos muito mais com os erros do que com os acertos. Como em qualquer game”, diz Marcel. Pronto para o restart.