“A Qualcomm é a maior empresa desconhecida do mundo”, é com essa piada que Oren Pinsky, 44, responsável pela área de novos negócios da companhia no Brasil, começa a conversa com o Draft. Antes que a ironia caia mal, ele conta que a Qualcomm nasceu há 30 anos nos Estados Unidos, tem cerca de 80 bilhões de dólares em valor de mercado e é onipresente nos dias de hoje. O foco é a produção de chips e semicondutores que, na prática, são plataforma tecnológica para os gadgets que nos cercam. De celulares e computadores a drones e sistemas de recarga da bateria sem fio: tudo isso conta com soluções da Qualcomm, mas nem todo mundo sabe disso.
“Criamos os dados móveis para o smartphone, o que permitiu que a Apple inovasse com o iPhone. Nosso papel é esconder a complexidade, criar uma solução que seja fácil e funcional para as pessoas”, diz Oren. Israelense, ele veio ainda criança para o Brasil (“Já nem sei mais falar hebraico”) e carrega as diversas referências: é formado em engenharia química, passou pelo mercado financeiro e empreendeu na área de telecomunicações. No meio de tudo isso sempre teve uma constante — a paixão por tecnologia.
Em 2012, fez uma imersão no assunto em curso de 10 semanas na Singulatrity University, nos Estados Unidos. “Lá eles não têm a régua da idade, então convivi com gente da minha faixa etária e com pessoas de 15 anos. Me expus às ideias mais malucas do Vale do Silício”, conta. Ao se formar, como todos que passam pelo programa, ele saiu de lá com uma missão: desenvolver projetos capazes de melhorar a vida de 1 bilhão de pessoas. Na volta ao Brasil, em 2013, foi convidado para inaugurar a área de Novos Negócios da Qualcomm e abraçou o desafio. Parecia uma chance e tanto de cumprir a promessa.
QUANDO INOVAÇÃO SIGNIFICA GERAR GRANA
Na Qualcomm não existe uma área específica para fomentar a inovação e contagiar o restante do time, como é comum em muitas companhias. “Aqui simplesmente pensamos nisso o tempo todo”, diz Oren. E prossegue: “Temos projetos para inovar imediatamente e outros que visam o médio e ainda o longo prazo. Não usamos formalmente metodologias como Design Thinking nem Agile Methods”.
Ainda que reneguem parte do script de “como inovar em grandes empresas”, algumas estratégias importantes e consagradas também são usadas ali. A Qualcomm tem programas para se relacionar com o ecossistema de startups e é campeã em investimento em venture capital na América Latina, por exemplo, com participação em 16 companhias — entre elas 99, Loggi, Ingresse e Mandaê. A tarefa de Oren, no entanto, não é definir o destino do capital de risco da empresa:
“Minha função aqui não é inspirar ninguém. É gerar negócios”
Com uma equipe de duas pessoas, a missão ali é criar novas áreas de atuação para a Qualcomm, gerando soluções para problemas locais, mas com alto volume e potenciais clientes. A parte boa, conta, é que “há muito espaço para criar e inventar coisas para melhorar a sociedade”.
Um dos exemplos é a solução que a empresa batizou de “0800 Dados”. Oren diz ser angustiante notar que, apesar da alta penetração dos celulares no Brasil, os dispositivos são subutilizados, pois os planos de dados são caros (ou pré-pagos) os usuários vivem correndo atrás de um ponto de wifi gratuito. O resultado é que “economizam” na hora de abrir e usar aplicativos.
Oren e sua equipe começaram a pensar em maneiras de resolver o problema. Em num brainstorm, listaram 25 ideias e escolheram a melhor. “Pensamos em algo até bem simples: por que não reproduzir nos dados o conceito da ligação 0800 do telefone, em que a empresa que presta o serviço paga pela ligação?” Criaram, então, uma solução na qual, quando o usuário entra no app, quem paga pelos dados é a companhia do app.
Com o bom relacionamento que a Qualcomm já tem com as provedoras de telecomunicações do país, não foi tão complicado falar com as pessoas certas. O desafio maior, diz ele, foi fazer todos entrarem em um consenso. “Brinco que preciso pastorear gatos. Cada um tem um interesse e quer ir para um lado, mas tenho que dar um jeito de levar todos para a mesma direção.” Neste caso deu certo e, em 2014, veio o primeiro cliente. O Bradesco passou a usar o recurso e assumir o custo dos dados sempre que os clientes entram no seu app, que tem mais de 10 milhões de usuários por dia.
“Para o banco, cada extrato que o cliente tira na agência custa 20 reais, considerando gastos de estrutura, funcionários e segurança. Ao isentar o consumidor de arcar com os dados, você dá comodidade e torna mais competitivo fazer isso via mobile, algo que custa apenas alguns centavos para o banco”, afirma Oren. A boa experiência fez o número de clientes da solução se multiplicar. Hoje são 13, entre eles iFood, Privalia e Netshoes. Esta última registrou aumento de 60% nas vendas via mobile após oferecer dados sem custo para o cliente, diz ele.
“É uma inovação centrada no modelo de negócio, que não tem nada técnico, mas atinge milhões de pessoas. Estamos começando a expandir para a Colômbia e o México”, conta. Oren também começa a avançar com a solução para serviços do governo:
“Imagina se as pessoas não tivessem que ir até a agência da Caixa para sacar as contas inativas do FGTS?”
Outro exemplo é o PoupaTempo no estado de São Paulo. “Sabia que 30% das pessoas saem de lá com apenas uma senha para voltar depois? A sociedade ganharia muito se tornasse este processo mais eficiente.”
DE QUE ADIANTA UM DRONE E MILHÕES DE FOTOS?
O escrutínio da área de Novos Negócios da companhia extrapola as telecomunicações, já que a ideia é melhorar a eficiência de um mercado, qualquer que seja ele. Um dos focos, conta Oren, é a agricultura, setor responsável por um terço do PIB brasileiro. De olho no crescimento da demanda por drones para o consumidor final, o executivo foi investigar como a tecnologia da Qualcomm poderia ser melhor aproveitada na agricultura.
Inicialmente, parecia uma ótima solução para fazer imagens das plantações e identificar antecipadamente pragas ou qualquer outro problema. O plano perfeito. O passo seguinte foi firmar uma parceria com a Embrapa. Foi aí que Oren se deu conta de que não existia nenhuma eficiência no ato de produzir milhares (milhões!) de imagens e depois colocar alguém para verificar cada uma delas.
“Tínhamos que automatizar o processo, criar um software que já entregasse a resposta: onde tem que regar mais, onde é necessário colocar herbicida ou fertilizante”, diz. Identificado o problema, o processo se desenrolou. Há uma solução em desenvolvimento e já em teste em plantações de São Paulo, do Paraná e do Mato Grosso. “Vamos lançar a versão para o mercado entre 2018 e 2019.”
O DESAFIO DE GERAR IMPACTO
Oren e sua equipe também têm um projeto para melhorar a educação tornando o acesso à internet uma realidade. “Sempre se falou da necessidade de ter escolas conectadas em todo o Brasil, com wifi mesmo em lugares distantes, mas nunca surgiu uma proposta consistente para garantir isso. Qualquer esboço de solução tem custo altíssimo”, ele diz. Além disso, levar wifi para todos os colégios exigiria pessoas especializadas para gerenciar as questões técnicas nestas escolas. No lugar disso, Oren pensou em usar a rede de dados das empresas de telecom, que já existe e tem cobertura em todo o país.
“Penso sempre no exemplo da minha mãe. Ela sempre me liga porque está com problemas no wifi e quer ajuda para resolver, mas nunca me ligou para reclamar do 3G ou 4G do celular. No caso das escolas é a mesma coisa. O melhor é deixar o gerenciamento técnico com quem entende, que são as telecom”, afirma.
O projeto seguiu e eles procuraram um lugar desafiador, no sertão pernambucano, para fazer um projeto piloto com os custos compartilhados entre Qualcomm e Telefônica. “Eles precisaram apenas instalar uma antena de celular e hoje são a escola com a maior banda de internet por aluno do Brasil”, conta. Para ser reproduzido por todo o País, o projeto esbarrou na falta de capacidade de investimento do poder público. Ele conta:
“Poderíamos colocar internet em todas as escolas do país em cinco anos. Chegamos a uma solução tão rápido que o governo pediu para esperar”
Oren diz que o lado fácil do seu trabalho é que o Brasil é vanguardista quando se trata de tecnologia. “Somos um país de early adopters, de pessoas muito dispostas a se conectar”, conta. De olho nesta capacidade, a empresa assinou em março deste ano um protocolo de entendimento para construir um fábrica de chips por aqui. Uma aposta importante e pioneira, já que o Brasil importa hoje 100% deste tipo de componente da Ásia, polo mundial de produção.
Com a decisão, a Qualcomm contraria o senso comum de que não há volume suficiente para a produção local de chips. Segundo Oren, além do atual número de celulares, computadores e outros produtos que demandam semicondutores, o avanço da Internet das Coisas nos próximos anos deve fazer os volumes crescerem ainda mais. “A quantidade de dispositivos com chips usados por cada pessoa deve crescer muito nos próximos anos. É o momento perfeito para novas oportunidades”, diz ele.
Se, por um lado, há um mar de possibilidades, por outro ele tem o desafio de desenvolver projetos de altíssimo volume. “Temos mais ideias do que conseguimos colocar em prática. Aqui a régua de volume é muito alta. Precisamos chegar a projetos de um bilhão de dólares ou com potencial para chegar a um bilhão de pessoas”, diz. A missão é difícil, mas coloca Oren na melhor posição possível para que cumpra a meta proposta pela Singularity University e crie soluções para melhorar a vida de, no mínimo, um sétimo do mundo. Há muito chão pela frente, mas ele já começou.
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