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Como a rede de abaixo-assinados Change.org Brasil ganhou 12 milhões de usuários e se tornou sustentável

Cristine Gentil - 24 maio 2018 A equipe da Change.org Brasil (da esq. para a dir.): Lucas, Taiana Almeida (programa de doações), Rafael, Livia Camargo (criadora de uma petição), Yahisbel Adames (coordenadora de campanhas) e Larissa Pinho (social media).
A equipe da Change.org Brasil (da esq. para a dir.): Lucas, Taiana Almeida, Rafael, Livia Camargo (criadora de uma petição), Yahisbel Adames e Larissa Pinho.
Cristine Gentil - 24 maio 2018
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O designer digital e videomaker Daniel Graf de Oliveira, 32, estava cansado de ver os pedestres correrem para fazer a travessia da Avenida Queiroz Filho, na altura do número 1 700, no Jaguaré, em São Paulo. Ele cronometrou o tempo do semáforo, ouviu depoimentos, gravou vídeos e comprovou que a preferência dos carros era soberana por ali. Idosos, crianças, trabalhadores e usuários de transporte público eram submetidos a um risco diário, desnecessário e desumano. Testemunha ocular dessa situação, já que trabalhava próximo ao local, ele criou uma petição online na Change.org, a maior plataforma de abaixo-assinados do mundo, fundada nos Estados Unidos pelo californiano Ben Rattray e que opera no Brasil desde 2012.

A história da Change foi contada no Draft pela primeira vez em 2014. Clique na imagem para ler.

A história da Change.org foi contada no Draft pela primeira vez em 2014. Clique na imagem para ler.

A ideia de Daniel era aumentar o tempo do semáforo destinado à travessia de pedestres e tornar a faixa contínua. Ele conseguiu mais de 700 apoiadores para sua causa. Pressionou as autoridades, mobilizou as redes sociais e saiu vitorioso. “Fiz para testar, não achei que daria resultado. Na minha cabeça, várias barreiras foram quebradas em relação ao meu papel, ao do poder público e à democracia. Foi uma história pequena e local, mas se deu certo para isso pode dar para muito mais”, diz.

Por causa dessa petição, uma assinante entrou em contato com ele e os dois começaram a atuar juntos em outros pedidos. De 2014 para cá, iluminaram uma praça e fizeram pressão para manter ciclovias. Agora, Daniel tenta garantir melhorias para a escola de cinema onde estuda. Mais uma vez, acredita que o abaixo-assinado pode ser um dos mais eficazes instrumentos para influenciar as decisões de quem tem a caneta na mão.

A Change.org é uma facilitadora desse processo, cria o mecanismo e a engrenagem para transformar boas intenções em mudanças reais. Desde que foi fundada, em 2007, seu objetivo é transformar qualquer pessoa em um agente de mudança e de mobilização da comunidade, em favor de demandas individuais ou coletivas. Tem atualmente 200 milhões de usuários em 196 países. Sem fins lucrativos, começou seu processo de internacionalização em 2011. No ano seguinte, chegava ao Brasil, país que já tinha 200 mil pessoas cadastradas na plataforma.

A primeira vez que o Draft falou sobre a Change.org foi em 2014, quando a organização tinha dois anos de operação no país e já contava com 2,5 milhões de usuários. Depois de cinco anos e meio, hoje são 12 milhões de autores e apoiadores de abaixo-assinados. Pelo menos metade dessas pessoas são signatárias de petições bem-sucedidas. O diretor da Change.org no Brasil e jornalista Lucas Pretti fala por que esses números são significativos: “O brasileiro não está acostumado a assumir o protagonismo. Alguém sempre tem que resolver”. E prossegue:

“A Change.org criou um modelo de ativismo e empoderamento do cidadão. Qualquer pessoa pode contar sua história, criar uma petição e mobilizar outras pessoas em relação àquela demanda”

Diariamente, ao menos uma causa defendida pelos usuários da plataforma sai vitoriosa. A diferença entre a Change.org e outros sites de abaixo-assinados é que a meta precisa ser alcançável, concreta e palpável. Se for muito abstrata, como “salvar as baleias” ou “acabar com a corrupção”, a chance de sucesso é praticamente nula.

As petições criadas, que chegam a 200 por semana, são as mais diversas possíveis: da reforma de uma praça à liberação de um remédio importado; da permissão para vender acarajé em estádios baianos a uma campanha para que empresas se comprometam a fabricar um sutiã bonito para mulheres mastectomizadas. Casos de grande repercussão nacional como a morte da vereadora Marielle Franco e o auxílio-moradia de juízes também repercutem bastante na plataforma.

O CAMINHO PARA A INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA E JURÍDICA

Lucas estava na primeira equipe formada pela Change.org no Brasil. Foi chamado depois de ter sido bem-sucedido em um projeto de mobilização e ocupação de uma região de São Paulo. No fim de 2013, saiu para se dedicar a um projeto jornalístico. Acabou convidado para voltar, desta vez para assumir a direção no Brasil. Em 2015, os desafios eram muitos: aumentar ainda mais o número de usuários e implementar a independência jurídica e financeira da entidade em solo brasileiro. Desde novembro de 2016, a Change.org faz parte do terceiro setor brasileiro, tornou-se uma organização não-governamental sem fins lucrativos.

Daniel Graf com os demais signatários de uma petição para iluminar uma praça: petição vitoriosa.

A viabilidade financeira chegou um ano depois, com a campanha Amigos da Change.org. Atualmente, duas mil pessoas financiam a ONG por aqui. O vínculo com a empresa americana continua, mas hoje é mais voltado para a troca de experiências. As filiais pelo mundo estão em contato constante, compartilhando dados, informações e ideias para melhorar o negócio. “Estamos felizes e independentes. O ciclo é perfeito: as pessoas usam, veem o benefício e aumentam a capacidade de impacto. A Change.org dá poder aos pequenos”, afirma Lucas.

Com mais apoiadores, ele conta que foi possível aumentar a equipe de três para cinco pessoas. Ficou mais fácil dar suporte aos usuários, criar tutoriais, pensar em cursos e seminários e apoiar os criadores de petições. Mas os desafios são muitos e diários, como ele fala:

“Precisamos mudar processos, ferramentas, melhorar a performance. Pensar como fazer mais pessoas abrirem o e-mail e impactar mais gente. Temos de tomar decisões com base em dados e gráficos, ter a cultura da inovação todo dia”

Uma dessas inovações é uma ferramenta tecnológica chamada Movimentos, que Lucas define como um guarda-chuva de petições. Atualmente, há uma campanha desse tipo para proibir fogos de artifício e bombas em razão dos prejuízos aos animais. Também para ampliar o alcance das petições, a Change.org aposta em novas parcerias com a mídia.

O PODER DE MUDAR VIDAS

Nos últimos dois anos, a organização tornou-se a maior plataforma de pessoas no Brasil. A razão do sucesso, segundo Lucas, é que ela gera, de fato, mudanças efetivas. Em vez de apoiar causas abstratas e genéricas, o negócio orienta os usuários a fazer uma petição para mudar algo concreto, em benefício próprio, de um grupo ou de toda a comunidade.

Lucas lembra algumas petições bem-sucedidas. Por exemplo: quando os aplicativos de transporte individual de passageiros ainda eram uma novidade, uma moça criou uma petição para impedir que eles fornecessem o número dos clientes aos motoristas. Depois de usar um dos serviços, ela passou a ser assediada. A petição dela viralizou. Dali em diante, as empresas criaram uma forma de comunicação entre motoristas e passageiros via aplicativo – eles não ficam mais com o número do cliente.

Consuelo é autora de mais de 30 abaixo-assinados, a maioria para pressionar mudanças que impactam no dia a dia do filho Arthur e de outras pessoas com deficiência.

A advogada Consuelo de Freitas Machado Martin, 44, mãe de um filho com deficiência, é uma das usuárias mais assíduas da Change.org. Mestre em Direito na área de Justiça e Cidadania e ativista militante no direito das pessoas com deficiência, ela mora no Rio de Janeiro e encontra obstáculos diários para garantir qualidade de vida e direitos básicos ao pequeno Arthur, 12. Ela é autora de 35 petições e assinou outras três com uma amiga. “Todas as que redigi são muito importantes para mim como pessoa, como jurista, como ativista, como uma mãe idealista que luta por um mundo melhor onde meu filho com deficiência possa viver e se desenvolver”, diz. Ela ainda afirma:

“A vitória definitivamente não está relacionada com o número de assinaturas, mas com a pressão que conseguimos fazer, a relevância da causa e o impacto gerado no verdadeiro tomador de decisão”

Consuelo conseguiu vitórias muito importantes. A primeira foi impedir que as escolas cobrassem taxas extras para aceitar alunos com deficiência. “Não é fácil conseguir chegar no polo passivo das petições – normalmente são grandes empresas ou autoridades. Infelizmente, vivemos em um mundo individualista, dificilmente a pessoa quer se envolver com a causa alheia ou se dar ao trabalho de ler um texto muito grande, se inscrever em um site para assinar algo, ainda mais se não tiver nenhum benefício direto para si mesmo.”

NÃO BASTA SER “CLIQUEATIVISTA”, É PRECISO ENGAJAMENTO

O trabalho do diretor de campanhas da Change.org e também jornalista Rafael Sampaio é ajudar pessoas nessa mobilização. Ele e sua equipe acompanham as petições, selecionam as que têm potencial de gerar resultados, fazem sugestões de melhorias, dão ideia de outras estratégias. “A Change.org é uma plataforma plural, sem posicionamento político, as pessoas são livres para criar as petições que quiserem. Fazemos uma curadoria e escolhemos de oito a dez para acompanhar”, diz. Ele dá dicas para uma petição ser vitoriosa: “O pedido deve ser concreto e direcionado para os alvos corretos. Deve haver um texto com uma história pessoal, o título não pode ser obscuro e é bom ter uma foto atraente”.

O diretor de campanhas também afirma que é um mito a história de que é preciso um milhão de assinaturas para fazer um abaixo-assinado decolar. “É ótimo mobilizar muita gente, mas é possível fazer mudanças concretas com 500 assinaturas.” Ele também ressalta a importância de se acabar com a ideia do “cliqueativismo” limitado a assinar e depois abandonar a causa.

Rafael, que entrou na Change.org em 2014 como coordenador de campanhas, vinha de uma carreira pautada pelo desejo de cobrir questões sociais. Havia passado por importantes veículos de imprensa e pelo terceiro setor. Hoje, ajuda de torcedores palmeirenses que querem proibir gritos de guerra homofóbicos nos estádios à alunas transexuais que desejam usar o banheiro feminino na escola.

Além de criar a petição, é preciso fazê-la chegar ao destinatário certo, exigir resposta, mobilizar mais pessoas e a imprensa por meio das redes sociais. O bom é que tudo isso chega ao conhecimento da organização. A Change.org é a única plataforma de petições online que permite ao autor atualizar o status, pedir mais engajamento, comunicar mais um passo, declarar a vitória. Também impede que um pedido que já não tenha sentido ou que tenha atingido seu objetivo continue a receber assinaturas.

A MISSÃO DE IDENTIFICAR AS FAKE NEWS TAMBÉM É DELES

A curto prazo, entre os desafios da Change.org, Rafael diz que é preciso conseguir avanços no trabalho com vídeos na plataforma, pois o impacto visual nas redes gera mais engajamento. A equipe também espera conseguir mais comprometimento das autoridades com os pedidos dos autores das petições.

Olhando para o futuro, no entanto, há metas bem mais complexas. Uma delas é trabalhar em conjunto com a sociedade para que o Brasil reconheça a assinatura digital como legítima, o que já ocorre em diversos países. “A checagem de notícias também é muito importante. Não há como impedir as pessoas de fazer boatos se transformarem em motores de petições populares. Não é incomum e é uma preocupação recorrente”, fala ele sobre a atual onda de fake news.

Para resolver essa questão, ele conta que a ideia é organizar cursos para capacitar as pessoas no processo de checagem. Uma só equipe fiscalizando fake news não teria resultados em escala. “O melhor é qualificar gente. Tem que ser um trabalho coletivo e pedagógico.” E também “de formiguinha”, como ele costuma dizer.

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