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Alê Borges, da Mãe Terra: “O papel de um líder é tentar fazer florescer a luz de cada um”

Bruno Leuzinger - 28 jul 2018
Alê Borges: orgulho de seguir sua própria essência como empreendedor, apesar de todos os senões (foto: Maurício Nahas).
Bruno Leuzinger - 28 jul 2018
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O paulistano Alexandre Borges, ou simplesmente Alê, passou a infância no interior, em Bragança Paulista, e se orgulha de ter sido criado com um contato profundo com a natureza – da hortinha em casa ao impulso de buscar a própria essência. Cresceu, formou-se em Administração, e trabalhou na Whole Foods, gigante americana de produtos saudáveis, experiência que lhe fez encantar-se por esse nicho da cadeia de alimentação.

Os primeiros passos como empreendedor vieram aos 25 anos. Foi sócio da Flores Online e da agência Significa até chegar a seu terceiro negócio, a Mãe Terra (criada em 1979 e adquirida por Alê em 2007). À frente da marca de produtos naturais, ele viu a oportunidade de resgatar suas raízes – e sua verdadeira natureza.

Passaram-se dez anos e, em outubro de 2017, a Mãe Terra foi comprada pela multinacional anglo-holandesa Unilever, que manteve Alê na gestão. Pela trajetória de persistência, criatividade e vontade de ver brilhar a luz de quem integra seu time, o empreendedor foi um dos escolhidos para estrelar a campanha da Oficina, marca do Grupo Reserva.

Durante a sessão de fotos da campanha (enquanto todos no estúdio pararam para ouvir a conversa), o gestor da Mãe Terra, de 44 anos, deu a seguinte entrevista a Phydia de Athayde, editora-chefe do Projeto Draft:

Por que você acredita estar participando dessa campanha?
Estou aqui a convite do Rony [Meisler] para compartilhar um pouquinho da minha história, mais erros do que aprendizados.

A Mãe Terra se propõe uma postura mais verdadeira em relação ao que vende. Qual é o preço disso?
A verdade sempre aparece. No fim, o saldo é mais positivo do que negativo. Quando você trabalha com algo em que acredita, não tem nada a perder; você dorme melhor, baixa a guarda, mostrando o que você tem a melhorar, suas fragilidades. Nós todos somos frágeis. Então, no fim, você ganha empatia. Apesar de muita gente achar que [trabalhar com a verdade] tem um preço alto, acho que é o contrário.

Do que você se orgulha em sua trajetória como empreendedor?
Primeiro, de seguir minha essência, apesar de todos os senões, de pessoas dizendo que não ia rolar. Me orgulho de não ter desistido, de ter acreditado que eu ainda não tinha chegado ao fim, de ter feito algo que tivesse a ver com minha razão de vida.

O segundo ponto é a escassez. O empreendedor sem grana precisa ser criativo, achar soluções que envolvam quase nenhum orçamento, e isso eu vivi na prática. Aquela história de “cobrar escanteio e ir para área cabecear” faz você, num contexto de adversidade, ter mais chance de sobrevivência.

A Mãe Terra foi adquirida pela Unilever. O que uma empresa pequena, que faz muito com pouco, tem a ensinar a essa gigante mundial?
A decisão de vender a Mãe Terra foi muito difícil. Busquei um alinhamento de decisões. Não foi a melhor proposta financeira, não fui atrás de ninguém, mas cheguei num momento em que a janela de oportunidades estava tão forte que eu precisava de alguém maior para levar a Mãe Terra a outro patamar, mas entendendo a nossa essência e mantendo nossos princípios.

A Unilever é uma empresa que me tocou o coração, que está querendo fazer negócio de forma diferente. E hoje eu vejo o quanto podemos influenciar por meio do sistema. Acho que a grande mudança é estar dentro do sistema, e não no topo da montanha. Dizem que o rabo não balança o cachorro, mas provocamos uma discussão de certificação da Unilever no sistema B. Foi criada uma força-tarefa a partir da Mãe Terra.

O que o país perderia sem o seu business?
Perderia, talvez, um exemplo de fazer diferente. O alimento, hoje, não é saudável, tem muito “pozinho”, muita química. A cadeia é altamente dependente de defensivo agrícola e grande parte disso vai para os rios, para o mar. Há uma monocultura que destrói a biodiversidade.

Temos que reinventar esse modelo da cadeia alimentar – do defensivo agrícola para orgânico, agricultura familiar, cooperativas. (Precisamos) olhar para a biodiversidade do ecossistema regional. Sem essa oportunidade que a Mãe Terra tem de repensar tudo isso, talvez deixássemos de ser esse exemplo.

Em que situação você fez um “limão” virar uma “limonada”? Como você se saiu transformando algo ruim de forma positiva?
O grande “limão” dos empreendedores é não ter grana para comunicação, quando se é uma marca de consumo. Sempre me deparei com essa situação. E virei fã do que chamo de marketing de parcerias, ou seja, buscar parcerias com as quais pudesse associar a marca Mãe Terra, que distribuíssem (os produtos) em escala sem que gastássemos muito dinheiro.

Por exemplo: a Gol. O fato de eu não ter dinheiro para propaganda foi o “limão” que transformei em “limonada”: alimentamos quase 3 milhões de pessoas nos aviões, por mês, e o melhor, sem gastar nada. Isso só veio porque a escassez foi grande. Sempre fiz parcerias, sem grana, mas teve muito “não”, também. Quantas vezes bati na porta da Gol e tive um “não”? Muitas! Tive que ser cara de pau, ter resiliência, bater muitas vezes para ter um “sim”.

Tem alguma frase inspiradora que ajude a viver esses momentos?
Muitas, mas tenho refletido recentemente sobre uma muito simples: “A goiabeira dá goiaba. Você tem que respeitar sua natureza, porque, se você tem um pé de goiaba, você não vai dar manga”. Outra frase que adoro e uso bastante é “Before skill comes willantes da habilidade e competência vem o desejo, a vontade. Olho muito isso na contratação: o cara pode ser um excelente profissional, mas está com brilho nos olhos? O que o move? Qual sua natureza?

E que lideranças te inspiram?
Tenho muitas inspirações fora dos negócios: Gandhi, Mandela… No mundo dos negócios, estou interessado em quem busca soluções no “caminho do meio”: com lucro, mas gerando valor para sociedade. Muitas empresas estão fazendo isso no mundo, como a Patagônia e, numa escala maior, a própria Unilever. A origem das empresas é ter um fim social. Precisamos resgatar isso, reequilibrar, e acho que é isso que o Paul Polman (diretor executivo da Unilever) está buscando.

E que livros te fizeram bem?
Cartas a um Jovem Poeta, do Rainer Maria Rilke, que todo mundo em busca de uma essência na vida deveria ler. Sou fã de Clarice Lispector, gosto de Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres e Aprendendo a Viver. Acho que a Clarice torna a vida mais subjetiva, com uma profundidade que a gente às vezes perde no dia a dia e, ali (na leitura) é uma forma de me reconectar. E tem um clássico que me ajudou muito na formação para compreender o que somos: Casa-Grande & Senzala, do Gilberto Freyre, uma obra de arte da antropologia brasileira.

Empreender no Brasil é uma sorte ou um revés?

Empreender no Brasil, em primeiro lugar, é um chamado. O ecossistema não é favorável, é um revés. Empreender é expressar sua essência com mais liberdade, e isso é maior do que dinheiro: é você ter liberdade para ser o que você é. Acho que as forças maiores estão aí e ajudam, mas tem uma frase: “Quanto mais eu treino, mais sorte eu tenho”. Há um pouco das energias a favor, a sorte mas sem suor e lágrimas, a coisa não acontece.

As empresas têm dado mais atenção a espaços de cocriação entre pares. Ao mesmo tempo, existe a hierarquia na hora de decidir. De que jeito você exerce seu poder dentro da Mãe Terra?
Acho que o papel de um líder é tentar fazer florescer a luz de cada um. A vida é feita de luz e sombra e todo mundo tem sua luz e sombra, também. Tenho um grande prazer quando vejo que as pessoas conseguem florescer ali, o que eu acho que acontece por meio de uma parceria em processos criativos não só de criação de embalagem, produto, comunicação, mas a criação de um processo.

Buscamos uma gestão mais participativa, mas tem um momento em que o consenso joga contra. Essa é a agilidade do empreendedor: receber logo e chutar rápido. Mas me interessa buscar o flow, o estado de graça. A vida de empreendedor é tanta “pancadaria” que você não tem tempo de olhar o outro, e é aí que recorro a Clarice [Lispector] para me reconectar. Todo líder tem que ser um bom ser humano. Tem que ter um interesse genuíno por pessoas. Não que eu tenha. Estou em processo de evolução.

Como a Mãe Terra trata o tema da diversidade?
Tivemos um caso de uma funcionária transexual que queria usar o banheiro feminino e os funcionários da produção foram ao sindicato reclamar. Compramos essa briga e isso gerou uma alegria nessa pessoa! Depois ela foi ser a noiva da nossa festa junina, e chamou a mãe dela, do Nordeste, para ver, porque ela nunca tinha casado.

Tem também um funcionário que entrou muito reprimido e, de repente, começou a vir com brincos maiores; depois, com a unha pintada. E outro dia ele me disse que uma das coisas mais importantes que lhe aconteceram foi ter se expressado.

Passamos muito tempo da nossa vida útil trabalhando. Então, tem que ser alegre, tem que ter bagunça, ser um pouco criança. Somos meio bagunceiros na Mãe Terra. Tem que ter o equilíbrio entre disciplina e firmeza, com leveza, alegria.

https://soundcloud.com/oficinareserva/alexandre-borges-mae-terra/s-5d1Zs

Como você projeta a Mãe Terra e o Alê? Particularmente agora, com esse contexto do “casamento” com a Unilever?
A Mãe Terra está sendo escolhida para ser uma marca global da Unilever. O Brasil sempre exportou commodities: soja, laranja, minério, gado. Não exportamos muito o conceito, a marca. Mais do que exportar produtos, é exportar um modelo diferente, que busca reinventar a cadeia alimentar. É ajudar a mudar o modelo por dentro.

Eu, daqui a dez anos [ele hesita, reflete] Bom, depois dos 40 a gente começa a contemplar mais a finitude da vida. Espero que eu tenha maior coerência entre o que gostaria de ser e o que estou fazendo. Sou muito autocrítico, falo mais do que faço. O empreendedor não tem muito tempo para ficar pensando no espírito, mas espero me reconectar, agora com um pouco mais de tranquilidade, e viver essa essência com mais plenitude.

Que Brasil você gostaria de ver nascendo agora, e florescendo daqui a pouco?
O [historiador brasileiro] Sérgio Buarque de Holanda diz que o brasileiro é o “homem cordial”. Cadê a nossa cordialidade? Espero que a gente resgate valores, amor, na sociedade. Estamos convivendo num universo de muita violência. O brasileiro é afetuoso, carinhoso. Os estrangeiros amam a gente. Mas acho que a gente se perdeu. Os valores são a base do “ser”, não só do “ter”. Precisamos resgatá-los.

 

Esta é uma das entrevistas que fazem parte da campanha da Oficina. Conheça a marca e leia o bate-papo com os outros empreendedores

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