Em 2012, as amigas de infância Joana Naracci, 32, e Larissa Saraval, 33, fundaram a Il Casalingo — do italiano, “feito em casa”, “da casa” ou “da pessoa que aprecia a vida em família, ama a própria casa”. A expressão resume bem a ligação que as duas têm com o conceito e a proposta da marca: criar produtos para quem gosta de cozinhar, receber os amigos e a família, passar tempo de ócio dentro do próprio lar.
Joanna costuma dizer que cresceu entre panos e panelas. “Meu pai e meu irmão são cozinheiros. Já meus avós paternos e minha mãe tinham confecção de roupas”, conta. Quando se formou em Design Industrial pela FAAP, em São Paulo, seu projeto de graduação já apontava para essas heranças de família: a criação de um uniforme para restaurante, que teve uma boa aceitação dos professores. “Eles acharam que tinha potencial comercial, poderia virar um negócio”, conta. Mas ela foi trabalhar como designer em escritórios de comunicação e manteve os uniformes no paralelo.
Sua primeira marca, a Jota Ene, de design de uniformes, foi solo. “Morava no bairro de Higienópolis, em São Paulo, e comecei a bater na porta dos restaurantes da região, com a cara e a coragem, para oferecer os produtos”, conta. Aos finais de semana, ela retornava para Sorocaba — onde voltou a viver em 2013 — e costurava as peças na confecção dos avós. Na época, eles atendiam a grandes empresas como C&A e Pakalolo (marca infantil que reinou nos anos 80 e 90). Logo Joanna começou a fazer itens de mesa como guardanapos, panos de prato e avental.
Larissa, que conhecia desde os 11 anos, passou a comprar alguns de seus produtos, para uso próprio e para presentear. Formanda em Psicologia, ela atendia em consultório, mas também tinha inclinação para negócios da casa e decoração. As duas ficaram pensando em como fazer algo juntas e decidiram começar a marca do zero, mais voltada a estilo de vida.
SIMPLES, MAS COM ACABAMENTO ESPECIAL
As primeiras coleções da Il Casalingo foram compostas principalmente de roupas de mesa: panos de prato, guardanapos, aventais, paninhos para enrolar queijos em processo de feitio ou para proteger saladas e bolos servidos à mesa. Os tecidos são sempre naturais, com uso de linho e algodão — que vai desde o cru até a lona e o jeans, em sua versão mais robusta, e leva fraldas e gases, nas mais delicadas. Joanna fala a respeito do conceito:
“Essa estética veio de um repertório de vida e de gosto, que inclui viagens para fora do país. Queríamos aqueles itens simples que víamos fora e amávamos, mas não encontrávamos nada parecido no Brasil”
A inspiração global vem da estética nórdica minimalista, do básico da varejista sueca Ikea, de marcas japonesas como a Muji e, mais no começo, da americana Anthropologie, que hoje as sócias consideram muito elaborada para o estilo que formaram. Embora carregue esse cosmopolitismo, a Il Casalingo também revela uma identidade brasileira, com um apelo regional. “Morei na região de Trancoso e Caraíva (no litoral sul baiano) na infância. A família da Larissa é mineira. Então, tem um pouco dessas referências também, do simples brasileiro, mas colocado em outro ambiente e com acabamentos mais especiais”, diz a cofundadora, citando as alças de couro dos panos de prato, vendidos a partir de 29 reais.
Os produtos da marca são feitos com mão de obra e, em sua maior parte, matéria-prima nacional. Os itens de fabricação própria hoje também incluem roupas de cama e banho, uma pequena linha de vestuário e de móveis de madeira, além dos uniformes — um dos carros chefes do negócio. “Se formos dividir o faturamento, diria que eles representam a maior parte. Seria 30% vindo das vendas de atacado, 20% do varejo e 50% dos uniformes”, afirma Joanna.
As tábuas de corte (a partir de 49,99 reais) e banco de madeira (249,90 reais) são desenhados pela Il Casalingo e fabricados por um marceneiro parceiro. Assim como as vassouras de palha (a partir de 34,90 reais), que remetem a um regionalismo interiorano, feitas por um artesão local com o design de Joanna. Fora a fabricação própria e as parcerias, a marca também faz revenda de itens de cozinha bem brasileiros, como canecas e pratos de ágata, além de objetos de decoração e itens de papelaria e revistas. A empreendedora comenta:
“Sempre quisemos oferecer estilo de vida, por isso não faria sentido ficar só na cozinha. Começamos por esse lugar e fomos espalhando”
Recentemente a marca lançou roupas básicas, como camisetas de algodão (79,90 reais), que acabam sendo usadas como uniformes em restaurantes de pequeno porte, que não teriam verba para encomendar peças exclusivas. Embora o acabamento manual seja uma das partes centrais desses tipos de itens, especialmente os de tecido e madeira, o negócio das meninas já nasceu digital.
VENDER PANOS DE PRATO PELA INTERNET? NÃO É QUE DEU CERTO?
Quando se tem uma loja de rua, as pessoas passam pela porta, olham a vitrine e podem se sentir convidadas a entrar. “Na internet é difícil esse passar, é preciso oferecer a loja o tempo todo”, diz Joanna, já dando a deixa para uma das principais estratégias de venda da Il Casalingo, que começou como loja online por ser mais barato e usa as redes sociais para divulgação. A mais estratégica para elas é o Instagram, já que muitas vezes basta postar um produto lá para a venda ser feita quase instantaneamente no site.
Para isso, a dupla aposta na beleza das fotos, produções simples e elegantes, com direção de arte das próprias sócias e cliques de um amigo, o fotógrafo Bruno Geraldi. Assim, tudo fica em casa. “Conhecemos o Bruno quando ele tinha uma assessoria de comunicação voltada à gastronomia, a Noz Moscada. Começamos a trabalhar juntos por afinidade. A agência acabou, mas continuamos a fazer as fotos com ele até hoje.”
Para ter um lugar onde as pessoas pudessem ver os produtos ao vivo, a dupla começou a participar de feiras de produtores artesanais, como a extinta Casa Samambaia, na Vila Madalena, que foi importante na trajetória da marca no varejo. “Metemos a cara e, logo no começo, também fizemos feiras de atacado, como a Craft Design. Normalmente essas feiras têm muita coisa importada. Então, desde a primeira edição, as pessoas gostaram muito dos nossos produtos. Falavam: ‘que lindo!’, mas não sentiam muita segurança de que aquilo iria vender”, afirma. Depois foram percebendo que havia, sim, mercado para isso. Atualmente, a Il Casalingo pode ser encontrada em lojas como Eataly, Casa Diária, Casa Equipada e Casa que Tem, em São Paulo, e no empório gourmet Le Marché, em Trancoso.
Já os uniformes são feitos somente sob encomenda e vieram como consequência das feiras de varejo e da loja online, que funcionam como cartão de visitas. “É através do site que as pessoas conhecem a marca. É onde vêem a proposta, o conceito, é o que faz as pessoas quererem ter nosso uniforme”, conta Joanna, que já desenhou roupas para pequenos e grandes negócios na área de gastronomia. Entre os clientes, estão as chefs Bel Coelho e Carla Pernambuco, além de cafés e restaurantes como Lanchonete da Cidade, Maní, a agência de viagens Terramundi e a Livraria da Vila.
Larissa passa uma parte da semana em São Paulo e fica responsável pelos atendimentos e reuniões com clientes, além da compra de materiais. Joanna fica em Sorocaba, onde funciona o galpão sede da marca. Ali, faz a produção, desenvolvimento de peças e cuida do dia a dia do site. Os itens são cortados in loco, enviados para costureiras terceirizadas (muitas que trabalhavam na antiga confecção dos avós de Joanna, que fechou após o falecimento deles) e depois voltam para acabamento. Este, um detalhe à parte, como conta Joana:
“No começo tivemos que explicar para alguns clientes que o acabamento era algo mais básico. Nas tábuas de madeira, por exemplo, não era lixado até ficar lisinho”
Ela continua: “A maior parte do retorno sempre foi muito positivo, as pessoas entendiam a proposta. Tinham aquelas que estavam acostumadas a viajar e diziam: ‘não acredito que tem isso no Brasil’”.
ACREDITAR NO PRÓPRIO TRABALHO É A CHAVE PARA O SUCESSO
Com um investimento inicial próprio de 40 mil reais, a Il Casalingo dobrou o faturamento de 2016 em relação a 2015, o que se repetiu no ano seguinte. “No começo, dobrar o faturamento de um ano para o outro é bem mais fácil. Claro que o crescimento não continua tão exponencial, mas segue aumentando”, diz Joanna. Atualmente, a marca fatura entre 80 mil e 90 mil reais por mês. “Antes o valor mensal oscilava muito mais, com picos e baixas. Desde o ano passado, começou a ficar mais regular. As coisas vão se compensando: dezembro é muito bom para o varejo, mas não há tantos pedidos grandes de uniforme.”
No começo a dupla trabalhava na edícula da casa de Joanna. Quando se sentiram seguras para alugar um espaço, foram para uma sala de 30 metros quadrados, que dividiam com uma equipe enxuta e todos os produtos estocados. Preferiam assim, um passo de cada vez. “Como começamos bem pequeno, fazendo pouca coisa e sentindo o resultado, conseguimos nos direcionar para ver o que dava mais retorno, ir amadurecendo as coisas. Foi bom”, diz Joanna.
Uma decisão que demandou coragem foi manter um estoque maior de produtos e matérias-primas. “Antes, fazíamos pouca quantidade de cada coisa, pois não sabíamos se ia vender ou não. Mas entendemos que ter pronta-entrega seria uma forma de perder menos vendas, especialmente no atacado. Também compramos mais matéria-prima agora, o que nos permite conseguir um preço melhor e já termos o material aqui quando entra uma encomenda grande”, conta a empreendedora.
Ela lembra dos prazos muitas vezes apertados das agências de publicidade que procuram a marca para fazer brindes para empresas, como aventais e sacolas retornáveis. “Nos primeiros projetos realizados em parceria deixávamos mais solto o desenvolvimento, muitas vezes feito por uma agência, mas no fim o resultado não ficava com a nossa cara e o cliente saía insatisfeito. Hoje nos posicionamos mais, além de produzirmos amostras antes de fabricar todo o pedido”, diz.
Afinal, a dupla é procurada pelo estilo único — ou quase — da Il Casalingo. Se no começo, a dificuldade era se posicionar como uma marca premium de roupas de mesa e foi até difícil precificar os produtos, pois não havia referência de algo parecido no mercado brasileiro, hoje começam a surgir produtos similares. “Às vezes algumas pessoas me dizem: ‘vi algo de vocês em tal lugar’, e respondo: ‘mas não fomos nós que fizemos’”, fala Joana. E complementa:
“Com o aumento da concorrência, perdemos alguns negócios, mas surgiram outros. Às vezes as pessoas olham, acham que as peças são nossas e acabam nos procurando”
Esta aí a importância de terem sido pioneiras, o que faz valer aqueles momentos de angústia que acometem a trajetória de todo empreendedor. “É uma doação muito grande. Tem dias que você se pergunta: ‘será que estou fazendo certo?’. Porque você trabalha em algo que não sabe no que vai dar.” Hoje, superados os primeiros desafios e com uma clientela conquistada, Joana se sente mais aliviada: “Dá uma satisfação grande conseguir viver disso e fazer acontecer. Durante um bom tempo a gente só acreditava”, afirma Joanna. Mas que é lindo, ah, isso é.
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