A queda das gigantes varejistas Saraiva e Cultura escancarou uma crise do mercado editorial. Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), as vendas em livrarias caíram 20% em 2018, na comparação com 2017. O número de exemplares produzidos encolheu 11% — 43 milhões a menos de um ano para o outro.
No sentido inverso, os clubes de assinatura de livros vêm se consolidando e mostrando que os brasileiros gostam, sim, de ler. Enviar obras – inéditas ou não, indicadas por famosos e/ou acompanhadas de brindes colecionáveis — mensalmente à casa dos leitores tem se mostrado um modelo de negócio capaz de dar lucro e gerar uma nova relação das pessoas com a literatura.
Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), negócios envolvendo os clubes de assinatura em geral cresceram 167% desde 2015 e movimentam R$ 1 bilhão por ano. Não há um número exato para o segmento literário, mas a CBL estima que haja cerca de 25 clubes de assinatura de livros no país, com um total de 2 milhões de assinantes.
Vitor Tavares, presidente da CBL, vê esse nicho como complementar ao varejo. “Quem procura por esse modelo de negócio está atrás de uma curadoria, de livros específicos, o que não os impede de visitar as livrarias e ter a experiência com os espaços de encontro com os autores e eventos literários, por exemplo.”
PARA AS EDITORAS, CLUBES AJUDAM A SE APROXIMAR DO PÚBLICO
Editoras estabelecidas estão de olho nesse filão. A Companhia das Letras tem um clube de livros infantil, o Expresso Letrinhas (R$ 54,90 mensais, com dois livros mais brinde); a Record, por sua vez, mantém o Clube de Romance da Carina, que envia, a cada dois meses (R$ 69,80, divididos em duas parcelas), dois títulos escolhidos pela escritora Carina Rissi, mais brindes e marcadores.
Ano passado, na Bienal do Livro, a Intrínseca lançou seu clube, o Intrínsecos, com livros “surpresa” enviados para os associados — os exemplares só chegam ao varejo 45 dias depois. A assinatura (54,90 por mês) inclui ainda revista e brinde, como postais e marcadores. O foco, porém, não é impulsionar vendas, segundo a editora-executiva Danielle Machado:
“Para uma editora menor, pode fazer diferença na contabilidade, pode ser uma fidelização de venda que garanta a publicação do catálogo no varejo. Para editoras da escala da Intrínseca, é mais um produto.”
É, também, uma forma de oferecer uma nova experiência aos seus leitores. Na recente Bienal do Rio, em setembro, a Intrínseca promoveu encontros dos seus assinantes com escritores convidados, como a inglesa C.J. Tudor (O homem de giz) e o americano Mark Manson, autor de A sutil arte de ligar o foda-se.
Para quem não quer ficar restrito aos títulos de uma única editora, o caminho é escolher um clube sem vínculo de exclusividade. Abaixo, apresentamos quatro deles — dois “novatos” e dois “veteranos” –, com perfis e modelos diferentes (atenção, os valores dos planos de assinatura não incluem frete):
Bux Club
Lançado em julho, o Bux Club se desdobra em 18 clubes (ou fã-clubes), cada um com o respectivo tema e curador. Fernanda Takai, do Pato Fu, é a curadora de livros do universo infantil; o jornalista Celso Unzelte indica títulos de futebol; Facundo Guerra, do Grupo Vegas, obras de negócios, política e filosofia. O time ainda inclui Laerte, Xico Sá, Marcos Mion e Mariana Ferrão, entre outros.
O coordenador do Bux Club — e ele próprio curador — é Marcelo Duarte, autor do Guia dos curiosos, que completa 25 anos em 2020 (ao todo, a série de nove volumes vendeu 700 mil exemplares).
Marcelo analisa que os livros perderam espaço na vida das pessoas para redes sociais e serviços de streaming, mas acredita que os clubes encontraram uma brecha de mercado oferecendo uma entrega diferente:
“É uma comodidade e também uma experiência literária. O mais importante é dar uma sacudida no mercado editorial, que está passando por uma crise séria”
A assinatura mensal varia de R$ 49,90 a R$ 72,90, dependendo do curador escolhido. Em setembro, os assinantes do clube de Xico Sá receberam A casa das belas adormecidas (de Yasunari Kawabata, vencedor do Nobel em 1968); Bulldogma, HQ de Wagner Willian, foi a obra enviada aos fãs da Laerte.
Além do livro com “sobrecapa personalizada”, cada kit traz encarte, marcador de página e um suvenir escolhido pelo curador. Laerte, por exemplo, produziu 12 tirinhas, uma para cada mês do ano; os fãs-assinantes da jornalista Roberta Martinelli receberam, em outubro, com Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva, um ímã reproduzindo a placa de rua com o nome de Marielle Franco.
Leiturinha
Criada em 2014, a Leiturinha se anuncia como “o maior clube de livros infantis do Brasil”. Contamos o começo da empresa numa reportagem em 2015 e revisitamos sua história em outro texto, em 2016. Naquele ano, a Leiturinha recebeu investimento e se fundiu à PlayKids, plataforma de conteúdo educativo do Grupo Movile (que inclui iFood e Sympla, entre outras marcas).
A Leiturinha não revela faturamento, mas diz ter cerca de 170 mil assinantes. Cinco anos após dar início ao negócio, o cofundador (e CEO da PlayKids) Guilherme Martins diz que hoje existem mais clubes de assinatura de livros infantis no mercado, mas afirma que “os outros players atendem, juntos, de 8% a 10% do público que atendemos”.
Guilherme também exalta a experiência oferecida pela Leiturinha:
“Do cheiro do papel até o fato de que o pacote vai para a entrega no nome da criança, passando pela surpresinha que enviamos, conseguimos criar um ambiente propício para que a chegada dos livros seja aguardada”
Ao longo desses cinco anos, a Leiturinha já enviou 3 milhões de exemplares de títulos publicados por 150 editoras. Os livros são escolhidos conforme a faixa etária. Entre as obras já enviadas, figuram O leão da neve, de Jim Helmore, Os caras malvados, de Aaron Blabey, e O sabiá e a menina, de Beth Timponi (este post do blog traz mais uma dúzia de exemplos).
Os planos têm mensalidades que custam entre R$ 29,90 (a assinatura de seis meses, com um livro por mês) e R$ 54,90 (dois livros, mais descontos na loja Leiturinha, brinde e material com dicas de especialistas para os pais pelo período de 12 meses).
Literatour
O primeiro clube de escambo literário do Brasil: esse o slogan do Literatour em seu site. A proposta do clube, lançado em junho deste ano, é ser uma opção mais barata, com direito a envio de livros usados e descontos em troca de obras em bom estado (assim, o catálogo se retroalimenta).
Formado em Ciência da Computação, o cofundador Luan Lima da Silva conta que sempre frequentou sebos, mas quando conheceu os clubes de assinatura se questionou sobre o preço do serviço — e decidiu bolar uma alternativa.
“Temos livros novos de autores emergentes, também compramos no atacado… Mas a maioria é seminovo e usado. Isso é parte do conceito: colocamos [a informação] no site e na cartinha enviada aos assinantes”
Eles, os assinantes, por enquanto são cerca de 200. Cada um escolhe entre cinco categorias: Romance, Dark (suspense, terror), Light (ficções leves, como Harry Potter), Pessoas (inclui biografias) e Nerd (HQs e ficção científica).
O kit básico (R$ 15,90/mês) engloba livro, card, bottom e marcador de páginas. Há um segundo kit (R$ 21,90), com dois títulos, e o “Grandes Nomes”, também com duas obras, uma delas de um autor consagrado (de Edgar Allan Poe a Agatha Christie e Stephen King), além de um ebook de um escritor nacional.
A Literatour estimula o desapego por meio dos descontos, que chegam a 30% da mensalidade — mas exige antes o envio de fotos das obras, para avaliação interna. “Já temos uma rede de parceiros. Hoje, 30% dos nossos livros foram os usuários que mandaram.”
TAG
A TAG é o grande case do mercado. Em 2014, inspirado pelos clubes de assinatura de vinhos e cerveja, e com um precedente remoto no mercado editorial (o Círculo do Livro, que existiu entre 1973 e 2000 e chegou a ter 800 mil sócios), um grupo de ex-colegas do curso de Administração, gaúchos de 20 e poucos anos, resolveu aliar o gosto pela leitura à vontade de empreender.
Abordamos o começo da empreitada numa reportagem em 2016. Na ocasião, a TAG contava 5 mil assinantes e um faturamento (em 2015) de R$ 500 mil. De lá para cá, os números decolaram. A base de assinantes decuplicou e hoje tem 50 mil leitores em todo o Brasil. O faturamento chegou a R$ 26 milhões no ano passado — e a expectativa é fechar 2019 batendo em R$ 35 milhões.
Para o cofundador Arthur Dambros, o consumidor dos clubes de livros não vai deixar de adquirir os títulos no varejo:
“O leitor queria a experiência do clube, mas vai continuar comprando nas livrarias, vai atrás de livros indicados por amigos. Acho que contribuímos com o varejo, porque os assinantes passar a ler mais, viram leitores mais engajados”
São dois planos de assinatura. O kit TAG Inéditos (R$ 45,90/mês) inclui um best-seller ainda não publicado no país, infográfico, marcador de página e um “mimo” relacionado ao título (enviada em agosto, o livro A seca, da australiana Jane Harper, foi acompanhada por um mini vaso autoirrigável).
No TAG Curadoria (R$ 62,90), o leitor recebe, além dos brindes, obra em capa dura com design caprichado, escolhida sempre por um curador diferente. Entre os curadores de 2019 estão a atriz Fernanda Montenegro, os escritores Michel Laub e Noemi Jaffe, e a poeta canadense de origem indiana Rupi Kaur.
Foi em Herculano, na Itália, que Roberto Borges pediu Régis Mikail em casamento. A cidade soterrada pelo vulcão Vesúvio hoje dá nome à Ercolano, editora do casal que garimpa obras esquecidas para uma nova geração de leitores.
O Brasil é um país de leitores? Tainã Bispo acredita que sim. Ela migrou de carreira, criou duas editoras independentes (a Claraboia, que só publica mulheres, e a Paraquedas), um selo editorial e um serviço de apoio a escritores iniciantes.
“Mais livros, menos farmácias”: como um grupo de uma centena de amigos – na maioria, profissionais da saúde – se uniu em torno desse mantra e do amor pela literatura para pôr de pé a Casa 11, onde o lucro importa menos que o propósito.