por Marilia Barrichello
Já compartilhei aqui no Draft duas experiências em que me aprofundei nos meandros do empreendedorismo. Em 2015 a Singularity University me deixou mais próxima do espaço. No ano seguinte, a Schumacher College me trouxe para a terra, literalmente. Foram experiências contrastantes: as tecnologias exponenciais e disruptivas versus o resgate do humano e sua fusão com a natureza.
Agora, para colocar uma pecinha a mais no grande quebra-cabeça das linhas de pensamento contemporâneas e para entender um mundo cada vez mais complexo, senti a necessidade de algo que fizesse uma ponte, uma triangulação, entre as tecnologias disruptivas e a ecologia profunda. Encontrei isso na quase centenária Babson College (em Massachussetts, nos EUA) e seu histórico de cerca de 40 anos estudando, debatendo e incentivando o empreendedorismo.
Foi com grande animação que identifiquei na lista de cursos um módulo global focado em educar os educadores responsáveis por formar os empreendedores do futuro. Após alguns meses na fila de espera, insistindo por uma cadeirinha a mais, consegui me matricular no curso, que é um dos mais tradicionais da Babson e ambiciona incentivar os participantes, na maioria educadores, a estudar, refletir e repensar conceitos e ferramentas do empreendedorismo.
Naquele momento, a visão mais purista e utópica do empreendedor “super-herói-geneticamente-favorecido” e altamente passional ainda ecoava em minha mente
Ao ver no programa um capítulo focado na transferência de metodologias e ferramentas para tornar o empreendedorismo mais próximo do que pode ser ensinado e adquirido (e menos no que pode simplesmente ser herdado), meus olhos brilharam.
A Babson fica em Wellesley, próxima a Boston, em um campus tão impecável quanto idílico e com uma ótima infraestrutura para os cursos de extensão. Misto de hotel com mais de 200 quartos e centro de aprendizagem com salas grandes de conferência, salas de apoio, lounges e cafés, a sensação de conforto, previsibilidade e comodidade se misturava com a falta de um certo caos criativo, que ao meu ver deveria ser também estimulado.
A professora e mentora do curso Heidi Neck foi quem abriu, conduziu a amarração entre as sessões e fechou o curso, com a participação de outros professores especialistas cada qual com uma ótima didática, presença e carisma. Mais ou menos tecnológicos, mais ou menos engraçados, mais ou menos teatrais, a questão estava mais em encontrar um estilo autêntico e genuíno de ser e de se colocar; e isso foi algo que cada um de nós acabou sendo convidado a explorar e encontrar.
O dia começava cedo e as muitas atividades, dinâmicas e exercícios eram pensados para expressar pela prática a “invisible theory”. Fora a pasta com os textos selecionados e alguns poucos slides de abertura das disciplinas, todo o resto do conhecimento estava sendo construído pela experiência do fazer. Éramos 11 grupos divididos previamente para as atividades, incluindo uma apresentação de concorrência (pitch) no final; e outros trabalhos em grupos circulantes, formados mais randomicamente, ao menos uma vez por dia.
As mesas compridas, ao estilo bancada, eram identificadas com os nomes, mas a cada dia o nome estava em um lugar diferente. Dessa forma, sem lugar fixo na mesa, sem patotas formadas e sem tempo para os mais diversos desafios que nos eram colocados para discussão; a zona de conforto se extinguia dia após dia e dava espaço para a flexibilidade e abertura para o novo. Dentre essas variáveis de escassez, o mais dramático para mim foi a questão do tempo, sempre no limite do possível que estimulava o agir e o pensar ao mesmo tempo.
Nessa busca pelo encurtamento da distância entre o fazer e o pensar que se ancora a metodologia licenciada pela Babson, chamada Thought and Action, o “pensar” acontecendo junto e com o “fazer”.
É muito poderoso como ao minimizar a barreira entre fala, ação e pensamento maximizamos a criatividade e a construção colaborativa
Conceitos que temos ouvido muito como o learn by doing ou o fail fast estavam ali, sendo vividos e experimentados a cada tentativa, a cada troca em que tínhamos um problema para solucionar, uma necessidade para atender.
Essa forma fluida e dinâmica pede, necessariamente, o recolhimento dos egos e dos mecanismos de autocensura ou boicote, porque fica evidente que ao oferecer um estímulo bom, ele pode ser tornar ótimo com o aprimoramento do grupo e que a chance de um input crescer com a troca é muito maior do que a vergonha com o medo de guardar uma ideia ou um pensamento para si.
Nesse processo junto e misturado entre teoria e prática, fazer e pensar, sentir e racionalizar; ouvi outros ensinamentos que me marcaram bastante. Logo no jantar de boas-vindas do curso, Heidi Neck mencionou uma máxima: “Não se preocupem em ser os melhores. Tentem ser os únicos” . Essa frase certamente quebrou barreiras entre nós, uniu pela colaboração e também me fez ficar atenta ao que eu gostaria de trazer de único para o grupo, além de também ficar atenta para descobrir esse lado especial de cada pessoa presente.
Pessoa e método. Esse binômio poderoso, que carrega a visão da Babson sobre empreendedorismo, sai da visão fatalista de que ou se é ou não é empreendedor.
Existem, sim, traços de personalidade e caráter que facilitam e influenciam o perfil empreendedor como coragem, ousadia, paixão, dedicação e persistência. Mas esses são como impulsionadores e não suficientes para que o empreendedorismo possa realmente acontecer.
Existe um jeito de fazer que interage diretamente com um jeito de ser, passando pelos filtros de visão de negócios, gestão e colaboração, propósito e ambição, a partir de um método de estruturação de pensamento e ação. Este método tem quatro práticas interdependentes: a da empatia, da criação, da experimentação, da imaginação. E tem a prática da reflexão como elo central.
Um exercício metafórico nos ajudou a compreender essa lógica a partir de dois estímulos: o do quebra-cabeças e o da colcha de retalhos. Ao montar um quebra-cabeças, padrões cerebrais são acionados e tendem a uma falsa lógica polarizante. Quebras-cabeças reforçam o pensamento linear, uma dinâmica mais competitiva e um resultado específico. Por sua vez, construir uma colcha pressupõe a experimentação, a colaboração e o resultado não é ago previsível. Ao entender os prós e contras de cada modelo, discutimos os conceitos de managerial (mais gerencial, estanque) e de entrepreneurial (mais empreendedor, inquieto) e a necessidade de juntar a capacidade preditiva com a capacidade criativa.
Se o mundo é complexo e está sempre se transformando, o empreendedorismo necessariamente precisa estar alinhado a este mundo e ser capaz de antecipar melhorias, adaptações e ajustes
A mudança está no fazer e o fazer está na mudança. Dessa forma, o estilo gerencial tradicionalmente mais previsível e estanque (managerial) precisa dar lugar ao caos criativo e inquieto do empreendedor (entrepreneurial) para estar mais próximo do dinamismo que acontece sem receitas de bolo e que demanda alto nível de energia e comprometimento.
Não à toa, o método que embasa o empreender tem um dos vetores baseados no playful (imaginação). A atitude de leveza de espírito contribui para que o processo não torne os protagonistas máquinas apáticas e sem brilho. Há uma questão de energia, de foco e de compromisso que precisam ser constantemente alimentados, apesar do esforço, da dedicação, do suor.
Foram diversas aulas com ferramentas, exercícios e estímulos para aprofundarmos assuntos contemporâneos como design thinking, proposta de valor, modelo de negócios, modelos econômicos, teia de capilaridade e competências.
Ao longo dos trabalhos, me vi povoada de novas reflexões, provocações e ideias advindas da responsabilidade de me entender como parte de um grupo focado em preparar os empreendedores do futuro. Apesar de diferenças geográficas e culturais, desafios comuns nos uniam e pudemos estabelecer um bom nível de troca e novas elaborações sobre termos e assuntos típicos do mundo empreendedor. A questão do fail fast, por exemplo, foi ressignificada por um termo mais ativo e consciente: affordable loss. Ou seja, uma mudança de atitude onde o falhar vira uma atitude mapeada e trabalhada hipoteticamente nas dimensões principais de tempo, reputação e investimento.
Logo no primeiro dia, vimos os números crescentes do empreendedorismo ao redor do mundo e o Brasil aparecia em destaque, como o principal expoente
Assim, é possível pensar que no futuro o “empreender” será a face mais visível, ou a síntese, do “fazer”. Atitudes como coragem, determinação, inovação, criatividade, pragmatismo e colaboração somados ao ferramental técnico e ao método, que hoje estão dentro de um conceito chamado empreendedorismo, deverão fazer parte de todo e qualquer fazer.
A aproximação dos universos do empreendedorismo e da administração que foi metaforizada na dinâmica do quebra-cabeças e retalhos também terá um esmaecimento de fronteiras e uma integração tanto de propósito como de atuação. Ao refletir sobre essas novas relações, pude entender de uma forma mais profunda o último dia em que discutimos conceitos como entrepreneurship of all kinds.
No fundo, os rótulos e a semântica serão menos importantes. Empreender estará presente em diferentes níveis, em novos negócios, em iniciativas dentro nas corporações, em projetos disruptivos, em incubadoras nas empresas e universidades, ou seja, mais importante que o conceito em si será a necessidade cada vez mais clara de se atuar de um jeito diferente e transformador.
A Babson é o celeiro do capitalismo consciente, que adiciona a camada da transformação social e do impacto positivo junto à dinâmica dos negócios
Não bastam poucos ganharem, é preciso construir um legado de transformação sustentável coletiva. Este discurso também começa a ganhar espaço. Qual o impacto positivo que essa nova atitude, esse novo fazer, pode gerar? Como garantir retorno, mas de uma forma mais saudável, sustentável e construtiva? A lógica de que poucos ganham parece defasada e o mindset mais coletivo provoca novas discussões para fórmulas antigas e mesmo ainda sem uma receita de bolo, percebo que o empreender também deverá andar junto com o transformar.
No último jantar, que foi comemorativo, o prato principal era especial e típico da região de New England: lagosta. Ao ver aquele bicho inteiro com casca e tudo, gigantesco e junto com alicates, pinças e afins percebi que aquilo seria um evento. Foi, na verdade, um momento banal, mas para mim significou muito. Eu sabia que queria experimentar, mas como? Como quebrar a lagosta? Como tirar a parte que não se come? Como usar os instrumentos? Como não parecer muito idiota ou infantil? A minha mentalidade de quebra-cabeças estava lá, quase matando meu espírito curioso. Foi quando migrei para o modo colcha de retalhos e, ao olhar por outro ângulo, me permiti rir de mim e fiz as pazes com o não saber.
Pedi ao colega ao lado, um expert em lagostas vindo da Australia, uma ajuda para começar. E vi que essa ajuda não estaria centrada na melhor forma de usar a pinça ou de segurar o bicho com as mãos, mas sim em entender mais sobre as histórias afetivas e memórias ligadas aquele momento. No movimento empático de ouvir e sentir a história dele, percebi que aquele momento era tudo o que eu tinha para criar minha própria experiência. Então, em vez de começar a desfiar a série de desculpas que já tinha pensado para entrar no buffet novamente e pegar um frango assado, eu sorri para meu colega e silenciosamente comecei meu processo.
O mundo já tem desculpas demais, não é verdade? Por que não aproveitar o que já está a seu alcance?
Mesmo que pareça não ser suficiente, quantas vezes a gente acha que necessita de algo, mas percebe que o principal já está conosco? A lagosta foi só o gatilho para algo que eu precisava rever e recriar em mim, antes de simplesmente sair fazendo ou, ainda, desistir. A vida está cheia de elementos estranhos, desconhecidos, novos e imprevisíveis que constantemente colocam à prova aquilo que julgávamos ser suficientes para entendê-los.
Mudar o olhar do que falta para o que se tem em mãos parece ser a grande chave para, a partir da consciência das reais potencialidades, poder efetivamente exercer um fazer transformador.
Marilia Barrichello Naigeborin, 39, é publicitária e mestra em Comunicação e Sociologia. Atualmente trabalha como consultora.
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