Carteira “de papel”, camisetas com bolsos “de papel” e, em breve, tênis “de papel”. Parece loucura, mas esses são os produtos da Dobra, uma empresa gaúcha criada por um primo e dois irmãos: Eduardo Hommerding, 27, Guilherme, 24, e Augusto Massena, 20. Na verdade, os itens vendidos são feitos de uma fibra sintética chamada Tyvek e produzida pela Dupont. O tecido é impermeável e usado na produção de uniformes e no isolamento de prédios durante o período de construção. O pulo do gato: é leve e dobrável como o papel, porém resistente como o plástico. Ideal para confecção das carteiras fininhas, carro-chefe da Dobra (49,90 reais), com mais de 400 estampas personalizadas.
A ideia surgiu em 2013, como um projeto de faculdade de Eduardo, que cursou Administração. Mas tudo ficou (com o perdão do trocadilho) no papel até 2016, quando os jovens decidiram que era hora de começar a empreender. Já existiam produtos parecidos por aqui. Mas o que motivou os empreendedores a fundar a Dobra não foi só a possibilidade de criar um negócio e sim uma “experiência diferente”. “Estávamos incomodados com duas coisas: o atendimento meio bosta e engessado que as empresas tinham, com distanciamento dos consumidores, e ver como elas continuavam fazendo a mesma gestão de 100 anos atrás”, diz Eduardo.
O incômodo se intensificou e se tornou oportunidade enquanto os três faziam cursos de inovação e novos modelos de negócio. Já com a ideia pronta, adiaram o lançamento para completar um workshop de Futurismo na Perestroika. Depois das aulas, decidiram repensar o projeto. “Jogamos todo o plano fora e começamos do zero”, conta Guilherme, formado em Gestão para Inovação e Liderança.
Nessa tal busca por uma experiência diferente, criaram uma cultura de cuidados com o meio ambiente, apoio a ONGs e inovação aberta (no site há um passo a passo que ensina a fazer as carteiras em casa, com uma folha de papel comum, tesoura e cola), e em fundar uma empresa com produção local e gestão horizontal. O CNPJ de certa forma resume isso tudo: Dobra Projetos Irados LTDA.
COMEÇAR DEVAGAR, ATÉ O PROJETO PARALELO VINGAR
Na família, os sócios têm pais empreendedores (donos de ótica e de franquias de agência de viagens). A vontade de ter a empresa própria já estava neles há um tempo, mas até então, só tinham dado um tímido passo no mundo do empreendedorismo: lançaram um aplicativo de venda de cerveja que foi um fracasso — não teve nem sequer 15 downloads.
Quando decidiram começar as atividades da Dobra eles contam que não se jogaram de cabeça nem esperavam ganhar dinheiro. Tudo começou como um projeto paralelo: passavam as madrugadas imprimindo, dobrando e vendendo as carteiras. Foi só depois de seis meses, com as primeiras vendas e algum dinheiro finalmente entrando, que perceberam que daria para fazer a primeira contratação e se dedicar ao negócio. “Nos reuníamos no meu apartamento e virávamos a noite com mãe, namorada, amigos, montando”, conta Eduardo. Embora tenha dado certo rapidamente, o início da marca teve seus perrengues, a começar com o produto em si. “Batemos demais a cabeça para descobrir como fazer a carteira”, diz Eduardo.
“As gráficas não entendiam nosso pedido. Elas só imprimiam várias por vez, enquanto nós queríamos fazer individualmente, sob demanda”
O negócio só foi viabilizado de fato quando os sócios descobriram “nas profundezas do Google” um tutorial de como modificar impressoras tradicionais para imprimir em Tyvek da maneira que queriam (sem depender de gráficas). Investiram, então, 3 mil reais no material e começaram a colocar a mão na massa.
Hoje, a Dobra fatura cerca de 2 milhões de reais ao ano (em 2017, eles venderam mais de 40 000 carteiras) e conta com 18 colaboradores. Mas os empreendedores continuam fazendo a produção manual quando a situação aperta. “Não tem frescura nenhuma”, afirma Guilherme. A horizontalidade, inclusive, é uma das bandeiras do negócio: desde os fundadores até o mais novo colaborador, todos ganham o mesmo salário (eles reconhecem que não sabem até quando conseguirão trabalhar dessa forma mas, enquanto for possível, vão seguindo adiante). Não há hierarquia e tudo funciona por autogestão. A opção por fazer tudo dentro de casa, inclusive, é mais uma das várias bandeiras da Dobra. “Somos contra a mão de obra explorada. Por isso, decidimos fazer tudo aqui da forma que achamos justa”, diz Eduardo.
QUANDO TUDO DEU ERRADO, TOMARAM O PREJUIZO — MAS GANHARAM CLIENTES FIEIS
Foi também durante a primeira contratação que veio um dos maiores aprendizados. Compraram uma impressora melhor, ganharam o apoio de um funcionário novo e montaram o QG de operações na garagem da casa de um dos sócios. Com tudo pronto para decolar, investiram mais em anúncios e se prepararam para lucrar bastante. O problema: não testaram direito a impressora e, logo após vender 400 carteiras, perceberam que a tinta estava soltando facilmente.
A solução foi respirar fundo e assumir, com transparência, o erro. Enviaram um e-mail para a base de clientes avisando que venderam uma carteira com defeito, que não faziam ideia de como resolver o problema e que tentariam fazer algo a respeito o mais rápido possível. Tomaram prejuízo, mas o resultado foi positivo. “A maioria das pessoas ficou surpresa por nem ter recebido o produto e já nos ver avisando. Era algo que poderia ter nos matado, mas que conseguimos reverter”, conta Eduardo.
Outro desafio que quase acabou com o negócio foi o frete. Por mais que as carteiras sejam leves e finas, transportar algo do Rio Grande do Sul para locais mais distantes do país chegava a custar 30 reais, praticamente inviabilizando a venda ou o lucro. A solução foi negociar com uma série de transportadoras privadas até conseguir valores melhores.
Enquanto se viravam para superar esses desafios, eles também passaram a diversificar o modelo de negócios, oferecendo mais produtos. Este ano, por exemplo, começaram a vender camisas com bolsos de Tyvek (a 99,90 reais). Agora, em maio, pretendem também lançar um tênis (!) feito com o mesmo material. “Fica amassado mesmo, é o charme. Mas é super confortável e resistente”, afirma Guilherme. Tão resistente que, pelo menos em relação às carteiras, ainda há clientes usando os primeiros protótipos criados dois anos atrás.
QUER UMA CARTEIRA? ELES DÃO O TUTORIAL DE GRAÇA
Se no começo havia apenas algumas empresas que ofereciam carteiras como a da Dobra, hoje existem várias. Longe de se incomodar com isso, os empreendedores apostam ainda mais no compartilhamento e na experiência como verdadeira inovação. Isso é escancarado ao acessar o site da empresa e logo se depara com um tutorial de como fazer a carteira que eles vendem, inclusive oferecendo o PDF e detalhes de como montar a sua. “É uma prova de que produto é só uma ferramenta do nosso propósito”, diz Eduardo. Ele fala mais sobre isso:
“O que importa é o gosto de comprar o produto, receber o original, ver a estampa que você escolheu remunerando o artista, saber que parte do pagamento apoia projetos sociais. A galera valoriza tudo isso”
A arte que estampa as carteiras pode ser cadastrada no site por qualquer artista. Eles não fazem curadoria. O único critério é garantir que os direitos autorais sejam respeitados. O artista ganha uma comissão de 5% por carteira vendida.
O negócio além de tudo tem um projeto social, no caso, o Dobra +1: a cada carteira vendida, 1 real vai para a Smile Flame, uma ONG que se propõe a impactar positivamente a sociedade por meio de projetos divertidos e descontraídos — como promover um campeonato de skate em um asilo. Há ainda programas de reciclagem. Clientes que quiserem uma nova carteira podem enviar as suas usadas e ganhar 20% de desconto. Na produção, eles também garantem que todo os resíduos materiais são devidamente reciclados.
Apesar de não se importarem com a concorrência, os sócios acharam uma maneira de mostrar que o que fazem é diferente. A resposta veio com um site chamado Como copiar a Dobra, que mostra que não basta apenas fazer uma carteira igual a deles. Há uma parte bem mais difícil: garantir a produção local, ter a gestão horizontal, cuidar da reciclagem, montar boas embalagens e ter uma comunicação próxima do cliente.
Em outros contextos, há quem peça licença para usar a ideia. “O Projeto Identidade, por exemplo, nos pediu para copiar as carteiras e vender. Eles aplicam o dinheiro na alfabetização de adultos e idosos”, conta Guilherme: “Ficamos muito felizes com esses usos.” Inovação aberta tem dessas.
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