No jargão corporativo, havia um analista não-dedicado, e só. Três anos atrás, esse era o “time” de inovação da EDP Brasil, subsidiária do grupo português de energia elétrica com 3,4 milhões de clientes em São Paulo e no Espírito Santo.
É verdade que áreas de P&D vinculadas ao Programa de Pesquisa e Desenvolvimento da ANEEL já estavam disseminadas nas unidades de negócio. Mas era uma abordagem tradicional, sem inclusão de startups.
A mudança começou em 2016, quando Lívia Brando assumiu como Gestora Executiva de Estratégia, Inovação e Ventures. Com bagagem em inteligência de mercado e passagens por BP (na divisão de biocombustíveis) e Grupo Curimbaba (mineração), ela foi escolhida quando o processo seletivo já estava em seu sexto mês:
“O dilema era que o setor de energia ainda não tinha área de inovação estruturada. Então, não se encontrava ninguém com conhecimento do setor e experiência em inovação”
Hoje, o checklist da EDP Brasil inclui: corporate venture capital, um programa de aceleração de startups (já no terceiro ciclo), workshops de mentores e uma parceria de desenvolvimento de novas tecnologias no Porto Digital, no Recife.
O DESAFIO ERA POSICIONAR A COMPANHIA COMO UMA EMPRESA INOVADORA
Com 2,8 Gigawatts de capacidade de produção de energia elétrica instalada no país, a EDP Brasil é parte de uma companhia global, líder no setor das utilities, que integra o Índice de Sustentabilidade Dow Jones. Presente em 16 países, a EDP teve em 2018 um resultado operacional líquido de 1,584 milhão de euros.
O Brasil representa 20% do Ebitda — e é o único país em que o grupo atua em toda a cadeia: geração, transmissão, distribuição e comercialização de serviços de energia elétrica. Em 2018, a EDP Brasil alcançou o melhor resultado de seus 23 anos: R$ 1,3 bilhão de lucro líquido (108% a mais do que em 2017).
Parte da construção da estratégia de inovação vem da cultura empresarial herdada da matriz portuguesa, onde desde 2007 um fundo de venture capital investe em novas tecnologias. Lá, o programa de aceleração e os hackathons vieram depois, numa inversão da “ordem natural”, segundo Lívia.
“No Brasil, não somos a maior empresa de energia e nem pretendemos ser. Nem somos a que mais investe em inovação, há empresas com verba de P&D dez vezes maior. Mas somos a mais ágil e estamos à frente em instrumentos de corporate venture capital — pois nenhuma outra tem”
O desafio era posicionar a companhia no mercado brasileiro como uma empresa inovadora. “O que fizemos foi direcionar esforços. Nos espelhamos no modelo português, porque eles já tinham muitos erros e acertos, e pudemos começar pelo princípio, com um piloto de programa de aceleração.”
A empresa não divulga o orçamento específico, mas em 2018 R$ 70 milhões foram investidos em P&D e inovação, sem contar o fundo de venture capital.
ESTRUTURANDO O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DE STARTUPS
O programa de aceleração começou em 2017, com o nome de EDP Starter, apoio da Kyvo e foco em early stage. Cinco selecionadas (de 500) tiveram três meses de coworking, mentorias e financiamento para desenvolver uma prova de conceito. Duas — CUBi e Enercred — chegaram a tocar projetos em parceria com a EDP, mas a companhia sacou que a maioria das startups nesse estágio não tinha ainda robustez para atuar junto com uma empresa de grande porte.
Assim, o programa pivotou e o segundo batch (com apoio da Tropos) mirou postulantes em fase de escala, com soluções já validadas no mercado. Outra novidade foram os workshops com colaboradores da média gerência das unidades de negócio da EDP, que estão na operação, têm a visão da ponta e expertise em decisões de contratação. A startup mais bem avaliada — a Dom Rock — ainda ganhou uma ida para o Web Summit, em Portugal.
“Nessa esfera, os resultados foram muito melhores, em função do que tínhamos para oferecer. Em geral, a startup precisa de nós para ter uma chancela no setor de energia – e nós vamos juntos para tracionar – ou para validar uma solução, a fim de abrir o mercado”
Em 2019, sob a bandeira Starter Acceleration Program, o grupo turbinou o programa, engajou a Ace e a britânica LMarks como aceleradoras parceiras e abriu — agora para startups de toda a América Latina — uma chamada de olho em sete verticais: energias limpas, soluções para clientes, inovação digital, armazenamento de energia, redes inteligentes, acesso à energia e inovação em processos internos.
Em julho, de 152 inscritas, dez startups (nove brasileiras) disputaram o módulo LatAm no Innovation Lounge, espaço da EDP em São Paulo para encontros de colaboração. Em setembro, a empresa anunciou as três classificadas — Colab, Loud Voice e a mexicana Trato — para o Web Summit, em novembro. Elas vão competir com as representantes dos módulos América do Norte e Europa por um prêmio de 50 mil euros.
CRIANDO O VEÍCULO PARA INVESTIMENTOS DE CAPITAL DE RISCO
Não havia uma plataforma para investir nas startups mais promissoras. Em 2018, Livia foi defender a oportunidade para a alta liderança. Apresentou um estudo mostrando que as empresas mais evoluídas em inovação tinham esse tipo de veículo e conseguiu aprovação para criar um fundo de R$ 30 milhões, com a missão de construir uma carteira de 10 a 15 startups em quatro anos.
Estruturar o projeto da EDP Ventures “foi bem rápido – três meses – e tenso!”, diz Lívia, que contou com uma consultoria e apoio da equipe portuguesa. A mecânica é buscar sinergias para coinvestimentos junto a outros VCs, em rodadas a partir de Seed até Série A (valores de R$ 500 mil a R$ 3 milhões). Em troca, a EDP torna-se sócia-minoritária, retendo 10% a 15% de ações.
“Temos a possibilidade de follow on. Ou seja, reservamos uma parte do aporte para rodadas futuras. Se a startup crescer, a gente garante a entrada num próximo round até um determinado ‘nível’, porque depois o ticket já fica muito alto para nós”
No caso, quando esse limite é atingido, ocorre a saída do investidor e recobra-se o investimento feito.
Importante: a startup não precisa ter passado pelo programa de aceleração, mas é necessário cumprir pré-requisitos da tese de investimento. O pitch deck para se submeter à avaliação pode ser inserido em um link da Pipefy. Foi assim com a Delfos, que foi bater à porta do corporate venture capital por conta própria e levantou um aporte de R$ 1,5 milhão. A rodada foi liderada pela EDP Ventures e teve a participação de Bossa Nova Investimentos e BMG Uptech.
O segundo aporte, anunciado no primeiro trimestre de 2019, foi na Dom Rock: um coinvestimento de R$ 6,5 milhões, liderado pela INSEED Investimentos com recursos do fundo Criatec 3.
INOVAÇÃO ABERTA POR ENCOMENDA
Desde fins de maio, a empresa roda o Smart Energy Lab, parceria com a Accenture para rastrear tendências e desenvolver projetos de inovação aberta. Por meio da EDP Smart, que opera para o B2C, a empresa avança em novos mercados não-regulados como energia solar distribuída, energia solar residencial (via instalação de painéis fotovoltaicos em telhados) e mobilidade elétrica, com carregadores para veículos elétricos.
A falta de bagagem com o varejo e criação de produtos novos gerou a necessidade de uma mecânica diferente para investir em soluções que exigem desenvolvimento de software. É aí que entram a Accenture e sua estrutura no Porto Digital, no Recife. Definidas as prioridades de investimento, monta-se um squad composto por colaboradores da Accenture e, em menor número, da EDP Brasil. Startups podem ser contratadas para atuar em elos de cada projeto.
Está em desenvolvimento uma tecnologia blockchain aplicada para energia solar distribuída. A ideia é conectar, com a segurança de um smart contract, o produtor da energia solar (que pode ser a própria EDP ou a usina de outra empresa), o distribuidor de energia — que também pode ou não ser um terceiro — e o consumidor final. Algo similar ao que a Cartão Solar faz.
Ainda sem nome fantasia, o projeto está em teste no Espírito Santo. Em 2020, o squad decidirá entre seguir em frente ou encabeçar outra iniciativa.
“A diferença do Smart Energy Lab é que, em vez de fazermos uma contratação comum, temos um comitê, usamos os especialistas deles e fazemos projetos conjuntos com equipes que se unem em colaboração. Vemos isso como uma forma de acelerar esses produtos.”
O caminho para um capitalismo mais justo e um futuro mais verde passa pela inovação aberta. Referência em compensação de carbono, a Natura aposta em seu programa de aceleração de startups para ajudar a descarbonizar de vez sua operação.
A crise climática afeta as culturas de café e cacau, e esse é só um dos desafios da Nestlé. A diretora de inovação Priscila Freitas fala sobre projetos em andamento e como a empresa vê a relação com seus fornecedores e consumidores.
O Marco Legal do Saneamento prevê a universalização do acesso à água potável e à coleta de esgoto no Brasil até 2033. Entenda como a Iguá vem modernizando processos e investindo em tecnologia para tornar sua operação mais eficiente.