Está nas últimas marteladas, nos ajustes finais para abrir suas portas, um tipo de coworking ainda inédito no Brasil, que visa acolher exclusivamente organizações e empresas com projetos de impacto cívico-social. Essa é a ideia do Civi-co: ser um centro de conexões entre empreendedores deste tipo específico (ou seja, que trabalham com impacto, inovação social e estão interessados em discutir e melhorar políticas públicas).
Por que não? Para os sócios Patricia Villela Marino, 47, e Ricardo Podval, 45, amigos de longa data, é hora de parar de reclamar do país, deixar de apontar culpados pelos problemas que nos cercam e juntar pessoas que estejam a fim de tomar conta do lugar onde vivem. Ao criar o Civi-co, eles vislumbram formar uma comunidade que, além do interesse em promover melhorias na sociedade, esfera pública e governamental, esteja aberta a mudanças e que busque colaboração em vez de competição.
Parece ousado. E é bom que seja assim. A ousadia está também no tamanho do espaço. O prédio tem quatro andares e 1.600 metros quadrados. Fica naquela região meio Pinheiros, meio Vila Madalena, em São Paulo, em uma vizinhança mais que adequada. É o último imóvel do lado esquerdo da rua sem saída que tem como vizinho de parede o Impact Hub, espaço colaborativo de impacto social, e como vizinho de frente o centro cultural B_arco.
Vitor Belota Gomes, 27, é o “community manager” e ficará responsável por fazer o primeiro filtro de empresas e instituições que queiram se mudar para lá. Também é ele quem buscará conexões com políticos para trazê-los até o local para participar, por exemplo, de eventos que ajudem a fortalecer esse ecossistema. Ele fala dos planos do espaço:
“Nossa ideia é transformar essa rua sem saída no maior polo de empreendedorismo cívico-social do Brasil”
Vitor ficou conhecido no meio do empreendedorismo social depois de ter criado a ONG Litro de Luz, que atua em sete estados e tem como missão iluminar comunidades isoladas sem eletricidade, utilizando garrafas PET e placas de energia solar. Também coordenou a Visionários, negócio social que busca formar líderes sociais. Vitor dá palestras sobre suas experiências no setor e em uma, realizada em Campinas (SP), no início do ano, conheceu os sócios do Civi-co. Os três combinaram uma reunião no café do B_arco, em frente às obras atuais do coworking social, e ali firmaram a parceria.
Patricia e Ricardo investiram dez milhões de reais no novo negócio, meio a meio. A expectativa é que em cinco anos consigam o retorno financeiro. Patricia levará para o Civi-co as duas organizações que criou: o Instituto PDR, que apoia obras sociais, e o Humanitas 360, ONG que busca humanizar temas ligados a segurança pública. Também já confirmaram mudança para o novo espaço a Sustainable Brands, o Instituto Tellus, o Prosas, a Cicla, o Pipe Social e a TrackMod.
O DESPERTAR PARA O SOCIAL E A INSPIRAÇÃO PARA NOVOS NEGÓCIOS
Patricia diz que herdou da mãe a preocupação com o social. Pouco antes dela nascer, conta, sua mãe definiu que todos os aniversários da filha seriam realizados em um orfanato. E foi assim. Até os 28 anos, ela, a família e os amigos iam cantar os parabéns no Orfanato São Judas Tadeu, em São Paulo. “Lá tinha 300 meninos e nem uma menina para brincar de boneca comigo”, conta, e prossegue: “Isso me marcou muito. Não vou dizer que gostei da ideia desde o começo. Passei por várias fases. Da negação até conseguir me tornar protagonista disso, organizar tudo e fazer do meu aniversário um dia de ação social.”
Com o passar do tempo, Patricia compreendeu a importância da decisão da mãe e passou a promover outros eventos sociais no local. E só parou com as festas, após se formar em Direito, porque foi estudar nos Estados Unidos como aluna convidada do curso de Filantropia e Terceiro Setor da Universidade de Harvard.
De volta ao Brasil, em 2014, criou o Instituto PDR. Na sequência, se aproximou do Centro Ruth Cardoso para pensar em novas políticas de segurança pública e assim nasceu o Humanitas 360. As duas organizações, mais o Instituto Tellus, do qual é investidora, funcionavam no mesmo espaço, no Centro Ruth Cardoso, mas começaram a crescer demais e o espaço ficou pequeno. Foi, então, que veio a ideia do Civi-co. Por que não juntá-los em uma estrutura maior e possibilitar que outros negócios de interesse público fizessem parte disso? Ela fala do que a motivou a empreender, e expõe a opção pelo “cívico” do nome:
“Temos que ser a mudança que gostaríamos de ver no país. Queremos devolver à palavra cívico o seu real sentido, que foi se perdendo ao longo da nossa história”
Em paralelo, o agora sócio Ricardo acabava de voltar da China. Ele viveu os últimos sete anos em Xangai e pretendia tirar um ano sabático (com aquela receita clássica: repensar a vida, viajar, ter novas ideias, se dedicar mais à família) até sair para almoçar com Patricia. Na conversa, percebeu que havia encontrado seu mais novo propósito e deixou o sabático para trás. Ele entrou de cabeça no empreendimento e diz que uma das funções do Civi-co é ajudar negócios sociais a escalar projetos e fala sobre as principais motivações. “Pretendemos ser a ponte entre as organizações e o setor público, entre as organizações e o setor privado e entre o setor público e o privado. Vamos criar um ecossistema nichado para o empreendedorismo cívico-social.”
É COMO UM COWORKING, MAS COM GENTE FOCADA EM INOVAÇÃO SOCIAL
O coworking tem capacidade para receber até 240 pessoas. E o tamanho da empresa lá dentro pode variar de um a 50 funcionários. A expectativa dos sócios é que as equipes tenham em média seis pessoas. O custo individual (mensal) de uma cadeira no Civi-co é similar aos padrões de mercado: começa em 800 reais e vai até uma sala individual com capacidade para oito pessoas, que custa 5 mil reais. Há muitas variáveis nesses valores porque as divisões são bastante flexíveis.
No térreo ficam a recepção, banheiros, um café e um auditório com capacidade para 80 pessoas (que pode ser dividido em dois). Os três andares são para o coworking: há uma área ampla, com mesas quadradas, para quatro pessoas, e retangulares, para oito, espalhadas sob um pé direito alto arquitetura de tubulação aparente.
Nos cantos ficam salas de reuniões e para aqueles que optam por mais privacidade ou precisam de silêncio para fazer conference calls.
No quarto e último andar, há um terraço com o restaurante Café Le Manju (que levanta a bandeira da gastronomia orgânica e funcional). O projeto arquitetônico é assinado pela Dante Della Manna Arquitetura.
Ricardo conta que os boxes podem receber de seis a 16 pessoas e que as paredes divisórias podem ser derrubadas, se houver necessidade. Ele diz que a ideia é ter empresas com no máximo 30 pessoas para não perder a essência de formar uma comunidade. E fala um pouco mais sobre as possibilidades: “Se a empresa for grande demais ou se, logisticamente, não fizer sentido alugar um espaço fixo, poderá participar da comunidade de outras maneiras, fazendo reuniões e se conectando com quem estiver aqui. Queremos ser uma grande célula com várias outras aqui dentro”.
Além do espaço para trabalho, também haverá serviços (cobrados à parte) como aulas de yoga, massagem, acupuntura, entre outros. Patricia quer atrair todas as pessoas que tenham preocupação com políticas públicas para o Civi-co. Sua ideia é abrigar tanto o jovem que tem um projeto inovador como a ONG consolidada ou o negócio social que está crescendo. “E também aquele cara que está dentro de uma empresa tradicional, mas que tem sede de inovação. A ideia é trazê-lo para cá e ajudá-lo a desenvolver suas ideias para promover a mudança que gostaria de ver em suas empresas”, diz. A missão está dada.
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