“Calhau” é um jargão do meio publicitário para se referir a um espaço que ficou ocioso, um anúncio não vendido em um jornal, por exemplo. Na maioria das vezes, o veículo de mídia acaba usando esse espaço para divulgar a si próprio (quando, por exemplo, um site de notícias coloca um banner para divulgar uma seção do próprio site). Mas… será que esses espaços não teriam um uso melhor? Essa questão que rondava a cabeça de Marcia Klepacz, 27 anos, Sheila Piestun, 29 anos — e acabou resultando no surgimento de uma startup premiada e cheia de desafios pela frente, a Calhau Social.
Tudo isso veio conectado a uma questão ainda maior: “Como ajudar organizações sem fins lucrativos a conseguir aumentar o engajamento de pessoas que não estão envolvidas com o projeto?”. Marcia e Sheila participaram do Programa Visionários, que buscava ideias inovadoras ligadas a empreendedorismo social. Ali, ficaram responsáveis por pensar em como ajudar a Atados, uma iniciativa que conecta instituições do terceiro setor a voluntários. No meio desse processo, elas encontraram o que consideram ser o maior problema das ONGs no país: as barreiras de comunicação. Marcia conta:
“Fomos entender as dores desse setor e identificamos que o maior problema era comunicação. ONGs não têm recurso para investir em marketing”
Ela prossegue: “A grana é pouca e vai para outras prioridades: o resultado é que elas não conseguiam comunicar. Foi quando tivemos a ideia de usar o calhau para promover a visibilidade de organizações sem fins lucrativos”.
E como o assunto envolvia tecnologia, uma vez que os veículos hoje são essencialmente digitais, as duas convidaram o expert e amigo comum, Thiago Silvestre, 28 anos, para participar como sócio e trazer este apoio ao projeto.
QUANDO SUA IDEIA SÓ ACONTECE PORQUE MAIS GENTE CURTIU
O começo da Calhau foi um pouco mais fácil do que de outras startups na questão financeira. Isso porque eles venceram o concurso Visionários e ganharam como prêmio 50 mil reais para investir no projeto. Isso os permitiu colocar a ideia em prática. O site entrou no ar em março do ano passado. Esta não foi a única “mãozinha” que receberam: a startup está incubada na Grumft Mídia House & Content, uma empresa especializada em gestão de campanhas digitais, que os tem ajudado justamente na parte de escalabilidade da mídia, ou seja, a fazê-los chegarem a sites que, sozinhos, provavelmente seria mais complicado acessar.
Eles também fazem parte do Grupo CBKY (uma consultoria de tecnologia e inovação em negócios) e por conta disso podem usar um escritório, compartilhado com outras empresas do grupo, localizado na Vila Olímpia, em São Paulo. Sheila, a CEO da Calhau, fala sobre esses apoios:
“Quando vimos tanto apoio, pensamos: ‘Tem mais gente acreditando na gente. Vai dar certo. Não tem como não dar certo!’”
Além disso, há a confiança construída com as mentorias. Ela prossegue: “Temos como mentores os CEOs de vários lugares que admiramos, como a F.Biz, a Tecnisa e muitos outros. Nosso pensamento é que temos que confiar e agora é o momento para isso”. Não estava errada: em dezembro do ano passado, a Calhau Social venceu o Prêmio Brasil Criativo na categoria “publicações e mídias digitais”.
Sheila conta que uma das primeiras decisões após essa constatação foi a coragem de largar o emprego para investir na empresa que havia idealizado. Embora seja formada em design, ela passou pela área de vendas e depois chegou à publicidade (daí que surgiria a ideia de trabalhar com os espaços ociosos na mídia). Por sua vez, Marcia é formada em administração e sempre trabalhou na área de Recursos Humanos, tendo passado por grandes empresas como CitiBank e Ticket. Ambas são de famílias judias que vieram para o Brasil em busca de oportunidades e contam que o estímulo a empreender é algo presente dentro de casa. E que uma coisa acabou puxando a outra.
Já Thiago se declara “o mais nerd” da turma”, já que é autodidata e sempre trabalhou com tecnologia em várias fases, com desenvolvimento de produtos, design de interfaces de sites e desenvolvimento. Como CTO da Calhau, ele é responsável pela interface do sistema e da criação do site da empresa.
Thiago fala um pouco da distribuição dos anúncios: “Usamos o que se chama mídia programática, então a ONG cadastra a sua campanha e por meio da ferramenta do Google, a DoubleClick, programamos todas as veiculações nos sites”. Ele conta que, dessa forma, o sistema não privilegia nenhuma instituição. “A coisa fica mais democrática. Além disso, as campanhas são as mais variadas: pedem doações, convocam voluntários, ou simplesmente divulgam a ONG.”
UM NEGÓCIO QUE DEPENDE DE GENTE
A Calhau Social funciona assim: se você tem uma ONG, pode entrar no site e se cadastrar. Para isso é preciso ser uma organização formalizada e com trabalho reconhecido. “Criamos esse processo de verificação porque temos de garantir para as empresas onde vamos veicular as campanhas que as ONGs são realmente legítimas. Se não forem, a gente não aceita”, diz Marcia, que também é responsável por inclusive visitar as organizações para ver de perto como trabalham. Uma vez cadastrada, a campanha da sua ONG é veiculada graças ao trabalho da Calhau. Além da Atados, há cerca de 150 ONGs cadastradas entre elas a APAE, os Doutores da Alegria e o TETO.
Marcia conta que, nas organizações menores, é comum eles encontrarem um problema em relação à oferta da Calhau: as ONGs simplesmente não tinham gente capacitada a desenvolver as campanhas em um padrão mínimo de qualidade. “Tem ONG que não sabe o que é banner, o que é site, o que é logo… Então, às vezes a gente tem que pegar na mão e ajudar a produzir, porque a gente quer mesmo dar a oportunidade”, diz.
Isso levou a Calhau a desenvolver um novo trabalho: a criação de campanhas, feitas por voluntários de design. Sheila complementa, e conta que agora já existe uma equipe de voluntários (são hoje quatro pessoas) que colaboram justamente fazendo a criação das campanhas, que segue o fluxo convencional de um trabalho de comunicação, ou seja, é pautada, desenvolvida e depois aprovada pela ONG antes de ir ao ar.
De volta à plataforma. Se você é um “publisher”, ou seja, se é editor ou responsável pelo marketing de algum site, blog ou portal, e quer participar, basta se cadastrar para começar a receber “anúncios sociais”, como elas chamam a comunicação da Calhau Social, enviados por email. Entre os publishers da Calhau estão veículos online como Valor Econômico, Omelete e EsporteInterativo. Em um ano de atuação, o site informa que mais de 83 milhões “calhaus” já foram preenchidos dessa forma.
Por fim, se você não tem ONG e nem “publisher” mas quer ajudar, o primeiro caminho é considerar o seu poder pessoal de divulgar ideias (afinal, vivemos a era das redes sociais e somos todos, em diferentes medidas, “publishers” das ideias que acreditamos). No site da Calhau há posts pré-prontos, divulgando as ações das ONGs selecionadas. Basta você publicá-los na sua timeline do Facebook ou Instagram. Outra forma de ajudar é, por fim, tornando-se voluntário — algo que Marcia e Sheila buscam reiteradamente, especialmente entre profissionais de Marketing e Design.
COMO SUSTENTAR ISSO TUDO?
Sheila considera seu projeto tão inovador que um dos problemas, ela conta, é justamente explicar para as empresas do que se trata. Isso também acontece com as ONGs. “Acho que se a gente cobrasse seria até mais fácil. O pessoal pergunta: ‘Mas é de graça mesmo?’. Mas a gente faz o serviço pela ideologia mesmo”, diz Sheila. Ela se declara satisfeita com os números da Calhau: ao todo, neste um ano de operação, já foram veiculadas 123 campanhas.
No caso das empresas, é possível encontrar algumas que estão dispostas a trabalhar a causa (dar visibilidade ao trabalho social dessas ONGs) e passam isso como valor para seus empregados, cedendo o espaço para a veiculação dos banners ou participando da Calhau Social como patrocinadoras. A Calhau ganha dinheiro exclusivamente por meio desses patrocínios, ficando com 10% do que é doado.
Sheila conta que há muitas empresas que não topam fazer isso, presas à ideia de que “espaço publicitário é para ser vendido”. Ela conta:
“Todo dia é uma batalha. Temos surpresas positivas e outras não tão positivas assim”
Ela conta que por uma dessas percepções começaram a pensar em como monetizar também por causa dessas dificuldades: “Percebemos que muitos portais que não iam ceder, mas que talvez eles nos vendessem o espaço publicitário por um custo mais baixo, por ser uma causa social”.
A batalha continua. O negócio vai lutando para se estabelecer. Baseado em pessoas, em voluntariado, em vontade de fazer o marketing e a publicidade trabalharem em prol de um mundo mais humano. Baseado também em muito networking, já que Sheila e Marcia fazem contato especialmente com empresas que são indicadas por outros parceiros. Baseado em confiar nos apoiadores, nos mentores e no propósito que as fez seguir este caminho. Entre das novidades da Calhau Social para este ano está o uso de espaços publicitários off-line. Então pode ser que em breve comecemos a ver campanhas de ONGs veiculadas em pôsteres e banners localizados em shoppings, supermercados, elevadores etc.
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