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“Desde o começo, combinamos que devíamos saber o momento de parar”

Kaluan Bernardo - 29 set 2015 Diana Assennato compartilha aprendizados e reflexões da vida de ex-startupeira.
Diana Assennato compartilha aprendizados e reflexões da vida de ex-startupeira.
Kaluan Bernardo - 29 set 2015
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Diana Assennato é co-fundadora do Arco. Em 2013, a startup foi eleita a melhor do ano pela Revista Info e, em 2015, fechou as portas. Diana contou essa história no MediumMas ela tem muito mais a dizer, pois além da experiência de empreender — e mais que isso: de fracassar no empreendimento e não ter vergonha de falar sobre isso — ela debruça um olhar apurado, sensível e curioso sobre o mundo das startups e dali tira um bocado de reflexões importantes sobre este universo. Parte delas está nos vídeos recentes que publicamos no Draft. Eles são trechos da longa conversa que tivemos com ela.

Diana tem a fala rápida, cheia de gírias e assim vai mandando a real sobre a sua experiência, de forma sincera e direta. Muito além do empreendedorismo, ela falou sobre a trajetória da vida e o que a trouxe até aqui.

Quando se formou em jornalismo, em 2003, foi estudar cinema em Cuba. Voltou ao país para trabalhar em uma produtora de longa-metragens. Na sequência, caiu na TV, como produtora da Quatro Cabezas, antes do CQC chegar ao país. Cansada do mundo montado da televisão, onde, segundo ela, rolava pouca reflexão, decidiu ir trabalhar em revistas. Entrou como produtora executiva da revista Rolling Stone. Depois voltou para TV, trabalhando na VH1, da Viacom. E ainda voltou à mídia impressa, ajudando a criar o projeto editorial da revista da TAM.

Em meio a este vai e vem de veículos e formatos, ela resolveu que estava na hora de mudar de vida, de país. Vendeu o carro e investiu o dinheiro em um mestrado em Mídias Digitais na Universisty of London — que durou de 2010 a 2012.

Na Terra da Rainha, Diana finalmente descobriu que a sua pegada era tecnologia. Enquanto estudava, escrevia sobre o tema para o caderno Link, do Estadão. Uma das suas reportagens de capa foi uma entrevista com David McCandless, do site Information is Beautiful. Ela gostou do trabalho dele e vice-versa. E ela foi trabalhar com visualização de dados ao lado dele. Assim permaneceu até aquele momento que o mestrado pega forte, na hora da dissertação, quando ela teve de pular fora do barco.

Em seguida, Diana começou a trabalhar com o seu então marido, Michel Zappa, que atua como futurista. Ele tinha um instituto chamado Envisioning Technology, que olhava para as tecnologias de hoje com o objetivo de entender as tendências de amanhã. Ao mergulhar em uma dessas pesquisas, sobre o e-commerce, Diana percebeu o grande potencial de coisas que poderia aplicar no mercado brasileiro. Mas a ideia de empreender ficou guardada na cabeça, até que ela voltou ao Brasil, já divorciada, e começou a tocar seus projetos pessoais.

Em março de 2012, ela estava pronta para desenvolver uma  loja de e-commerce para rodar no Instagram. Para facilitar o processo, ela queria que o pagamento pelo produto se encerrasse dentro da rede social. Diana foi, então, procurar a empresa de tecnologia Jurema (indicada por seu sócio e amigo Arthur Lima) para desenvolver a ferramenta. Na conversa, percebeu que o recurso poderia se tornar um produto — um sistema que qualquer um pudesse usar — e, consequentemente, o foco de sua startup. O momento era aquele e ela chamou a empresa para ser sua sócia, e trouxe Luciana Obniski e Camilla Barella para dividirem a sociedade.

O Arco, um sistema de pagamento no Instagram, era uma ideia "tão simples, que era difícil as pessoas entenderem".

O Arco, um sistema de pagamento no Instagram, era uma ideia “tão simples, que era difícil as pessoas entenderem”.

Nascia o Arco, uma ferramenta que permitia às lojas venderem seus produtos diretamente pelo Instagram. Funcionava de forma bem simples: a loja integrava seu sistema ao PayPal e o usuário também. O comerciante informava, na legenda da foto, a quantidade de produtos que tinha no estoque e o preço. Para comprar, bastava ao cliente digitar “comprar” e a transação era feita PayPal. A ideia é bacana — ousada e inspiradora a ponto de ser tão premiada — mas não “pegou” o suficiente. 

Do lançamento até o fim, há uma grande narrativa de suor e lágrimas. Durante três anos, Diana tocou a startup, que teve altos e baixos até culminar no seu fechamento. Ela fala sobre tudo isso abaixo: 

Como foi o processo para validar a ideia do Arco?
A primeira conversa do negócio foi em março de 2012, e em agosto daquele mesmo ano a startup já estava rodando. Conversamos com muita gente, muitos donos de lojas, amigos publicitários, com quem estava ligado ao mercado. Fizemos muita pesquisa, fomos ver quantos estavam vendendo, de onde eles vinham, qual era o grau de interação etc.

E como foi no momento de lançamento?
Quando lançamos, saiu só como ferramenta de pagamento. Logo ganhamos o prêmio de melhor startup do ano pela Revista Info e foi incrível. Subimos na nuvem do hype, que foi muito bom para nos dar confiança e acesso a grandes empresas, que naturalmente não teríamos acesso.

Vocês se dedicavam full-time ao projeto?
Eu era a única que tinha salário e podia me dedicar 100%. As minhas sócias tinham outros empregos. A Jurema tinha o Arco como um núcleo lá dentro.

E como é estar full-time num projeto quando seus sócios não estão?
É complicado. Não é quando você estabelece, do momento zero, como vai funcionar. Mas é difícil. Coisas apalavradas às vezes funcionam, mas às vezes não. A cobrança é muito grande e você acaba se sobrecarregando. Tínhamos que priorizar onde iríamos colocar mais energia. Focamos em criar público e na comunicação. As pessoas me ligavam de madrugada, falando de um problema na publicação no Instagram etc. Mas rolou e a galera entendeu como a ferramenta funcionava. Quem não entendia, ia sendo educado pelos outros usuários.

Você sentia medo no começo?
Não.

Então você sempre achava que ia dar certo?
Também não. Era mais o lance de eu saber que, mesmo se desse tudo errado, tinha sido uma puta experiência. No momento que vi que existia o interesse e que a ideia era foda, eu meio que relaxei. Tinha bastante confiança na ideia.

Mas vocês não pensavam em plano B ou algo do tipo?
Pensávamos sim. Desde o começo combinamos que devíamos saber o momento de parar. Sabíamos que estávamos trabalhando com uma coisa completamente inovadora que, de tão simples que era, poderia ser difícil de explicar.

Com esse modelo de monetização, quando vocês chegaram a pagar as próprias contas?
Nossos custos e nosso investimento eram muito baixos. Mas nunca chegou a ser um negócio realmente rentável.

Equipe do Arco: Arthur Lima, Diana Assennato, Luciana Obniski e Camilla Barella.

Equipe do Arco numa das premiações recebidas: Arthur Lima, Diana Assennato, Luciana Obniski e Camilla Barella.

No texto do Medium, em que você comenta o fim do Arco, você reclama do fato de nunca os investidores terem apostado na startup. Mas, esse modelo que vocês tinham, não funcionava sem investimento?
Funcionava! O problema é que a gente sentia que, por mais que trabalhássemos na criação de público, precisávamos chegar a mais pessoas para que aqueles 5,5% (a taxa cobrada pelas operações, que sustentaria o modelo de negócios da empresa) representassem algo. Sempre precisamos de volume. Nosso investimento era para sensibilizar a galera.

Sem investimento, tivemos que ficar só no marketing de guerrilha. E era guerrilha mesmo. Na unha

Nós entrávamos nos posts e ficávamos comentando com nossos perfis pessoais, indicando o Arco. Começou a funcionar, chamamos a atenção de um monte de gente e nossos usuários passaram a fazer isso naturalmente. Por mais que fosse legal, faltava volume. A gente sempre cresceu, mas não no ritmo suficiente. Afinal, era uma coisa muito nova.

Como foram as conversas com investidores?
Assim que a gente ganhou o prêmio da Info, vieram dois investidores anjos falar com a gente. Um deles entendeu nossa proposta de valor desde o começo, mas acabou não dando certo porque éramos muito inexperientes e pedimos muito por muito pouco. Fomos otimistas demais.

Vocês fizeram valuation e tudo mais?
Fizemos todos os cálculos. Alguns parceiros nos ajudaram com isso. Mas é muito complexo, você nunca sabe o certo porque a margem de erros é muito grande.

E o outro investidor?
Esse nos procurou no dia que ganhamos o prêmio. O cara chegou todo pilhado, falando que tinha uma rede enorme, que ia fazer acontecer, rodar o mundo etc. Era um cara realmente muito bem relacionado e tal. Ficamos três meses negociando e, no dia de assinar os papéis, com advogado e tudo, o cara deu para trás.

Por quê?
Por medo. Falou que conversou com um amigo, repensou e desistiu. Foi uma puta falta de respeito. Acho que as startups no Brasil não são tão levadas a sério como deviam. Sei que muitas não são profissionais e começam num esquema menos rígido, mas são sérias. Foi difícil encontrar investidores que quisessem apostar em nós, não na ideia.

Curioso. Normalmente o discurso deles é o oposto…
Pois é. É sempre o discurso contrário. Mas no final das contas eles só querem saber da ideia e do quando a grana volta.

Esse investidor era experiente?
Sim. Já havia investido em diversos outros negócios.

Você ficou nervosa, decepcionada?
Sim, foi muito tenso. A gente sempre sentia que estava sendo passado para trás.

Como você enfrentou isso?
Fui ler. Estudei muito livro de startup. Senti que faltava bibliografia no Brasil e o que tinha lá fora não servia para cá. Também frequentei eventos. Fui em diversos eventos fazer networking e tal. Depois, comecei a ver que as coisa se repetiam. Eram as mesmas pessoas com as mesmas ideias não realizadas. Vi que haviam muitos faladores e poucos fazedores. Hoje eu respeito muito mais a Economia Criativa do que o mercado brasileiro de startups.

Curiosa essa declaração, considerando que você falou há pouco que as startups não são levadas a sério.
É por isso mesmo. Acho que tem muita gente com uma linda ideia falando sem conhecer muito bem o mercado. Elas são um mau exemplo. O problema é que faltam bons exemplos no ecossistema.

Falta gente pensando e criando coisas específicas para o Brasil, olhando para o país com uma visão mais aprofundada.

Além disso, o startupeiro brasileiro não consome produto digital nacional. Tem muita gente que conhece pouco nosso mercado ou subvaloriza os concorrentes. Acham que um feature ou uma coisinha ali vai ser suficiente para sair na frente do outro. O pessoal fala muito, reclama muito. Falta espírito colaborativo.

Vocês consideraram passar por aceleradoras?
A gente passou em quatro processos de aceleração. Mas só tinha eu dedicada full-time ao projeto e as aceleradoras exigiam que, pelo menos, dois sócios tivessem dedicação exclusiva. Também como estávamos conversando com cinco investidores, achamos que talvez fosse desnecessário negociar com aceleradoras.

Quanto tempo duraram essas negociações?
Muito. E esse foi mais um aprendizado. Quando você começa o processo de negociação com um investidor, um fundo, qualquer coisa, esse processo dura meses. Você não pode ficar parado esperando para ver se vai rolar.

E ainda assim você acreditava que dava para tocar?
Depois de um ano eu passei a acreditar que, se rolasse grana, ia dar certo. Eu já havia traçado o papel de cada sócio, planejado as coisas, tudo. Mas sem grana, não estávamos indo com tudo. Se você for com tudo, já vai ser difícil. Se for meia-boca, você não tem a mínima chance. A gente aprendeu muito nesse processo.

Você era a única com salário. Dava pra viver nessas condições?
Era tudo bastante apertado. Meu custo de vida já havia diminuído bastante quando fui para Londres fazer mestrado. Mas, aqui, tive que enxugar muito mais. Vivia com o mínimo.

Havia alguém de confiança para ser conselheiro ou mentor?
Conheci muita gente legal. E comecei a tomar café com essas pessoas. Não só para falar do Arco, mas para falar do mundo de startups no geral. Esse hábito foi saudável demais, nunca mais larguei. Isso me ajudou muito mais do que os workshops, simpósios, jantares.

O que você diria para quem está nessa fase difícil do negócio?
Segura, faz o planejamento, de forma bem realista, e vê até onde você pode ir.

Vocês tentaram outras alternativas?
Quando o negócio começou a apertar de verdade, nós passamos a criar outros produtos. Um deles foi o Arco Stats. Nós oferecíamos estatísticas de Instagram para ajudar as pessoas saberem a melhor hora de postar, como engajar mais usuários etc. Além de mostrar as métricas, também permitíamos às pessoas agendarem posts. Deixamos o Arco Stats rodando no fundo, com modelo de assinaturas, nos ajudando. Outra opção que apostamos foi white-label. A ideia era vender nossa plataforma, mas de forma customizada para grandes marcas. Mas também não virou.

Atualmente, Diana prefere o ambiente do Empreendedorismo Criativo ao universo de startupeiros: mais colaboração real e menos histórias perfeitas.

Atualmente, Diana prefere o ambiente do Empreendedorismo Criativo ao universo de startupeiros: mais colaboração real e menos histórias perfeitas e repetidas.

Por quê?
As grandes marcas não entenderam o que era social-commerce. Elas achavam que era mais um braço do e-commerce, com os mesmos recursos. A gente não tinha integração de estoque. E desenvolver essa funcionalidade demandaria muito dinheiro. Mas nossa proposta era só uma ideia para a marca aproveitar um pouco mais a comunidade que ela tinha no Instagram. Também tentamos outra coisa, um ativador de hashtags. Conversei com várias agências, mas não virou. Esse caso foi uma grande incógnita.

O fato de ser mulher pesou negativamente alguma vez?
Sim, pesou. Eu não imaginava que o meio de tecnologia era tão misógino. Senti um puta machismo nos eventos. Sempre me perguntavam se eu trabalhava com moda, com maquiagem. (Ela fala mais sobre isso neste vídeo.)

Os investidores eram machistas?
Não. Acho que eram mais os pares mesmo.

Qual foi o ponto final do Arco?
Teve uma hora que, depois da negativa do último investidor, a gente parou para discutir se íamos continuar ou se estava na hora de parar. Afinal, o Arco demandava bastante de nós. Então decidimos colocar a empresa no sleep mode, para que eu não ficasse no dia a dia, mas ainda pudesse procurar um investidor. Comecei a procurar, até que um cara me jogou a real, falando que o projeto era legal, mas nós precisávamos de muito mais do que tínhamos. Foi aí que entendemos que, para o Arco decolar, era necessária uma equipe muito mais focada e com muito mais dinheiro. Resolvemos que era hora de parar.

Você foi a última a soltar o projeto?
Sim.

Se sentiu frustrada?
Não. Na verdade, tanta coisa legal aconteceu, conheci tanta gente boa, que eu sempre souber que algo bom sairia de lá.  

Nunca enxerguei o Arco como meu projeto de vida. Talvez esse tenha sido meu maior erro. Nunca me imaginei tocando o negócio daqui dez anos. Ele era um investimento.

O que você está fazendo hoje?
Percebi que meu tesão realmente era criar público e contar histórias. Sempre pensei em várias coisas, sou uma mente meio inquieta. Antes de o Arco fechar, eu comecei o Ada, um blog que fala de tecnologia pela ótica feminina. Você vê que tem várias garotas super high-tech, mas que não se sentem parte do mundo da tecnologia, porque a mídia não enaltece o lado feminino nesse mercado. É um projeto que eu tinha quando saí do mestrado e que juntei com ideias da Natasha Madov, minha sócia nessa empreitada. Lá temos desde a menina programadora que quer entender o Marco Civil até a avó dela, que quer ver filme na internet. Ainda queremos profissionalizar mais o projeto. Somos parceiros do M de Mulher, estamos contatando patrocinadores etc.

E o que mais?
Agora estou com a Cobalto, que criei para ajudar micro e pequenos empresas fazerem suas narrativas digitais. A ideia veio quando nós começamos a pensar na história que os vendedores do Arco precisavam desenvolver para si.

Mas é um trabalho de consultoria ou de colocar a mão na massa?
Depende do caso. Mas, a princípio, nossa metodologia é voltada à consultoria. Ajudamos a empresa melhorar sua comunicação na internet, dar propósito na sua conversa online. Quando entregamos nosso plano estratégico de comunicação, as coisas vão além de práticas, para pensar no teor do que eles querem comunicar. Então passamos um mês prototipando essa comunicação.

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