Uma palavra curta, simples e sonora: Moko. Mais brasileira, impossível. A expressão vem do tupi-guarani e quer dizer “dois”. Fernando Kuwahara, 33, escolheu este nome para batizar a sua empresa justamente porque a ideia ali é nunca pensar de forma individual, ele sempre quer oferecer dois lados e, além de mirar o próprio bolso, causar impacto positivo na sociedade. Para conseguir parar de pé com esse propósito, o negócio é uma marca curitibana de camisetas que ganha cada vez mais ramificações, mas sempre com uma ponte direta para beneficiar uma série de instituições. “Não existe manual para empreender, principalmente quando falamos de gerar benefício social. A gente precisa ir fazendo e mensurando, aprendendo na prática”, diz Fernando.
Ele fundou a Moko em 2014 depois de desistir de outros dois caminhos profissionais. O primeiro foi o mundo corporativo. “Trabalhava com marketing. A minha maior experiência foi na Ferrero, como gerente de produto de linhas como Nutella e Kinder Ovo.”
A passagem por ali, conta, foi interessante, mas em 2012, ao sair da empresa, Fernando decidiu mudar o rumo e empreender. Na época, assistiu ao documentário Quem se Importa?, que trata de negócios sociais. O assunto, diz, fervilhou na cabeça, mas ele não sabia ainda o que fazer com a inquietação. Assim, arriscou o empreendedorismo convencional e fundou um negócio voltado ao mercado de moda ao lado de alguém que, na época, era uma amiga.
O movimento terminou em absoluto fracasso. “Começamos a nos desentender, as coisas foram piorando até que, um dia, eu cheguei para trabalhar e ela tinha tirado tudo o que era meu da empresa”, conta. Quando as coisas deram errado, ele não sabia exatamente o que faria em seguida, mas tinha duas convicções. A primeira era de que não queria voltar ao mundo corporativo. A segunda foi motivada pela notícia de que teria uma filha. Assim, de surpresa, sem planejamento. “Foi muito turbulento saber que seria pai naquele momento, mas foi o que pesou para eu decidir empreender socialmente. Pensei no mundo que eu queria entregar para ela”, conta.
COMO NASCE UM NEGÓCIO SOCIAL?
A Moko tem hoje três pilares de desenvolvimento: instituições (ONGs), comunidades e pequenos negócios locais. São vários projetos que sempre têm a moda como ponto de partida – e aqui falamos de moda justa, feita por pessoas que mantém compromisso ético. Quando foi criado, no entanto, o negócio era muito mais simples. Ele fala:
“Não existiu um estalo ou momento mágico de inspiração. Fui conectando as minhas referências aos poucos. Elas foram se somando e montei o meu quebra-cabeças”
E segue: “Sou marketeiro, tive experiência com moda e sentia esse lado social nascendo em mim”. Assim, a Moko nasceu em 2014 como um projeto para estimular a criatividade e a ludicidade em instituições e comunidades. “Fazemos oficinas em ONGs para que as crianças em situação de vulnerabilidade criem as estampas. Depois, a cada camiseta que vendemos com as estampas, doamos à ONG uma peça branca, que depois é pintada pelas crianças com tinta de tecido nas oficinas que promovemos”, diz. E complementa, com o slogan que também está no site da empresa: “Vendemos causas, não roupas.” (Para entender o que é, leia o Verbete Draft sobre Marketing de Causa.)
Fernando criou a empresa ao lado de um sócio, Eduardo Gonçalves, 33. Formado em direito, o parceiro no negócio nunca teve envolvimento grande no dia a dia, mas sempre cuidou do trabalho jurídico – essencial em um empreendimento que se propõe a operar com transparência, gerando benefício social.
Os dois fizeram investimento inicial de 30 mil reais e partiram de um conceito relativamente simples, mas que, na prática, ganha algumas camadas de complexidade, conta Fernando. Primeiro, foi um desafio sair do zero e convencer ONGs de que o trabalho da Moko era sério. “Há muita desconfiança. Por isso sempre tivemos muito cuidado com os nossos contratos, com prometer o que realmente podemos entregar.” Além disso, há um desafio técnico importante. Ao contrário de uma marca convencional de moda, em que é preciso estudar tendências e definir coleção, a Moko sai na rua sem ter ideia de como serão as peças que vai fazer:
“O resultado de cada oficina é imprevisível, não sabemos nem quais cores vão prevalecer. Temos em mente que o produto precisa ser legal, mas o mais relevante é o impacto que ele vai gerar”
Com alguns meses rodando, Fernando sentiu que o projeto poderia ir além e entregar impacto positivo ainda maior. Nasceu aí o chamado Projeto Dois, em que a marca firma parceria fixa com algumas instituições com o desenvolvimento de uma linha de camisetas com o apoio de um patrocinador. Neste caso, todo o lucro é revertido para a ONG. “Financeiramente, é o pior projeto para nós, mas ele se paga e é o mais completo para as entidades”, conta Fernando. Sendo assim, na conta dele, as coisas fecham no azul.
QUEBRAR A CARA E PIVOTAR
Se, lá atrás, conquistar as instituições foi difícil, imagine quando a Moko precisou atrair patrocinador? “Eu chegava em muitas empresas e elas não entendiam o impacto, me perguntavam porque elas deveriam me dar dinheiro para que eu financiasse o meu negócio, o que elas ganhavam com isso”, lembra o empreendedor.
Com o tempo, Fernando entendeu que só dava para bater em alguma porta para pedir recursos com um plano muitíssimo detalhado nas mãos para apresentar algo que dê segurança para as companhias de que elas não vão entrar em roubada. Ele lembra que essa não foi a única dificuldade que a Moko encontrou pelo caminho. Foram erros “dos mais diversos tamanhos”, diz. Um deles aconteceu no começo, quando ele convidou para trabalhar e deu participação societária a um profissional que deveria fazer a ponte entre a empresa e as ONGs, mas que não entregava bons resultados. “Em 2015 ele saiu e eu assumi essa parte”, diz.
A Moko também já errou muito no produto, ele lembra. “Colocar um desenho de criança em uma camiseta não é um processo tão simples, principalmente porque muitas vezes a peça inteira é estampada, não só a parte da frente. Chegamos a fazer coisas com a qualidade muito ruim lá atrás, me sentia até um pouco constrangido de apresentar alguns produtos”, afirma.
Superada essa parte, ele diz que o pior mico da marca foi, na verdade, comercial. A empresa apostou em vender no atacado para lojistas com a meta de ganhar escala e, com o país entrando em uma crise econômica, tomaram calotes que quase quebraram o negócio. “Entregamos produtos consignados e nunca recebemos”, diz. De qualquer forma, Fernando reconhece que a estratégia em si era ruim. O que a Moko faz não é algo simples de explicar, principalmente perdida em meio aos produtos de uma loja multimarcas, como ele diz:
“As pessoas precisam entender que não fazemos meramente roupas. Só aí elas percebem o valor”
Assim, o jeito foi focar na venda on-line em plataforma própria, onde podem esclarecer exatamente o foco do negócio. Começaram também a participar de feiras e mercados em Curitiba. “Vimos que ficar de frente para os clientes, olho no olho, tem efeito muito positivo. As feiras são sazonais, então começamos a pensar em ter o nosso próprio espaço”, conta.
O desejo de ter um espaço permanente para interagir com os clientes tomou forma quando Fernando percebeu que a Moko mantinha um escritório com estagiários que, no fundo, era um espaço ocioso. “Não gerávamos negócios ali. Era uma simples base de trabalho, algo que podíamos fazer de casa”, conta. Em 2016, trocaram essa estrutura por uma loja colaborativa no centro histórico de Curitiba, o Espaço Moko. Ali, além das peças da marca, oferecem visibilidade a outros produtores locais e a ONGs que têm produtos interessantes para mostrar. No fim daquele ano, foram convidados pelo Shopping Estação a levar a loja para lá e se mudaram.
“Foi uma decisão difícil, mas era um passo importante para dar mais visibilidade à marca”, conta. Segundo Fernando, no Espaço Moko a meta é compartilhar custos de forma justa e garantir que a história de cada produto seja contada. As empresas pagam um aluguel pelo espaço de exposição e ainda 35% sobre o valor das vendas. “Nosso negócio tem várias frentes, todas precisam gerar benefício e se sustentar. Mas até a gente ter a loja era tudo muito mais coração, coisas que amávamos e fazíamos questão de desenvolver, ainda que não gerasse receitas para nós. O Espaço Moko foi mais pé no chão”, diz, explicando que a estrutura contribuiu com 25% do faturamento da empresa em 2017 – equivalente a parcela das vendas.
VÁRIAS FRENTES – E TODAS PRECISAM PARAR DE PÉ SOZINHAS
No ano passado também surgiu uma nova frente, que garantiu 50% do faturamento para o negócio. Trata- se do Projeto Rede, em que a Moko levanta recursos com empresas para produzir camisetas, uniformes e outras roupas que as instituições precisam, com custo zero para a ONG. “Era algo que já acontecia informalmente. Mas firmamos parceria com o Programa Supera, que capacita pessoas de baixa renda e refugiados em costura.”
Entre os exemplos, está a produção de 150 camisetas que a ONG Engenheiros Sem Fronteiras precisava para uma ação e o fornecimento de 500 camisetas para um evento feito por uma maternidade de Curitiba em parceria com uma instituição.
“Com o Rede, além de diminuir os custos das instituições, garantimos que eles recebam peças feitas de forma ética. Se não fosse pelo projeto, eles provavelmente comprariam o que encontrassem de mais barato, algo que, infelizmente, teria exploração da mão de obra. Me incomoda muito que uma ONG, que se propõe a fazer o bem, sem querer acabe apoiando uma cadeia produtiva problemática”, diz Fernando.
Com bagagem de quatro anos de experiência na Moko, ele diz que uma das grandes dores de ter um projeto social é não conseguir abraçar o mundo e beneficiar todas as ONGs que gostaria de uma só vez. É tudo muito orgânico: tanto o alcance aos clientes, quanto o impacto nas comunidades. Ainda assim, Fernando calcula que a Moko já reverteu cerca de 340 mil reais a instituições que tornam a sociedade melhor, ajudando 110 projetos, incluindo Pequeno Cotolengo, Unilehu e Apae. Companhias como CNH Industrial, Renault e a Rumo já apoiaram iniciativas da empresa.
Ele prefere não revelar o faturamento da empresa, que diz ainda ser pequeno. “A maior limitação está na gente, na nossa capacidade de trabalho mesmo”, diz. Por isso, em 2018 ele pretende ampliar esse alcance. Para tanto, quer fortalecer a equipe (que hoje conta com cinco pessoas, incluindo os sócios) e chegar a 10 profissionais este ano. Se o trabalho é de formiguinha, que seja então em exército delas – cada uma com a sua contribuição.
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