“Não tenho mais nem casa, nem escritório”, diz Danielle Simões, 29, designer com formação em marketing de moda que, há cinco anos, decidiu largar o emprego fixo para usar toda a energia em favor da proteção animal. Ela passou a fazer parte da Move Institute, uma organização sem fins lucrativos que usa arte e design para fazer ativismo em defesa dos animais.
No “ex-escritório” vivem, hoje, Danielle, a fundadora da Move (a também designer Adriana Pierin), nove gatos e um cachorro. Os felinos, “os mais preguiçosos do escritório” são Babi, HonoHono, Neguim, Tiquitiqui, Blantis, Nininho, Lig Lig, Vones e Jesus. O cachorro se chama Tucotuco. Entre um afago e outro nos “companheiros” de trabalho, Danielle e Adriana dividem sozinhas as muitas funções que assumem na ONG (quando há projetos especiais, elas contam com voluntários, mas no dia a dia são apenas as duas).
Danielle é responsável pelo ateliê de serigrafia, participa do desenvolvimento de produtos, da criação dos projetos de conscientização, estabelece as parcerias com as agências de publicidade e também auxilia no design gráfico. Ela também assume a linha de frente dos bazares da ONG, que surgiu de uma inquietação de Adriana.
O ATIVISMO ANDAVA MEIO FEIOSO, ELAS DECIDIRAM FAZER ALGO BONITO
”A ideia nasceu quando a Adriana ainda era designer de livros de arte em Curitiba. Desde a juventude, ela resgatava animais de rua. É vegetariana há mais de 20 anos. E tem um talento que poderia ser usado para os animais”, conta Danielle. A Move nasceu da visão de Adriana de que a comunicação da causa de proteção aos animais era sempre quadrada — e não afetava mais ninguém. Era muito panfleto, texto demais e arte de menos. O insight foi justamente este: evocar o design e a moda para informar sobre venda, maus tratos, confinamento e exploração das mais distintas espécies de animais, dos domésticos aos aquáticos. Tudo sempre envelopado com beleza, delicadeza, mas, nem por isso, menor pensamento crítico. Este é um dos principais diferenciais da Move. O outro é um certo ativismo chique, pode-se dizer.
De início, Danielle participava como voluntária da ONG e mantinha o emprego como designer de produtos na divisão de moda feminina da marca de streetwear Quicksilver, em São Paulo. Nos dois primeiros anos de existência, a Move era um exército de uma ativista só: Adriana fazia os contatos, desenvolvia as ações e também partia para o trabalho de guerrilha. Em 2011, foi ao São Paulo Fashion Week para alertar contra o uso de pele na moda. Ronaldo Fraga foi signatário da empreitada e colaborou com as ilustrações para os materiais de divulgação daquele ano.
Deu certo, o assunto passou a pautar a mídia que cobria o maior evento de moda da América Latina. Com este resultado, a dupla teve a confirmação de que a aproximação com artistas e gente renomada traria holofotes à mensagem que queriam passar. Ano após ano, a fórmula se repete e elas contabilizam resultados. Nas últimas quatro edições do SPFW, o número de marcas que usam peles animais em seus desfiles despencou, chegando a zero em 2013 e 2014. “A maioria das pessoas sente revolta quando vê um animal sofrendo, mas algo faz com que elas não tenham acesso à informação do que acontece por trás do produto que ela compra”, diz Danielle.
Elas acreditam que, para romper com esse bloqueio, o apoio nas redes sociais e o engajamento gerado por algumas ações são decisivos. Em 2012, ano em que completavam-se 50 anos da primeira fala da atriz Brigitte Bardot contrária à exploração animal, a Move decidiu voltar com tudo às passarelas paulistanas. Desenvolveram máscaras de papel com rosto da atriz e, no verso, estavam listadas as marcas que insistiam em usar peles no Brasil. Era um convite explícito, mas polido, para as pessoas vestirem a personalidade mais libertária de Bardot. “Foi um material que ninguém jogou fora. Um dia, sem querer, vi uma foto de uma pessoa com a nossa máscara numa exposição com fotos do Instagram lá na Pinacoteca”, conta Danielle. Era uma mostra do “estrago” que um produto gráfico bem acabado, aliado a uma boa causa, podia provocar.
A ARTE QUE FINANCIA A CAUSA
Além dessas ações tão charmosas quanto incisivas, outro diferencial da ONG é a maneira como se sustentam financeiramente. Elas criaram a Loja Move, um plataforma de e-commerce para vender o ano inteiro o catálogo de produtos que expõem, de tempos em tempos, nos bazares de economia criativa no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, em São Paulo. Coleções e peças novas estão sempre a caminho e a lista inclui carteiras, bijuterias, camisetas (de 45 a 65 reais), camisas, blusas, canecas (cerca de 35 reais), bottoms, almofadas (45 reais), luminárias, cadernos, quadros e livros. Tudo sob o mesmo crivo de qualidade.
O Move também já chegou a organizar leilões de peças de arte pop. Ziraldo, Marcelo Rosenbaum, Alexandre Herchcovith, Maurício Ianês, Nelson Leirner, Ziraldo, Fernanda Young e companhia produziram 60 raposas customizadas num manifesto contra o uso de peles em 2011. Cada peça tinha o lance mínimo de 1 000 reais. A captação de recursos junto à iniciativa privada também é um caminho utilizado. Mas a Dani garante que o grosso do faturamento vem da venda dos produtos:
“Nossa intenção é não depender de patrocinadores para as ações. Perdemos muito tempo batendo de porta em porta e montando pastas para fazer a coisa andar”
Apesar de alguns animais já terem sido abandonados na sede da Move (motivo pelo qual o endereço não é mais divulgado), o objetivo da organização não é se tornar um abrigo para animais. O foco está em criar campanhas contra o abuso animal, gerar ruído contra as ideias facilmente aceitas e, principalmente, combater a desinformação. Danielle acredita que a educação para o tema provoca transformações práticas na vida das pessoas. “Não são raros os casos gente que vem nos agradecer por não ter comprado um animal, ou por ter evitado a compra de uma roupa que era de origem animal, mas ninguém sabia”, diz ela.
Outro exemplo prático de atuação da Move é a distribuição de alimentos veganos na favela de Heliópolis, na zona sul da capital paulista. Ali, voluntários elaboraram um guia de culinária vegana e listaram aos moradores alguns motivos para abandonarem o consumo de produtos animais. A parte prática está também no ativismo em si, como por exemplo, na recente atual discussão para proibir a produção e venda de foie gras em São Paulo. Após a vitória na Câmara, a Move está na linha de frente, pressionando para que o prefeito Fernando Haddad (PT) sancione a lei.
Como se quisesse cercar todas as pontas, após a atingir a indústria de peles, mirar contra o confinamento de pássaros e alertar para os problemas que surgem com a opção pela compra de animais domésticos em detrimento da adoção (alguns dos temas de ações da Move), faltava à ONG chegar à mesa.
“Quando me tornei voluntária, ainda me alimentava de produtos animais e usava couro. Nunca precisei conversar com a Dri ou com os outros voluntários sobre o assunto. Naturalmente comecei a buscar informações sobre o tema. E quando você estuda a indústria da carne fica muito difícil não ser impactado ou se sensibilizar”, conta Danielle. Para além das lendas urbanas em torno do tema, ela conta que retirar a carne de seu cardápio foi um movimento sem maiores traumas. “Vegetariano se alimenta bem em qualquer boteco ou restaurante. Não é nenhum esforço. É que a gente está acostumado a certo padrões de consumo e ir ao supermercado para cumpri-los”, diz. O passo seguinte na dieta de Danielle foi tornar-se vegana — ou seja, abolir qualquer produto de origem animal (incluindo ovos, manteiga e laticínios).
Desta experiência pessoal surgiria a mais nova menina dos olhos do Move, o projeto Yes! We Love Vegan Trash Food — um food truck que não poderia ser mais diferentes dos onipresentes carrinhos que vendem suculentos hambúrgueres.
Sem querer, elas descobriram que que o carrinho é uma ótima maneira de captar recursos e conscientizar ao mesmo tempo. “Instalamos normalmente em eventos de público jovem e onde o veganismo não é o foco principal. Assim, temos conseguido aproximar e apresentar essa culinária para muitas pessoas”, conta Danielle. A primeira venda dos hambúrgueres veganos ocorreu no café Tio Antonio, nos Jardins, em São Paulo, e teve uma aceitação muito boa.
Danielle, que não sabe fazer “nem pipoca”, ajudar a criar a receita do burguer, que leva espinafre, linhaça e creme especial. Agora, Marly Soares se aproximou da dupla da Move e promete ajudá-la nos próximos passos gastrônomicos.
PARCEIROS DE BUSINESS SÃO VEGANOS E NÃO-VEGANOS
Uma série de parceiros ajuda a dupla. A Neogama cuida de parte da publicidade. Um grupo de voluntariado é captado por meio do Atados, site que selecionam interessados em trabalhos voluntários. Em troca de ingressos para shows, a Popload Gig conecta interessados na causa para ações específicas. Mas o próximo passo é a construção da primeira praça vegana do mundo. Danielle ainda não pode dar mais detalhes, mas contou para o Draft parte do vem por aí.
A ideia é que o espaço seja estabelecido na região central de São Paulo, próximo à Avenida Paulista. Iniciativa privada, prefeitura e frente popular estão dentro da negociação. “A associação de moradores queria uma identidade relacionada à saúde, que não houvesse a venda de bebidas alcoólicas e se associasse à natureza. Fizemos um projeto e estamos esperando caminhar agora”, conta ela.
O futuro novo espaço público vai dar opções de lazer aos paulistanos e aproximá-los de produtos orgânicos, veganos e das campanhas educativas do Move. “Queremos um adestrador para ensinar as pessoas sobre maus tratos aos animais, que muitas vezes acontecem por negligência ou falta de informação, como sair para passear com o cachorro no sol do meio-dia, naqueles picos de calor do começo do ano”, diz Danielle. Também está previsto um palco e espaço para as artes plásticas. Em todos os eventos da Move sempre há um DJ ou um artista fazendo um live paint. As sócias acreditam que isso gera bons momentos para fazer a aproximação, conversar sobre o tema e atingir um público-alvo desejado para transmitir suas ideias.
A ideia inicial de Adriana, de criar uma ONG que dá tratamento VIP à comunicação, tinha a intenção clara de ir encontrar um público com capacidade multiplicadora. O plano tem dado certo. Na última semana de maio (dia 26), a Move foi conhecer o resultado do trabalho dos estudantes da Escola Cuca, focada na criação publicitária e que reúne um time de professores com gente que ganhou algumas dezenas de prêmios mundo afora. Isso porque a ONG virou tema de uma aula na qual o tráfico e a venda de animais silvestres deveria se tornar uma campanha pelas mãos dos alunos. Detalhe: foram os próprios criativos que escolheram a ONG de proteção animal como “produto” a ser divulgado. “Isso indica que, possivelmente, algum deles se sensibilizou com o nosso trabalho”, conta Danielle, sem esconder o orgulho de ver mais uma etapa da pequena revolução que empreende com Adriana em curso.